Luanda - Não caberá, certamente, numa folha de jornal, a descrição das qualidades do General do Corpo de Exército que foi Jonas Malheiro Savimbi, até o seu último suspiro, a 22 de Fevereiro de 2002, no Lucusse, na província do Moxico.

Fonte: UNITA

ImageCabendo-me, entretanto, a honra de dizer algo sobre a minha percepção em relação ao papel desempenhado pelo Dr. Jonas Savimbi na sua condição de Alto Comandante das FALA, devo, em primeira instância, referir que, não vou entrar em detalhe sobre várias facetas da sua vida como político-militar e diplomática.

Vou cingir-me mais naqueles aspectos que caracterizavam a sua personalidade enquanto homem que tinha sob sua responsabilidade milhares de homens e mulheres para cumprimento da missão de libertar a terra e os homens, primeiro do jugo colonial português e depois do expansionismo russo-cubano que sustentou o regime do monolítico implantado em Angola, em 1975.

Uma das primeiras preocupações do Dr. Jonas Savimbi era o trabalho político no seio dos soldados, inculcar na sua consciência a ideia política para que pudesse desempenhar eficazmente a sua missão, que implicava muito sacrifício.

Dizia o Dr. Savimbi que um homem sem política é veneno. Fazia questão de reunir com o pessoal, mesmo em situações difíceis de ofensivas, para transmitir ideias políticas sobre o país. Entendia que um homem politicamente esclarecido tinha condições de compreender os fenómenos à sua volta. Aos soldados e oficiais das FALA dizia que a guerra não era mais do que a continuação da política por meios violentos e a arma empunhada pelo soldado era um instrumento ao serviço da política.

A educação político-patriótica das tropas aos mais variados níveis era a prioridade número um do Dr. Savimbi. Para a sua concretização, encetou a formação de quadros políticos, nas diferentes etapas da luta, enquadrou-os nas unidades militares e nas armas e serviços e aos quais delegou a tarefa de cuidar do homem. O homem povo, o homem quadro e o homem soldado.

Para o bom êxito da formação política, enquadramento e controlo político pelos trabalhadores políticos - comissários, instrutores e monitores políticos, concorriam a Comissão Política e o Comité do Soldado, órgãos muito importantes no seio das FALA, como, aliás, se lembrarão os que terão tido o privilégio de pertencer às suas fileiras.

O cumprimento das três regras básicas de disciplina das FALA, 1) obedecer às ordens superior acima de tudo; 2) entregar ao comando tudo que capturar no combate e, 3) não tirar nada do povo nem uma pena de galinha fizeram das FALA, sob o Alto Comando do Dr. Savimbi, um exército amigo do povo.

O Dr. Savimbi educou os oficiais e soldados das FALA a acarinhar e a respeitar o povo e a defender os seus haveres. Aliás, dizia-se à miúde, em aulas políticas, chamas do guerrilheiro e em círculos de debate, que eram as modalidades de transmissão de conhecimentos, que o soldado das FALA veio do povo, luta pelo povo e volta ao povo.

O Dr. Savimbi assumiu o papel de pai e tutor dos oficiais, sargentos e soldados das FALA que, por razões de guerra tinham abandonado os seus progenitores. E, nessa condição encarregou-se de transmitir a todos que tinham a missão de dirigir e não só, a sua própria personalidade.

“O oficial deve sempre conduzir-se diante do soldado como um irmão mais velho”, aconselhava, sem se cansar, a todos os detentores de cargos de chefia, em busca de um relacionamento essencialmente humano que propiciasse uma salutar convivência.

Não obstante a verticalidade da hierarquia militar, o Dr. Savimbi educou os seus oficiais a se comportarem como irmãos mais velhos dos soldados a quem, além do mais, cabia o dever de educar, orientar e acarinhar para a execução cabal das missões.

Em 1982, perseguindo esse princípio de relacionamento político e humano, entre oficiais e soldados, o Dr. Savimbi fundou o Centro de Estudos Comandante Kapesi Kafundanga - CECKK. A partir do seu posto de comando, o Dr. Savimbi sentia a necessidade de um trabalho político profundo no seio dos oficiais, dos soldados e também do povo. Entendia que quer oficiais, quer soldados traziam das suas origens, taras que precisavam ser banidas, através de consciencialização política.

Comandantes e trabalhadores políticos passaram a frequentar os mesmos cursos políticos, na maior escola de política da UNITA, em busca de um entendimento filosófico único e comum. Devo dizer que não eram somente homens. Iam também mulheres pertencentes a vários sectores da vida da UNITA.

Tal realidade veio a contribuir para uma maior compreensão sobre a missão do político, do militar e do administrativo. O Dr. Savimbi conseguiu fazer com que os oficiais e soldados desfrutassem dos mesmos privilégios, distinguindo-se os primeiros dos segundos, pelo seu dever de comandar.

“Dirigir não é um privilégio, é um dever”, dizia-se. O facto de os soldados partilharem com os seus comandantes de batalhão, companhia, pelotão e de secção, as mesmas oportunidades veio a reforçar a coesão e o espírito de solidariedade, entre as tropas, com reflexos muito positivos nas suas acções combativas.

Entre os elementos doutrinários que o Dr. Jonas Savimbi interiorizou e praticou ao longo da sua vida, há a destacar o princípio de que o dirigente deve estar lá onde os riscos são maiores. Nesse sentido e quando a situação exigia sacrifício, o Dr. Savimbi abandonava o seu posto no Quartel-general e se juntava às tropas na linha de frente, sujeito às mesmas intempéries. Aconteceu muitas vezes na defesa do território livre contra as ofensivas de Luanda.

O Dr. Savimbi era um general das linhas. Corria o mesmo risco que os soldados. A sua presença nas frentes de Munhango, Kuemba, Kazombo, em Mavinga e no Kuito Kuanavale são exemplos do que acabamos de afirmar. “Vou tirar este fato, meter o meu uniforme e partir para a frente de combate com a minha arma”, disse o Dr. Savimbi às populações da Jamba, que o receberam de regresso de Lisboa, onde cumpria uma missão diplomática, para se juntar às unidades das FALA que se batiam com galhardia contra a ofensiva do “Último Assalto” que visava capturar Mavinga e Jamba, em 1990.

Além da sua participação directa em tudo que o seu dever exigisse, o Dr. Savimbi imprimia uma dinâmica própria às várias instituições do Partido e das FALA, para que ao soldado na linha da frente não faltasse carinho, alimentação, equipamento, uniforme, botas, o medicamentos e munições. Para isso tinham que estar sempre prontos os sectores do secretariado-geral do Partido encarregue de mobilizar e organizar o povo para apoio à frente, a logística e a saúde.

O Dr. Savimbi não se preocupava apenas com a consciência política da tropa. Criou instituições através das quais a tropa passou a dominar melhor a ciência da guerra. Uma dessas instituições era o Departamento de Alfabetização e Formação Académica – DAFA. Em momentos de pausa nas actividades operacionais, era obrigatório aprender a ler e escrever.

Os professores eram os próprios oficiais e soldados detentores de conhecimentos académicos. Tal era a solidariedade! Justino Mandele é um dos vários soldados e oficiais de origem camponesa que conheci e que aprenderam a ler e escrever nos intervalos entre campanhas militares, graças ao DAFA criado pelo Dr. Savimbi.

Aos soldados feridos nas várias frentes de combate e que a necessidade de assistência médico-medicamentosa exigisse a sua deslocação ao Hospital Central da Jamba, o Dr. Savimbi prestava uma atenção especial. Durante os mais de 100 dias que fiquei internado, para recuperar da fractura do tíbia esquerdo, por um estilhaço de morteiro 82 mm, recebi “n” vezes visitas do Dr. Savimbi ou de seus emissários.

Uma das perguntas que fazia era como corria o tratamento, como era o regime alimentar e os cuidados dos enfermeiros aos doentes. O Dr. Savimbi apertava a mão de cada paciente e ouvia atentamente a sua explicação. Fazia-se acompanhar do responsável pela sua administração, aos tempos, Marcelo Dachala, que tomava nota de todas as preocupações que eram resolvidas logo a seguir. Se algum doente precisasse de sua esposa, estivesse onde quer que estivesse, era convocada ao encontro do seu marido.

O DR. Savimbi era muito sensível perante os soldados feridos, ou doentes de uma maneira geral. Não era apenas ao hospital da Jamba que o Dr. Savimbi seguia de perto. Escalava, de tempo em tempo, os hospitais Samanjolo, do Kakuxi, do Kapakala, do Luangundu e do Kueio na região militar 66. Alí, os responsáveis eram obrigados a tratar os pacientes dentro do espírito de humanismo e compaixão exigido por Jonas Savimbi, sob pena de sofrerem repreensões que iam desde a despromoção à suspensão de funções.

Era filosofia do Dr. Savimbi que aquele soldado, que na frente de combate dá o seu melhor até a própria vida, para defender o território e o povo, uma vez ferido e na retaguarda, fosse digno de carinho e tratamento à dimensão desse sacrifício.

Para aqueles, cuja gravidade dos ferimentos não permitisse recuperação física plena e consequente regresso às suas unidades, particularmente, os amputados de membros inferiores ou superiores e cegos, o Dr. Savimbi construiu as bases do Biongue e Kavaleka, nas terras livres de Angola, mais precisamente nas margens do rio Kuando e em Mavinga, respectivamente.

E criara o Departamento de Feridos de Guerra – DFG, afecto ao gabinete do Alto Comandante, que tinha por missão, zelar pela situação daqueles que tinham dado à pátria uma parte de si. Para essas pessoas, a vida continuou a reservar desafios. Tinham obrigação de se formar académica e profissionalmente.

O Dr. Jonas Savimbi será eternamente lembrado pelo seu papel de pai e de condutor de homens, pelos oficiais, sargentos e soldados das FALA, quer estejam hoje nas Forças Armadas Angolanas - FAA quer estejam desmobilizados, ou entre aqueles que não beneficiaram de nenhum dos estatutos mencionados.

Jonas Malheiro Savimbi terá sido o único general que na história recente de África e do Mundo lutou pelos seus ideais de arma na mão até morrer. Sinto orgulho eterno de ter sido seu soldado e vivido no seu tempo. Bem Haja Jonas Savimbi.