Luanda - Um dos programas de maior audiência da estação radiofónica Luanda Antena Comercial (LAC), que emite apenas na capital do país, foi suspenso pela direcção. Segundo apurou o Rede Angola, a decisão foi uma sequência do teor crítico e da opinião livre de algumas das participantes da mesa redonda, que acontecia todas as quartas-feiras. Luísa Fançony, directora-geral da LAC, afirma que “ninguém fez pressão para acabar com o programa”.

Fonte: RA
Lac.jpg - 81.39 KBO surpreendente anúncio surgiu, quarta-feira, através de um texto publicado numa rede social, assinado por Alexandra Simeão, uma das participantes do programa “Elas e o Mundo”. A antiga vice-ministra da Educação no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) era também uma das vozes mais críticas do trabalho do MPLA e do governo.

O painel de comentadoras, todas mulheres, era ainda composto por Ana Paula Godinho (advogada), Laurinda Hoygaard (antiga reitora da Universidade Agostinho Neto e actual reitora da UPRA – Universidade Privada de Angola) e Suzana Mendes (jornalista e ex-directora do recentemente desaparecido Angolense).

Fonte do Rede Angola ligada ao dia-a-dia da LAC, que prefere não se identificar, explica que as pressões sobre os posicionamentos assumidos durante o programa “Elas e o Mundo” começaram há alguns meses. “Fomos ouvindo rumores sobre um possível afastamento da Alexandra Simeão e também, eventualmente, da Suzana Mendes. Sabemos que algumas pessoas não estavam totalmente satisfeitas com o teor crítico do programa. Como a simples retirada de uma das participantes não seria bem-vista, a direcção encontrou este caminho: suspendeu o ‘Elas e o Mundo’ ainda durante o mês de Dezembro, alegando que o período de festas seria também um período de férias do programa. E agora vai ser descontinuado”, destaca a referida fonte.

A decisão é, no entanto, motivo de polémica: o “Elas e o Mundo” era um dos programas mais ouvidos da LAC. As redes sociais e o meio jornalístico foram desde logo palco de vários questionamentos acerca desta decisão. Luisa Fançony, uma das mais reconhecidas vozes angolanas, com vasta experiência na profissão, explica as suas motivações.

“É verdade que era um programa com bastante impacto e audiência. Mas isso nem sempre é bom, a continuidade também acaba por esmorecer a equipa e a capacidade de trazer novas ideias. Assim acabamos em grande”, nota Luísa Fançony. Sobre as fortes críticas que atingiam de forma eficaz o governo e o MPLA, a jornalista reconhece que às vezes “é melhor nem ir por aí”.

“Como jornalistas devemos ter alguns cuidados e ser muito profissionais. Vamos pensar sobre este assunto, ainda não há uma decisão definitiva sobre os novos programas. Ao longo do tempo já demonstrámos que somos capazes de fazer programas interessantes e inovadores. O objectivo da LAC não é colocar as pessoas a pensar como nós queremos. O nosso desafio é dar às pessoas condimentos para pensarem pela sua própria cabeça. Não houve qualquer problema com a linha editorial, nem ninguém nos disse para acabar com o programa”, frisa Luisa Fançony, em conversa telefónica com o Rede Angola.

“Soube que o programa não ia ter continuidade no dia 13 de Janeiro de 2015”, afirma Alexandra Simeão em conversa com o Rede Angola. “Fui informada quando a directora, Luísa Fançony, foi a minha casa para me informar. Não fiquei surpreendida porque as férias antecipadas do programa já tinham sido um indicativo de que alguma coisa podia acontecer, tendo em conta que nos anos anteriores o programa foi quase até ao dia 20 de Dezembro”.

Sobre a possibilidade da LAC reformar o “Elas e o Mundo” – possibilidade que, sabe o Rede Angola, está em cima da mesa – para trazer outro tipo de programa, com vozes diferentes, a filha de Anália Pereira (a “Mamã Coragem”) diz não saber de nada.

“Não, não tenho conhecimento. Isso não me foi dito pela direcção da LAC. Não tenho como saber o que vai na cabeça de quem quer que seja. Mas quero dizer que a LAC nunca me impediu de falar livremente, nunca houve qualquer censura ao programa, nem nunca existiu nenhum clima de tensão entre nós. A Luísa Fançony é uma profissional consagrada, com décadas de jornalismo e tem princípios. Por isso, durante os dois anos que estive como comentadora do programa sempre fui bem tratada, com respeito e consideração por todas as pessoas da LAC. No entanto, se essa possibilidade for verdadeira, quero felicitar a LAC. Porque se tirassem alguém do programa em nome do incómodo, eu teria saído também em nome da solidariedade. Foi mais ético terem acabado com o programa do que terem feito uma ‘purga’. Mas é como já disse: ninguém me disse nada sobre este assunto. Lamento, apenas, porque considero que foi mais uma paulada na liberdade de expressão. E a paulada acontece num país que afirma viver em democracia”, conclui Alexandra Simeão.

José Rodrigues, director de informação da LAC, recusou prestar declarações ao Rede Angola e disse ao telefone “não confirmar, nem desmentir” a suspensão do “Elas e o Mundo”. E remeteu todas as considerações para Luísa Fançony, directora-geral da LAC e responsável pela coordenação do programa em causa.

Luísa Rogério, colunista do Rede Angola e secretária-geral do Sindicato de Jornalistas Angolanos (SJA), diz lamentar “profundamente” a decisão da LAC. “Sem medo de errar, julgo que o ‘Elas e o Mundo’ era um dos programas mais ouvidos no espectro radiofónico de Luanda. Era um programa com um alto nível de intervenções, que dava espaço ao contraditório e que cumpria com a ideia de serviço público. É profundamente lamentável”.

Sobre os espaços de opinião livre nos meios de comunicação social angolanos, que parecem estar em vias de extinção (mesmo os jornais privados, salvo raras excepções, não dão espaço a opiniões independentes do governo ou abrem o debate ao contraditório), a jornalista e sindicalista deixa a sua análise pessoal.

“O que verificamos é que existe uma tendência muito grande de concentração de meios nas mãos de uma única entidade. Mesmo contra a lei e com a agravante de não conhecermos, oficialmente, quem são os investidores. Predisposição que também está presente na legislação em vigor e que raramente é cumprida. A decisão da LAC é muito triste. Julgo até que, pelo impacto que o programa ‘Elas e o Mundo’ tinha na sociedade luandense, o público merece uma justificação mais abrangente”, frisa Luísa Rogério.

A LAC existe desde 25 de Setembro de 1992. É uma sociedade por quotas, participada por um grupo de jornalistas e pela GEFI – Sociedade de Gestão e Participações Financeiras. A GEFI é uma entidade normalmente associada ao MPLA.