Luanda - Vendo as imagens televisivas, foi com bastante emoção que no passado dia 21 de Março partilhamos com os namibianos, mas não só, a celebração das bodas de prata da jovem republica que tem a particularidade muito especial de estar no nosso curriculum como sendo, depois de Angola, o segundo país que tivemos o privilégio de ver nascer in situ na hora exacta em que a sua independência estava a ser proclamada.

Fonte: SA

Por este andar da carruagem, tendo em conta o tempo de vida que ainda nos resta e a evolução do contexto africano/internacional, acho que já não teremos a oportunidade de ver mais nenhum país “ser dado a luz”.

Assim sendo, teremos mesmo de nos contentar com estes dois, o que já não é nada mau, embora nunca se saiba, pois, entretanto, ao longe já vimos nascer mais dois estados africanos.

Estamos a falar da Eritreia e do Sudão do Sul, enquanto continua numa situação interrogada o futuro do Sahara Ocidental e da mais distante Palestina, que já foram duas grandes causas de Angola, quando o país era uma “trincheira firme da revolução em África”.

No que toca ao Sudão do Sul temos no curriculum um contacto feito nos anos 80 na capital etíope e à margem da cobertura de uma cimeira da então OUA, com o já falecido e carismático John Garang.

Caso as coisas tivessem corrido melhor, hoje deveria ser ele primeiro Presidente do mais jovem estado do mundo que com ele à sua frente teria, possivelmente, evitado a desgraça em que os novos dirigentes o mergulharam por incompatibilidades várias.

Vinte e cinco anos depois de Sam Nujoma e da SWAPO terem acabado com uma colónia dominada pelo apartheid chamada Sudoeste Africano (SWA) e do no seu lugar terem plantado uma Namíbia independente, o país cresceu, atingiu a maior idade e hoje já pode ser considerado um determinado jovem adulto com algumas convicções fundamentais consolidadas, quanto ao caminho que quer continuar a trilhar, depois de transcorrido o primeiro quarto de século da sua história no convívio das nações livres.

Graças às suas sucessivas e esmagadoras vitórias eleitorais, o antigo movimento de libertação nacional tem conseguido governar a Namíbia democrática em regime de maioria absoluta, o que naturalmente lhe confere ainda mais responsabilidades na hora de fazer o balanço e de apresentar os resultados concretos da liberdade conquistada.

Como jornalista e apesar da nossa ligação histórica ao país, do ponto de vista do detalhe não acompanhamos com a atenção necessária para podermos aqui formular uma apreciação de conjunto, esta primeira etapa do que foi a caminhada rumo à edificação de um novo país sob a contínua liderança politica da SWAPO.

Não temos, contudo, muitas dúvidas em concluir que após estes anos de independência, a Namíbia tem hoje uma democracia cuja qualidade faz certamente inveja a vários outros países africanos que já alcançaram as suas independências há muitos mais anos, mas  que hoje ainda vivem recorrentes impasses políticos que os mergulham em sangrentas crises internas.

Do ponto de vista social e do crescimento económico, a estabilidade do nosso vizinho do sul é demasiado evidente, como o comprovam os próprios angolanos que cada vez mais recorrem ao mercado de bens e serviços da Namíbia para resolverem todos os seus problemas, onde o destaque vai, certamente, para a procura de cuidados médicos mais diferenciados.

A ter em conta o discurso inaugural do seu terceiro presidente, Hans Geingob, que ainda pertence à geração da SWAPO que fez a guerrilha, a Namíbia continua a ter problemas sociais sérios com a pobreza, mas que se adivinham bem diferentes para melhor, se comparados com aqueles que os angolanos conhecem e muito bem.

Hoje a imagem da Namíbia já não terá muito a ver com aquela que captamos há mais de 25 anos quando pisamos pela primeira vez o pé no território e que nos levou a escrever o seguinte retrato:

“Em Windhoek o apartheid é particularmente visível nas zonas residenciais onde brancos, negros e mestiços foram acantonados em áreas perfeitamente definidas, autênticas fronteiras até bem pouco tempo.

Naturalmente que a minoria branca ocupa as melhores zonas residenciais onde luxuosas e espaçosas vivendas todas com piscina são a nota dominante da sua dolce vita em contraste gritante com as zonas dos mestiços  e dos negros, onde as habitações raramente ultrapassam os dois quartos de dormir e uma minúscula sala comum.”

Os primeiros a chegar 

Estivemos entre 1989/90 em Windhoek a fazer a cobertura jornalística de todo o processo no âmbito da resolução 435 das Nações Unidas que conduziu com sucesso a Namíbia à independência.

No inicio de 1989, fizemos parte do primeiro grupo de jornalistas angolanos que chegou a Namíbia, depois do Tó Santana que na altura era o correspondente da Angop em Harare/Zimbabwe já lá ter estado a fazer a primeira avaliação da situação no terreno.

Com Venâncio de Moura, viajamos no primeiro avião da TAAG que fez a ligação entre Luanda e Windhoek depois da nossa independência, numa altura em que o território namibiano ainda estava sob a administração colonial sul-africana.

Connosco viajou a equipa do Petro-Atlético do Huambo na altura liderada pelo meu amigo Arlindo Leitão que viria assim a ficar também na história destes 25 anos, como tendo protagonizado o primeiro contacto desportivo (competição) entre os dois países, embora a contra-parte local, constituída apenas por jogadores brancos, ainda fizesse parte do tempo do desporto afecto ao apartheid que também vigorou na Namíbia.

Já não nos lembramos bem de como passamos pelas autoridades migratórias locais no aeroporto, pois na altura o nosso passaporte era válido para todos os países, menos para a África do Sul.

Aterramos na capital namibiana exactamente no dia 1 de Abril de 1989 que foi a data em que teve inicio o processo de transição para a independência do território no âmbito da aplicação da resolução 435 das Nações Unidas.

No aeroporto à espera da delegação oficial angolana chefiada pelo Ministro Venâncio de Moura, estava Pik Botha, o então chefe da diplomacia da África do Sul, com notícias nada agradáveis sobre o arranque do processo,  pois tinha havido nesse mesmo dia sangrentas escaramuças na fronteira sul com Angola na sequência de movimentações dos guerrilheiros da SWAPO que tentaram penetrar no território namibiano para ganharem novas posições antes de começar o acantonamento previsto na resolução.

Para  se abordar a crise que então se instalou a ameaçar de morte o processo antes mesmo dele ter inicio, no aeroporto houve uma reunião de urgência entre Venâncio de Moura e Pik  Botha, que ao que nos recordamos terá sido decisiva para se evitar o descarrilamento da 435.

Depois de tudo quanto foi a implementação da referida resolução das Nações Unidas que começou muito mal e culminou, em menos de um ano, com a realização das eleições que a SWAPO venceu folgadamente, estávamos nesta altura em Windhoek há 25 anos a fazer a cobertura em directo da proclamação da Independência da Namíbia lida por Sam Nujoma, o primeiro Presidente e o “Father of the Nation”.

Por razões logísticas, a equipa optou por ficar no Hotel Continental onde reportamos a histórica noite para o publico angolano a partir das imagens televisivas disponibilizadas pelo canal público namibiano.

Na altura acho, se bem nos recordamos, a Televisão ainda não tinha esta capacidade de transmissão.

Como estávamos lá fora, ficamos sem saber como é que TPA cobriu o acontecimento, isto a propósito da grande cobertura feita agora das celebrações dos 25 anos de Independência e da tomada de posse do terceiro presidente namibiano, que também contou com a prestação da TV-Zimbo, num extraordinário desdobramento mediático.

Entendemos que o critério desta cobertura não teve tanto a ver com a importância do facto principal em si, mas sim com outro facto acessório que foi a presença de JES na cerimónia, o que foi visível na própria forma como a TPA legendou as imagens.

Há 25 anos, a opção por termos ficado no hotel, deveu-se ao facto de termos de entrar em cadeia com o saudoso Felipe Lomboleni que se encontrava no norte do país em Oshakati na Ovambolândia a fazer igualmente esta cobertura para a RNA.

Convidamos o Prof. Alberto Neto, líder do já extinto PDA, a comentar o acontecimento, o que o fez com muito conhecimento de causa.

Lembramo-nos igualmente que o pessoal do governo parece não ter gostado muito da forma como no estádio o Presidente Eduardo dos Santos foi tratado pelo protocolo namibiano.

Havia de facto alguma confusão naquela noite e muita inexperiência dos funcionários do protocolo namibiano que estavam a acomodar os VIPs.

Estranhamente, o Presidente Sam Nujoma no seu discurso inaugural acabou por não fazer nenhuma referência ao papel de Angola na luta pela independência da Namíbia.

Esta gritante omissão, ainda irritou mais os “futunguistas”, como eram conhecidos na altura os “homens do Presidente” e parece de algum modo explicar o pequeno/grande atraso com que JES chegou desta vez ao estádio há uma semana.

O Presidente angolano foi o último a chegar ao local e a sentar-se na tribuna ao lado de Robert Mugabe,  já depois da cerimónia ter começado o que, naturalmente, alimentou as mais diferentes especulações.

Assistimos a mais um acalorado debate que teve por palco as redes sociais a propósito de um post que então colocamos no Facebook a relatar o facto, que achamos por bem não ignorar, tendo em conta o passado deste relacionamento.

Não é muito normal que tal tivesse acontecido, numa cidade calma onde os engarrafamentos dificilmente podem ser usados como desculpa como acontece em Luanda e muitas vezes por tudo e por nada.

Como não tivemos acesso a nenhuma explicação de fonte oficial para este notado atraso de JES, partilhamos efectivamente da ideia de que o atraso pode ter sido propositado.

NA- Texto publicado no Semanário Angolense (28/03/15)