Benguela - “O futuro não está decidido à partida, como dizem os fatalistas. Nem se adivinha, como se julgava na Antiguidade, constrói-se. Todavia, a gestão prospectiva existe para que o Homem seja artesão de um futuro escolhido, em vez de ser vítima de um futuro alheio. A prospectiva não é nem previsão nem profecia e muito menos ficção científica. É uma actividade de alto risco, não obstante, cada vez mais necessária. Caso contrário, o Homem é empurrado para gerir urgências, em vez de se construir um futuro que se deseja”. Com base em Huges de Juvenal, parece-me falta de precaução e sentido prospectivo de quem de direito ser surpreendido com as “calças na mão” pela crise decorrente da queda do preço do crude no mercado internacional!

Fonte: Club-k.net

Todavia, há males que vêm para o bem. Angola pode ter a soberana oportunidade de diversificar e estabilizar a sua economia, industrializando-se e activando outros sectores económicos como a agricultura, a indústria transformadora e extractiva, a tributação..., desprendendo-se, desta feita, da dependência quase exclusiva do petróleo. Angola pode industrializar-se por substituição das importações, à guisa do ocorrido com o Japão e NPI latinos na sequência da crise económica na Europa e nos Estados Unidos da América a que dependiam como fornecedores nos anos trinta do século XX. A escassez dos produtos manufacturados nos mercados locais dos países latinos e asiático, respectivamente, criou oportunidade de investimento aos empresários locais, que puderam substituir por produções nacionais os bens de importação.

Para o efeito, configura-se-me importante que o Estado angolano o faça, com êxito, na observância de três pressupostos fundamentais:

1o O EXECUTIVO NÃO PODE DIVERSIFICAR A ECONOMIA DO PAÍS COM ANALFABETOS. “O povo angolano é muito atrasado para ir às eleições”, pregava Dr. António Agostinho Neto aquando dos acordos de Álvor, rematando mesmo a Holden Roberto: “olha irmão, o militante da FNLA vai votar à favor da UNITA, do MPLA à favor da FNLA e assim haverá confusão”. Uma verdade nua e crua, apesar de aparentemente injuriosa, pois que, o voto irresponsável e incosciente baseado apenas na emoção e na ignorância tem efeitos desastrosos ao desenvolvimento do país e à democracia. Sou mesmo apologista que o direito de voto fosse exclusivo das pessoas academicamente lúcidas cuja vontade vincularia os não lúcidos numa espécie de representação legal. “Apenas os filósofos deveriam ser reis bem como a recíproca é verdadeira”, Platão. Não é sem razão, portanto, que na Grécia antiga, berço da democracia, esta fora vedada aos escravos, às mulheres e crianças, pois estes eram desprovidos de razão, na óptica do estagirista.

A ignorância que enferma o povo é uma das terríveis “patologias” que atrasam o país, conquanto “o que esteja a acontecer hoje não seja responsabilidade do povo angolano e, sim da responsabilidade dos portugueses que não fizeram uma descolonização honesta”, Holden Roberto, in Diário de Notícias, 25 de Abril de 1999.

Encontrará aqui alguma base de sustenção o dito segundo o qual “a pobreza em Angola é uma herança pesada que os angolanos herdaram do colonialismo”, embora volvidos 40 anos de independência?

Diversificar a economia angolana pressupõe, a priori, “diversificar” a educação do país, conferindo-lhe mais qualidade. Diversificar a economia do país implica um misto de reformas institucionais, legais, políticas... e um abandono completo do modelo económico centralizado para uma verdadeira economia de mercado.

É verdade que, “hoje há mais crianças nas nossas escolas, há mais técnicos e especialistas angolanos nas nossas empresas e instituições administrativas, há mais médicos e professores... há aumento do número de centros de formação técnico- profissional”. Porém, não é verdade que essa quantidade seja acompanhada de qualidade necessária e desejada. O “know how” capaz de manipular equipamentos e tecnologias complexos numa industrialização generalizada e competitiva ainda viria importado do estrangeiro. Continuar-se-ia a viver uma independência dependente! Diversificar a economia do país implica reformar a educação angolana na verdadeira acepção da palavra. Significa qualificar o PROFESSOR; CONFERIR PODER A GOVERNANTES HONESTOS e COMPETENTES nas urnas, cujos programas eleitorais garantam exequibilidade, unidade nacional e desenvolvimento. Daí a necessidade do voto responsável, períodico, directo, secreto e universal. Daí a necessidade da consciência e envolvimento do ENCARREGADO DE EDUCAÇÃO no processo de ensino e aprendizagem e do próprio ESTUDANTE como sujeitos indispensáveis do sucesso desse processo.

O professor é o ponto de partida e de chegada de todo este processo e um dos principais responsáveis pelo descalabro da educação vigente em Angola, pese embora, o seu responsável “number one” seja o Estado que não soube traçar oportunamente políticas educacionais satisfatórias e manter o que parecia ser já um ganho no comunismo (sem saudosismos), onde os sectores da educação e da saúde, verbi gratia, tinham um figurino melhor do actual.

O professor, hoje, deixou de ser o verdadeiro mentor de mentes críticas de “parteiro das ideias”, tornando-se num fabricante de mentes de críticas próprias de fofoqueiros; tornando-se num formatador de mentes míopes e espíritos rombudos... Um repetidor nato que cantarola, à risca, manuais editados no estrangeiro e por estrangeiros cujo teor é, não raras vezes, adverso à realidade cultural e geográfica angolanas. Estuda- se mais a “lua” e pouco a “terra”. Procura-se ir a Deus quando mal se conhece o homem numa derradeira desobediência pedagógica do “conhece-te a ti mesmo”. Consequência: continuamos “estrangeiros em nossas próprias casas”, ou umbilicalmente ligados a Portugal como ocorre, amiúde, com o nosso sistema jurídico.

O país possui mais professores e pouco educadores! Estes são profissionais comprometidos com a formação integral do Homem, enquanto aqueles são, via de regra, sofistas cuja função é transmitir conhecimento, ao invés de produzi-lo, na base de contrapartidas financeiras. Saiem de casa para mais um dia de aula, enquanto os educadores buscam formas para promoverem a transformação do seu educando e o são 24/24 horas, 365 ou 366 dias ao ano, se bissexto.

A sábia eleição dos gestores públicos é necessária. Esta necessidade é acrescida do facto de estes, no nosso contexto, serem os fautores do currículo escolar. Na Finlândia, contudo, país com melhor sistema educativo do mundo, dá-se primazia de criação de curriculos escolares aos professores. O mesmo exemplo é seguido pelo Brasil e pelos NPI asiáticos. Estes países apostam seriamente no Homem como principal recurso do país. Não é sem razão, portanto, a sua rápida e invejável ascensão económica e de qualidade de vida das suas populações. Logo, a qualificação e selecção criteriosa do pessoal docente angolano bem como a criação de condições técnicas e salariais condignas são aspectos que concorrem para o êxito de um país que se quer desenvolvido, moderno e economicamente diversificado.

O encarregado de educação, por sua vez, peca em transferir suas competências à escola. É, pois, recorrente o comportamento de alguns deles que chegam atónitos e cabisbaixos às instituições escolares porque seus filhos, há muito, tornaram-se marginais e vagabundos, nesses termos: “essi rapazi, sembre que chegu du serviçu lhe encontro não está em casa através de sair couzamigos deli!... Por causa por isso, lhe vi trazer aqui na escola para lhe educarem lá... Por causa porqui eu já não istou a lhi combriender lá bem o seu combortamento! Já não lhe anguento lá mais! Lhe disconfio que fuma caa...caan...gonha!...”

Raramente os encarregados de educação fazem mais do que o combinado, aliás, nem o combinado fazem! Aliado a isso, está a destruturação das próprias famílias como seiva viva da sociedade que não concorrem para o sucesso desse desiderato.

Há, outrossim, a preguiça do estudante angolano que não gosta de leitura! Com devidas excepções, o estudante angolano não é autodidacta. Em consequência, raramente evolui de aluno a estudante. Depende linearmente do professor, como que uma cria recém nascida depende, para sua sobrevivência, das tetas da sua procriadora. “Sem autodidatismo, porém, não há didatismo”, Edgar Morin, mesmo que se trate de melhores instituições escolares ou melhores sistemas educativos. Percebe-se, pois, quem são os notáveis “assassinos” da ciência e da educação do país: o Estado, o professor, o encarregado de educação e o aluno. Este quarteto há muito que deixou de brindar ao ouvido atento uma sinfonia angelical. Por isso, continuamos a dançar o merengue quando a música a tocar é o fado.

2o Outro pressuposto prende-se com a desburocratização do processo de criação de empresas locais, facilitando o acesso ao crédito bancário para a criação das micro, pequenas e médias empresas, bem como a política de diminuição ou isenções fiscais e alfandegárias. Programas como o Angola Invest são oportunos, pese embora de difícil acesso e atentem contra os ditames de uma verdadeira economia de mercado, numa clara perspectiva paternalista de “o mais importante é resolver os problemas do povo”. Ipso facto, este povo continua a espera que lhes sejam resolvidos todos os problemas. O Estado precisava cingir-se tão só ao seu papel regulador, criando condições necessárias para que o sector privado caminhe por si mesmo num ambiente competitivo sadio. O Jovem angolano precisa “sair da concha”, pendurar a vaidade e a piruca brasileira para “sujar as mãos” e o “macacão” na agricultura, na fábrica,... gerando, assim, alimentos, emprego e felicidade para si e para a comunidade. Já não faz sentido ao país continuar a importar tudo: do frango à ciência... Já não faz sentido ao Jovem angolano continuar a mirar os céus, esperando pelo próximo concurso público profissional... Não faz sentido querermos todos ser funcionários de proa da Sonangol ou da Alfândega. A felicidade e o triunfo estão no gosto pelo trabalho que se empreende embora humanamente cada um seja “melhor” lá onde não está.

A China retirara dos seus vizinhos asiáticos a lição, segundo a qual, “as reformas económicas devem preceder as reformas políticas”. É, no fundo, o reflexo do “primum vivere, deinde philosophari” grego... É, por conseguinte, o SOCIALISMO DE MERCADO estrategicamente adoptado por este país asiático que explica o sucesso da sua economia tida, hoje, por alguns sectores geoeconómicos especializados como a maior do mundo, ultrapassando a do Estados Unidos da América, a despeito de, politicamente a China continuar comunista. Em Angola, parece não ser aplicável a mesma fórmula, não se vislumbrando com devida nitidez de que lado viriam as reformas profundas: se do lado político; se do lado económico ou se dos dois lados, em simultâneo. Mas duma coisa tenho certeza: “ninguém se banha no mesmo rio por duas vezes. Tudo flui”, Heraclito.

3o O terceiro e último pressuposto e, não menos importante, tem a ver com a COESÃO NACIONAL.

O sucesso multifacético dos Estados Unidos da América deveu-se, em parte, ao “SONHO AMERICANO”, sem desprimor dos outros factores como a sua dimensão territorial, o dinamismo demográfico, as redes de transportes e mobilidade geográfica, o redimensionamento dos seus mercados, a rapidez da difusão científico-tecnológica e o poder financeiro da indústria. A “CONSCIÊNCIA EUROPEIA”, de uma Europa a reintegrar-se, de uma Europa ressacada pelos efeitos das duas grandes Guerras Mundiais é outro exemplo que explica a importância da coesão nacional. O “SENTIDO DE COLECTIVISMO” de que é característico o povo japonês e demais NPI asiáticos, tidos como única e grandiosa família, respectivamente, é outro exemplo que aponta nesse sentido.

No nosso contexto, a coesão nacional, sob a lufada da RECONCILIÇÃO NACIONAL é uma das inadiáveis prioridades do país. Um país políticamente dividido é um projecto pejado ao fracasso. Vê-se, assim, que a formação da nação angolana assente no federalismo é uma necessidade premente. É um processo nada fácil, diga-se, o de fundir “nações” inteiras antes desavindas (lutas entre reinos) e depois recalcadas por aquele Cão chamado Diogo tão logo tenha aportado a foz do Rio Zaire. Todavia, é possível, havendo vontade política e concurso de vontades de todos os angolanos, de lés a lés e, de todas franjas vivas da sociedade. Os EUA e o Brasil são exemplos eloquentes nesta senda. A criação de uma verdadeira nação longe dos esquemas meramente políticos é assim um dos factores derradeiros de desenvolvimento e diversificação económica do país. Uma nação onde as pessoas possam vencer por si mesmas, tendo como únicos trunfos: o trabalho e a competência. Uma nação onde a corrupção e o clientelismo combatam-se com tenacidade e extintos do cardápio lexical do angolano. Uma nação sustentada por três pilares: liberdade, oportunidade e cooperação, assim como secedeu com os EUA, onde o indivíduo para vencer na vida não precisava de ter origem, de ter linhagem, de ter sobrenome ou de ter um CAP onde militasse, bastando apenas a sua aliança ao “sonho americano”; ao projecto de todos e fazer as coisas acontecerem... A paz é outro requisito basilar tendente ao desenvolvimento de uma nação. Contudo “a paz não está nos protocolos, mas nos sentimentos dos angolanos”, (Dr. Jonas Savimbi). É necessário mais paz individual para uma paz colectiva.

Enfim, essa crise pode ser lenitivo para muitos “males” que, há muito, enfermam o angolano: da “prodigalidade” à mania do “vão aparecismo”. Do “luxo na miséria” à falta de valorização do emprego... O próprio Estado há muito que vem fazendo “banga” com o petróleo gastando, muitas vezes, rios caudalosos de dinheiro em coisas supérfluas. Doravante hábitos mais parcimoniosos deverão fazer parte do modus vivendi e operandi do angolano. Pelo menos, agora, com a subida do preço do gasóleo e da gasolina nas bombas de combustível é, quase certo, que o número de viaturas a circularem nas estradas das principais cidades angolanas irá diminuir, abrandando, para a satisfação de muitos, o controverso fenómeno do congestionamento sobretudo na capital do país. Certamente, a bicicleta, tal como em Pequim e, as viaturas de menos cilindrada como a “voxpata” serão a preferência de muitos angolanos para maior poupança e rentabilidade. Se a vida do angolano comum já era difícil agora será, com certeza, dificílima mal grado do preceito bíblico expresso em Marcos, 4:25!

Mas, não existe mal que dure para sempre. Além disso, a história revela que as crises económicas costumam ser uma oportunidade soberana para investidores argutos e sagazes. Por isso, nada de alarmismos! Caberá apenas a cada um a capacidade de saber tirar proveito do fracasso e cultivar hábitos do uso adequado da mente, da iniciativa empreendedora, do hábito da economia e, acima de tudo, ter sempre Deus como Alfa e Ômega. “Tudo isso só será possível com a assunção consciente de cada cidadão, das famílias, da Sociedade Civil, das Igrejas e do Estado”. (PR José Eduardo dos Santos).

Quando algum dia, contudo, o filho de um norte americano estudar como bolseiro nas escolas públicas angolanas; quando um dia os mais altos dirigentes nacionais tratarem-se clinicamente nos hospitais públicos do país, poderemos, então, dizer, com sofreguidão que Angola conseguiu “educar a sua Educação”; que Angola conseguiu “sarar a sua Saúde”...

Feliz Ano Novo a todos os angolanos dentro e fora do país...

Fernando Kapetango