Alemanha  - Pouco mais de um mês depois da abrupta e atabalhoada substituição da sua direção, a Sociedade Mineira de Catoca (SMC) mergulhou num clima de dúvidas e pessimismo quanto ao seu futuro.

Fonte: Ponto Final

A SMC é uma sociedade mista integrada por capitais da  ENDIAMA, Alrosa, Odebrecht e Sonangol/China.

Há pouco mais de um ano, os acionistas teriam decidido  que a Direcção-Geral da empresa passaria a ser assumida rotativamente por cada um deles.

No dia 24 do pretérito mês de Fevereiro, a direção da SMC, até ali liderada pelo angolano Ganga Júnior, foi trocada por uma outra, sob comando do russo Sergey Amelin.

Porém, o consulado russo pode inaugurar uma era de dúvidas e incertezas na Sociedade Mineira de Catoca.

Desde que foi investido nas novas funções Serguey Amelin não teve qualquer gesto que pudesse ser tomado como encorajador para o futuro da empresa. Pelo contrário, ao novo gestor são associados actos e iniciativas que podem arruinar rapidamente os pilares em que assenta a empresa.

Passado mais de um mês desde que tomou posse, Amelin jamais dedicou um minuto que fosse do teu tempo para reunir com os quadros seniores da empresa visando tomar ciência exacta dos processos e procedimentos que fizeram da SMC uma das mais sólidas empresas angolanas.

Em meados de Março, Amelin reuniu informalmente com alguns quadros intermédios em Luanda. Os funcionários, escolhidos aleatoriamente, ouviram do novo gestor não promessas de um futuro risonho para a empresa e para eles próprios, mas a garantia de que muitos deles perderão os seus empregos a favor de cidadãos russos.

Sergey Amelin anunciou naquele encontro que já iam adiantadas as negociações, que ele próprio encabeça, visando a contratação, pela SMC, de empresas e serviços russos para áreas como perfuração, detonação e fornecimento de materiais.

A iminente chegada de empregados russos para se ocuparem do sistema integrado de gestão da SMC é um outro aviso muito sério de que Sergey Amelin não conta com os quadros angolanos da empresa.

O novo gestor não se preocupa, sequer, em dissimular a sua aversão aos quadros nacionais. Técnicos que trabalharam estreitamente com o anterior director-geral são impiedosamente perseguidos. Todos, ou quase, convivem com a ameaça diária da despromoção profissional ou até mesmo de despedimento. Ou seja, com a ascensão de Amelin a angolanização na indústria diamantífera, patrioticamente defendida em outras áreas da economia nacional, sofrerá um duro revés.

David Mishal, um israelita que dirige a área financeira da SMC, é nesta altura o principal aliado de Sergey Amelin. Juntos traçam e definem os rumos da empresa.

A próxima chegada de empresas e funcionários russos resulta já da parceria dos dois expatriados na SMC.

David Mishal, o braço direito do novo gestor, nunca escondeu a sua aversão a quadros angolanos. Mesmo ao tempo de Ganga Júnior era muito frequente vê-lo pelos corredores da empresa maldizendo os angolanos.

O ódio do israelita a angolanos que trabalham na SMC tem uma explicação próxima: Ganga Júnior nunca lhe permitiu que pusesse ao serviço da SMC empresas israelitas nas quais tinha interesses directos. Ganga Júnior sempre privilegiou empresas nacionais para se ocuparem de serviços terciarizados.

Mas não é apenas o “divórcio” com os angolanos que ameaça o futuro da Sociedade Mineira de Catoca. 

Sem nenhuma experiência de gestão, Sergey Amelin ameaça deitar a perder importantes conquistas internas e externas da empresa.

Detentora de um certificado de  Qualidade ISO 9001, em virtude das suas boas práticas de gestão, baseada em processos e procedimentos de qualidade internacionalmente reconhecidos, a SMC arrisca-se a perder essa distinção porque Sergey Amelin tem vindo gradativamente a introduzir na empresas métodos de gestão arcaicos. Na SMC “do” russo Sergey Amelin a balbúrdia é generalizada. A empresa não funciona com guia de funções onde constem as atribuições e responsabilidades dos distintos pelouros.

Avisado da inexperiência de gestão do novo director-geral da SMC, José Carlos Sumbula, presidente do Conselho de Administração da ENDIAMA, tentou contornar o problema para o que recorreu a um estratagema de eficácia duvidosa.

Ao arrepio dos estatutos da Sociedade Mineira de Catoca, Sumbula introduziu no organigrama da empresa, dois cargos de director-geral adjunto, preenchendo-os com pessoas da sua confiança.

Com tal manobra, Sumbula pretenderia alcançar dois objectivos: por um lado “amortecer” a falta de experiência de gestão do russo e, por outro,  colocar junto dele duas “antenas” que o manteriam informado sobre o quotidiano da empresa, nomeadamente as suas movimentações financeiras, uma área para a qual o PCA da ENDIMA dedica uma atenção mais do que especial.

Mas a jogada de Carlos Sumbula parece condenada ao fracasso. É que o russo Sergey Amelin não dá “cavaco” aos seus dois coadjutores angolanos. Praticamente, nem sequer lhes dirige palavras.

Pelos corredores da empresa, Amelin gaba-se de ter recebido das autoridades angolanas mandato para “pôr ordem” na empresa, razão por que se acha autorizado a só trabalhar com quem lhe dá na real gana.

Sucede, porém, que o recurso maciço à mão de obra estrangeira, nomeadamente russa, não ajudará, nunca, a “repor” ordem alguma na casa. Embora numericamente inferior à angolana, a mão de obra expatriada teu um custo mensal superior em 40%.

Aliás, a tesouraria da SMC nunca provocou dores de cabeça a nenhum dos seus accionistas. Do investimento inicial de 30 milhões de dólares, qualquer dois accionistas já embolsou acima  de 1000 milhões de dólares.

Sumbula por  detrás da troca de Ganga Júnior por Amelim?

A  troca no comando da Sociedade Mineira de Catoca pode ter obedecido a um desígnio pessoal do presidente do Conselho de Administração da ENDIAMA.

No interior da própria ENDIAMA corre a versão segundo a qual Carlos Sumbula engendrou toda a manobra que culminou com o afastamento de Ganga Júnior.

Fonte familiar ao processo revelou a este portal que o presidente do CA da ENDIAMA tem as suas “impressões digitais” em todo o processo. “Ele bateu a porta de cada um dos accionistas para lhes convencer que a substituição de Ganga Júnior obedeceria a instruções do Governo”.

A verdade, porém, é que ninguém, em representação do Governo, exigiu a cabeça de Ganga Júnior.

Uma fonte no Ministério da Geologia e Minas assegurou a este portal não ser prática daquele departamento imiscuir-se na gestão de empresas de capital misto. “A Sociedade Mineira de Catoca tem cumprido as suas obrigações fiscais. A substituição ou não dos gestores é matéria da exclusiva competência dos seus accionistas e nunca do Ministério. Aliás, o Ministério nunca recebeu da ENDIAMA qualquer reclamação relativamente à Sociedade Mineira de Catoca”.

Já aos seus superiores hierárquicos, Carlos Sumbula explicou a substituição de Ganga Júnior como resultado de uma suposta exigência dos acionistas da Sociedade Mineira de Catoca.

Na assembleia geral, os accionistas só aprovaram a substituição  de Ganga Júnior porque foi-lhes dito que ela obedeceria a uma determinação  do Governo.

“Se Sumbula não tivesse atirado essa carta sobre a mesa muito dificilmente teria obtido a anuência dos accionistas para afastar Ganga Júnior”, segundo garantiu a este portal uma fonte conhecedora do assunto.

 Em boa verdade, acionista nenhum viraria as costas a um gestor que tanto dinheiro lhe dá a ganhar.

“O próprio Sumbula tem feito brilharetes em alguns círculos do Governo graças ao dinheiro que a Sociedade Mineira de Catoca dá a ganhar à ENDIAMA”.

Fontes no interior da ENDIAMA disseram que Carlos Sumbula sempre lidou mal com o sucesso da Sociedade Mineira de Catoca.

Com o afastamento de Ganga Júnior, um gestor conhecido pela parcimónia com que lida com o dinheiro, Carlos Sumbula pode ter escancarado os acessos aos cofres da SMC.

 “Sumbula sempre quis fazer da Sociedade Mineira de Catoca uma extensão do seu gabinete, onde põe e dispõe de tudo e de todos. Mas o Ganga nunca permitiu essas travessuras“, é assim que uma fonte descreveu a relação do PCA da ENDIAMA com o antigo director-geral da SMC.

Efeitos colaterais

Os efeitos perversos da inoportuna e maquinada exoneração de Ganga Júnior não se circunscrevem ao interior da empresa.

Fora dela também já são visíveis os “efeitos colaterais” da decisão que terá sido congeminada por Carlos Sumbula.

Maior empresa estabelecida na região, a Sociedade Mineira de Catoca tem uma imensa responsabilidade social. Em muitos casos, está mais próxima das populações do que o próprio Governo.

A nomeação do russo Sergey Amelin para o comando da SMC pode introduzir ruído no diálogo que a empresa sempre manteve com as gentes locais, nomeadamente com os seus representantes máximos.

Além de desconhecer os hábitos e costumes da região, Sergey Amelin é pouco dado ao diálogo e à colaboração. Por isso mesmo adivinham-se tempos difíceis na relação da empresa com as autoridades tradicionais locais.

De resto, desde que tomou posse, o russo não moveu uma palha para um encontro de cortesia com as autoridades tradicionais da região – algo que um angolano faria antes mesmo de conhecer os cantos à casa.

Uma relação inamistosa com os soberanos locais pode significar uma outra ameaça à sobrevivência de uma empresa que, além de assegurar emprego directo e indirecto a milhares de pessoas da região,  é a maior contribuinte fiscal não petrolífero.

Carlos André