Luanda - O ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, fez um discurso incendiário, a propósito da Batalha do Kuito Kuanavale. Senti-me envergonhado pois, como canoa, partilhamos, em circunstâncias iguais, os muros e cerca da cadeia de São Nicolau, no tempo colonial.

Fonte: Folha8

Bornito não precisava de superar Pôncio Pilatos levando ao delírio uma cega e bajuladora plateia, para idolatrar a arrogância e boçalidade do Barrabás institucional angolano.

Enquanto político, ex-comissário e professor universitário, tem capacidade técnica bastante, para dispensar a bajulação, salvo se para obtenção fácil de mordomias materiais e financeiras.

Mas, terá Bornito de Sousa conhecimento profundo do que realmente se passou, na Batalha do Kuito Kwanavale, para cantarolar, aos quatro ventos, uma vitória, quando a maioria dos militares das FAPLA, que estiveram no teatro das operações, andam no mais puro abandono e indigência, por não se lhes atribuir dignas e merecedoras pensões de reforma...

Logo, a evocação do fim do período de graça, aos pretensos derrotados, ofende a memória destes milhares e milhares de militares, mortos, mutilados e sobreviventes que vegetam nas ruas da amargura e arrependimento, face ao “criminoso” abandono, por parte de um governo que ontem defenderam.

Os verdadeiros soldados do Kuito Kwanavale nem conseguem orgulhar-se dos feitos de heroísmo, pois calcorreiam calados e revoltados, as calçadas e carreiros da fome, da humilhação e da discriminação, ante a ostentação de uns poucos que têm enriquecido, ilicitamente, em seu nome...

Nesse prisma, descavilhar uma granada, no meio de um batalhão esfomeado é muito perigoso, logo é preciso ter noção da força dos conceitos. No caso, os ex-militares das FAPLA abandonados à sua sorte, podem, tal como Hermes, o pai da hermenêutica, interpretar as afirmações de Bornito de Sousa como sendo uma clara incitação, ao surgimento de grandes manifestações dos batalhões militares da fome, reivindicando direitos adquiridos, junto do governo que defenderam, em nome de uma ideologia socialista, que os traiu...

Os militares das FAPLA, neste prisma, do ponto de vista material e formal, foram os grandes derrotados, pois vegetam sem honra nem glória, enquanto os chefes, num toque de mágica passaram de proletários a proprietários vorazes, enriquecendo a partir do sangue dos militares tombados e outros abandonados.

Será que Bornito de Sousa poderia falar em nome dos militares da 47.ª Brigada das FAPLA, ingloriamente tombados e cujas famílias, nem um saco de lentilhas ou fuba de milho receberam? Não! Destes ele cala-se, preferindo lembrar-se de um general cubano, Moracen, que contribuiu para a divisão e morte dos angolanos, pois sendo cubano tem um título de reforma das FAA, negado a muitos autóctones angolanos.

Bornito esconde também as razões pelas quais foi brutalmente assassinado o general Ochoa, por ordem do ditador cubano, Fidel Castro, precisamente, devido a batalha do Kuito Kwanavale.

O meu amigo Bornito de Sousa não deveria recordar, uma falsa glória, pois, na verdade é uma vergonha, o que ocorreu na Batalha do Kuito Kwanavale, apenas contada a uma só voz.

Se de facto existe um vencedor, que tenha a coragem de reunir os altos comandos das ex-FAPLA (MPLA), das ex-FALA (UNITA), e dos exércitos mercenários e invasores de Cuba e do ex-regime do Apartheid, para que todos contem, com mapas e factos o que realmente se passou.

Se isso ocorrer, saberemos, porque tendo as FAPLA ganho, não chegaram até a Jamba e ainda tiveram de negociar com Savimbi, algo fora da sua cultura, pois em nenhum momento, o MPLA negoceia, em estado de força.

Por esta razão e com este subsídio de Bornito de Sousa, sendo vencedores, mas despojados de regalias, concedidas aos cubanos e outros estrangeiros, os militares das FAPLA, ao abrigo do quadro constitucional, devem manifestar-se e perguntar como enriqueceram tanto, alguns poucos generais e na proporção inversa, empobreceram milhares de soldados, que nem um prato de pirão têm para comer, todos os dias.

O fim do período de graça a que se refere Bornito de Sousa é pois um refrão ao despertar de consciência dos ex-FAPLA na sua marcha reivindicativa de direitos.

E termino com uma citação de Aristóteles, para os meus amigos Bornito de Sousa e Higino Carneiro, este último que apunhalou a nossa amizade:

“sou muito teu amigo, mas muito mais amigo da verdade”.