Tomada de Posição

Luanda - O Estado deve estabelecer normas claras e aplicáveis na defesa do património natural, cultural e social do país (al. j do art. 5o) da Lei de Bases do Ambiente e garantir, de acordo com a al. h do mesmo artigo, a participação dos cidadãos em todas as tomadas de decisão que impliquem desequilíbrios ambientais e sociais. É dever do governo assegurar que o património ambiental, natural, cultural e histórico sejam objecto de medidas permanentes de defesa e valorização como se depreende da Lei de Bases do Ambiente para moderar os impactes decorrentes de eventos climáticos extremos.

Fonte: Rede Terra


Para que os impactos dos eventos climáticos extremos sejam mínimos é necessário um processo de gestão de riscos para desastres (Brasiliano, 2011). Na abordagem dos desastres naturais Araújo (2002) coloca um “antes”, um “durante” e um “depois.”O “antes” traz à discussão a visão estratégica fundada na governação vigilante de gestão e integração do risco em processos de formação e tomada de decisões públicas (sistemas de identificação, monitoramento dos riscos, informação; sistema de educação e avaliação das capacidades e vulnerabilidades). O “durante” questiona, de igual modo, as políticas públicas em matéria de adaptação e resiliência (sistemas de socorro, realojamentos, etc.). O “depois” resume-se no balanço, mas também, em processos de reconstrução do bem-estar da população.

O PNUD no seu relatório “Reduzindo o Risco de Desastre” afirma que apenas 11% das pessoas expostas aos perigos naturais residem em países em desenvolvimento, mas representam mais de 53% do total de mortes. Na verdade, a questão que releva, hoje, em sede de impactes de eventos climáticos extremos, mais do que aferir da sua magnitude e intensidade, coloca-se a problemática da vulnerabilidade. Nisso, o IPCC (2015) e vária literatura científica apontam os países em desenvolvimento como os mais vulneráveis. A falta de visão estratégica de gestão e monitoramento do risco, a pobreza, a segregação sócio-espacial, débeis sistemas de infra-estruturas, fraco investimento na produção científica e tecnológica, etc. são, de entre outros, factores que potenciam a vulnerabilidade num contexto em que a frequência de eventos climáticos extremos é duas vezes maior do que nos anos 80 e sete vezes mais do que nos anos 50 de acordo com alguma pesquisa feita pelo Centro de Pesquisa sobre a Epidemiologia dos Desastres (s/d). Os governos precisam de compreender que a sustentabilidade não é, privativa da questão ambiental, mas a forma como decidimos viver as nossas vidas com a consciência de que tudo o que se faz tem consequências para o futuro (IDH, 2011).

Olhando para os tristes acontecimentos que vitimaram em Bengula mais de 60 pessoas entre homens, mulheres e crianças importa referir o seguinte:

1. Há pouco ou quase nenhum investimento em adaptação às alterações climáticas (causa natural e antrópica) o que requer criar capacidades adaptativas e resiliência  face aos eventos climáticos extremos cada vez mais recorrentes e intensos no mundo;

2. O governo angolano terá de aprender a distribuir melhor a riqueza do país combatendo as assimetrias territoriais, humanas e disfunções sociais e a segregação sócio-espacial, pois, pobreza é, na verdade, igual à vulnerabilidade;

3. Há que convir que a governação não se faz, meramente, com os intrumentos normativos, pior, com o legalismo. Hoje, para a boa governação não há epistemologias do Norte ou do Sul. A participação é a expressão mais eloquente em processos de formação e tomada de decisões, mas a exclusão é, ainda, bastante notória no país. O diálogo epistemológico não deve ser atado aos segmentos ou ideologias do voto.

4. O governo angolano deverá privilegiar a gestão, monitoramento e integração do risco sócio-ambiental em todos os processos de formação e tomada das grandes decisões de interesse público sob pena, como afirma a OCDE (2012) de comprometer os passos do desenvolvimento que se experimentam;

5. O maior problema não é a construção precária, desordenada e em áreas de risco, mas a falta de governação ambiental estratégica. Ou seja, o problema é, acima de tudo, uma questão de governação. Seria bom que o governo criasse um corpo de agentes de fiscalização comunitários tal como prevê o art. 32o da Lei de Bases do Ambiente. Afinal, todos os cidadãos têm o direito de acesso à informação relacionada com a gestão do ambiente no país.

6. A Rede Terra solidariza-se, neste momento de dor e luto, às famílias das vítimas. Que descansem em paz entre os esplendores da luz perpétua.