Tanzânia - Escrevo este texto no momento em que, na minha opinião, dois factos marcaram o continente africano na semana passada no domínio da justiça e dos direitos humanos.

Fonte: Club-k.net

O primeiro tem a ver com a realização do Colóquio e da 3.º Assembleia Geral da Coligação para um Tribunal Africano Eficaz na Defesa dos Direitos Humanos e dos Povos, em Arusha-Tanzânia, sede do referido tribunal.

Este encontro, do qual participei, serviu para avaliar o processo de implementação e funcionamento do referido Tribunal constituído através do Protocolo aprovado no Burquina Faso em 1998 e que já sofreu três emendas, nomeadamente, o Protocolo de Maputo em 2003, o Protocolo do Cairo em 2008 e recentemente a emenda introduzida em Malabo em 2014. A partir desta última emenda, o Tribunal passa a chamar-se Tribunal de Justiça, dos Direitos Humanos e dos Povos e, como tal, com dupla jurisdição: administrar a justiça e a defesa dos direitos humanos e dos Povos no continente.

No Colóquio em participaram vários juristas e académicos africanos, constatou-se que, apesar de o Protocolo ter sido ratificado em 1998, a maioria dos Estados Africanos parte da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, ainda não o ratificaram para que os cidadãos vítimas de violações dos seus direitos possam ter o Tribunal Africano como mais instância de recurso e assim garantir o direito de acesso à justiça previsto na Carta de Banjul.

Do Mapa das ratificações, observou-se que apenas 7 Estados ratificaram o Protocolo e depositam a declaração junto da Corte, nomeadamente, o Burkina Faso, o Mali, o Malawi, a Tanzânia, o Ghana, o Rwanda e a Costa do Marfim. Alguns poucos Estados ratificaram, mas não depositaram os instrumentos de ratificação e uns tantos outros ainda não são parte do Protocolo, entre os quais a República de Angola.

Deste encontro, identificaram-se, de ente outros, alguns desafios, como a necessidade de influenciar e pressionar os Estados a assinarem os Tratados aprovados por si ao nível da União Africana, reforçar o engajamento da Mídia africana na promoção e divulgação da importância do funcionamento do Tribunal na protecção dos Direitos Humanos em África, impulsionar os Estados a contribuírem financeiramente para o bom funcionamento do Tribunal e necessidade de as ONG, associações e Organizações da Sociedade Civil em geral continuarem a dar o seu contributo para efetivação do tribunal e promoverem acções de advocacia para que os Estados ratifiquem o Protocolo. Concluiu-se também que as lideranças africanas aprovaram o Protocolo que cria o Tribunal, mas continuam a demonstrar pouca vontade para o efectivar na prática.

O segundo facto tem a ver com a situação de que, de acordo com imprensa Keniana e alguma europeia (e com bastante timidez) , o actual Presidente do Kénya, Uhuru Kenyatta, saiu vitorioso do processo que lhe opunha junto do Tribunal Penal Internacional no qual era acusado de crimes contra a humanidade e de ser um dos responsáveis das mais de 1000 mortes que resultaram da violência pós-eleitoral no Kénia, em 2007. O caso foi formalmente encerrado por falta de provas.

Desse processo, os africanos podem tirar duas lições. Por um lado, tivemos um líder que mesmo estando no exercício do poder não temeu pela justiça penal internacional ,pois os próprios juízes e procuradores do TPI não acreditavam na sua comparência e anunciavam consequências já previsíveis e habituais para lideranças africanas.

Por outro lado, deste facto positivo, também podemos retirar outro facto negativo para a geopolítica e estratégica dos Estados Africanos, isto é, não é bom que nossos líderes, no exercício no poder ou não, sejam julgados por instâncias que não sejam as africanas.

Para o efeito, é importante que as lideranças africanas invistam no reforço das instituições nacionais e nos Mecanismos regionais criadas por eles mesmos para protecção e efectivação dos direitos humanos e da justiça no continente, tais como próprio Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, o Tribunal da SADC e outros dotando-os de condições de trabalho capazes de garantir o acesso à justiça e ao direito com independência e imparcialidade.

De outro modo, entendemos, que os crimes, as violações dos direitos humanos e a impunidade não podem continuar a triunfar na construção do Estado de Direito em África. Para tal, quer aceitemos ou não, com preconceito ou sem preconceitos, o recurso, ao TPI ainda continua a ser uma ferramenta certa e importante na luta contra a impunidade, porque a justiça é uma das aspirações todos os seres humanos.