Cabinda - Menino de 11 anos, com problemas de falciformação e com fortes sinais de autismo, está a ser acusado de feiticeiro. Vive na rua, onde é espancado. A família rejeita-o. As igrejas expulsam-no. Só uma senhora é que luta por ele.

Fonte: NG
cabindinha.jpg - 60.88 KBNo centro da cidade, em frente ao hotel Mayombe, a equipa do Nova Gazeta (NG) depara-se, pela primeira vez, com Tony. O repórter tenta fazer fotos. De repente, o local fica apinhado. De longe, ouvem-se insultos: “Tony feiticeiro”. O quadro torna-se mais difícil e o menino quase recusa a ser fotografado.

José António Muanda, mais conhecido por ‘Tony’, deambula por toda a cidade e dificilmente passa despercebido da esmagadora maioria dos cabindenses, devido às características físicas: estatura baixa e com sinais de falciformação, cabeça grande e olhos muito amarelados.

É por isso que o acusam de ser feiticeiro, apesar da inocência dos seus 11 anos. Paulina da Silva, que se dedica à restauração e que tem estado a cuidar dele, é das poucas vozes com um discurso diferente: “Tony não é, nem nunca foi, feiticeiro”. Considera que apresenta várias características que o indicam como um potencial autista e justifica: “É uma criança que, por mais fome que tenha, complica na hora de comer. É muito sensível ao cheiro. Se estiver a comer e há um balde lixo ao lado, ele não come”, sublinha, acrescentando que se trata de “uma criança hiperactiva e que não tem noção do perigo, teimosa, nervosa e, às vezes, mal-educada”.

O pai de Tony desconhece a verdadeira origem do problema. Separou-se da mãe em 2004, com quem a criança viveu até ter falecido em Novembro do ano passado. Desde essa altura, o miúdo ficou com o pai, um militar das Forças Armadas Angolanas (FAA). Mas, por duas vezes, desapareceu de casa. Na segunda vez, foi recolhido pela polícia. Passou a viver com a avó da parte da mãe que, em Dezembro do ano passado, acusou Tony de ser “feiticeiro”, devolvendo a criança ao pai.

Um dia, de regresso do trabalho – tal como já havia sucedido no passado – José António não encontrou o filho em casa. A actual esposa contou que o menino apareceu “com uma senhora”, mas que acabou por se ir embora. A senhora é Paulina da Silva que, desde aquela altura – já passam cerca de dois meses – tem estado a cuidar de Tony.

José António está convencido de que o filho começou a ficar diferente depois da morte da mãe e que, no óbito, ouviu que a ex-mulher teria “adquirido feitiço para render mais nos negócios”. José António conta que também foi no óbito que se apercebeu de que esse feitiço “foi transmitido ao filho”. “Levei-o a uma igreja onde disseram que era feiticeiro. Além disso, ele próprio fala e diz que matou a mãe”.

O pai admite que a resistência de Tony em ficar em casa deixa-o sempre na dúvida sobre a acusação, lembrando que o irmão permanece em casa, “sem causar problemas”. A reforçar a dúvida, conta que nos Balubas, na Lunda-Norte, onde chegou a ser militar, ouviu falar de crianças, ditas feiticeiras, que mataram adultos.

A madrasta, Bernadirna Emília, também acusa a criança de ser feiticeiro e diz que foi um curandeiro que a informou que “o rapaz se transforma em muitas coisas, nomeadamente, em jibóia”. Tony precisa permanentemente de transfusões de sangue, mas a madrasta entende que “o sangue é, no fundo, a gasolina que usa para voar e depois ir fazer mal às pessoas”.

A interactividade entre Tony e Paulina da Silva nem sempre foi regular. “Mas agora começa a ser”, remata, acrescentando que o rapaz, no início, só aparecia quando quisesse comer. “Tenho um espaço onde há gente que não via isto com bons olhos. Uns chamavam-lhe de feiticeiro”, afirma, reforçando que este quadro tem estado na base das frequentes “porradas” que o rapaz é vítima nas ruas. “Na semana passada, apareceu-me em muito mau estado: urinado, a mancar, com inchaço na testa, enfim, completamente debilitado. Levei-o ao hospital – onde, por sinal, também já o conhecem – e ali foi-lhe diagnosticado malária”.

Desde então, tem dado o apoio necessário devido, principalmente, à medicação que o rapaz tem de tomar por recomendação médica. “Não estou com ele sempre, mas procuro dar-lhe comida e banho. Só que, como menino de rua, desaparece com frequência. Mas, regra geral, está aqui todos os dias a partir das 6 horas da manhã”.

Paulina da Silva tem tido dificuldades em circular com o menino pela cidade. É obrigada a suportar insultos. “Houve um episódio em que chovia e eu e ele íamos a subir num táxi e o taxista não deixou. Quando insisti, o taxista disse-me que com ele (Tony) não podia subir e até me pediu que o menino descesse e que eu permanecesse no carro para depois falar comigo. Disse obrigada, mas não queria ouvir nada!”.

O drama é geral. “Se entrar com ele na praça, ninguém faz mal, mas falam mesmo mal. Digo isso por experiência própria. Onde há muita gente não vale a pena andar com o Tony”. Em Cabinda, segundo Paulina da Silva, existe muita gente interessada em ajudar, mas, reforça, que “devido à forma maléfica como é pintado o quadro, afasta-se”.