Lisboa - No último domingo, 12 de Abril, o Papa Francisco classificou de “primeiro genocídio do século XX”, o massacre de cerca de 1,5 milhões de arménios em 1915, durante a I Guerra Mundial, quando o Império Otomano se desfazia.

Fonte: Club-k.net

Entre 1904 e 1907, portanto antes de 1915, no então Sudoeste Africano (actual Namíbia), mais de 75 mil hereros e namaquas foram dizimados pelos alemães, num crime hediondo, que a ONU reconheceu, em resolução, em 1985, como o “primeiro e um dos maiores genocídios do século XX”.

Na sequência da revolta dos povos hereros contra a dominação colonial, o imperador Guilherme II da Alemanha enviou para o território milhares de soldados comandados pelo general Lothar von Trotha, conhecido pela brutalidade ao combater a revolta boxer na China e pela violenta opressão aos povos negros que ofereciam resistência à ocupação alemã na parte oriental de África (Ruanda, Burundi e Tanzânia).

“Eu acredito que a tribo Herero como tal deve ser exterminada”, dizia o tal general alemão que se gabava: “o exercício da violência e do terrorismo é a minha política. Eu vou destruir as tribos africanas com fluxos de sangue e de dinheiro. Só após essa limpeza pode surgir algo novo, que permanecerá”. Sentenciava ainda que “todos os hereros devem deixar a terra. Se recusarem, então, vou obrigá­ los a fazê­lo com as grandes armas. Qualquer herero encontrado dentro de fronteiras alemães com ou sem arma, será abatido. Não serão constituídos prisioneiros. Esta é a minha decisão”.

A chacina alemã durante esses três anos, que incluiu empurrar os sobreviventes para o deserto de Kalahari, para morrerem à sede e à fome culminou num campo de concentração na ilha de Shark (o primeiro do século XX), onde trabalhavam aprisionados com fome e doenças, acabando por morrer a maioria dos homens e as mulheres transformadas em escravas sexuais dos alemães.

 

Dos 90 mil hereros, comandados na sua revolta por Samuel Maherero, líder guerreiro e chefe dos povos Hereros sobreviveram apenas cerca de 15 mil, muitos deles por terem fugido para os territórios do actual Botswana.

Ao passar olimpicamente ao lado do GENOCÍDIO dos povos hereros, o Papa alinha com a prática eurocêntrica do Ocidente de valorização apenas da sua cultura, dos seus valores em detrimento do “resto” do mundo, tornando irrelevante o que se passa fora das suas portas.

Será que só estamos perante genocídio quando as vítimas são brancas, caucasianas? Será que quando os algozes são caucasianos e as vítimas negras, desaparece o genocídio? Ou só é acusado de prática de genocídio aquele que é “fraco” em termos geopolítico e estratégico?

Ou será que o GENOCIDIO dos hereros se enquadra na missão “evangelizadora e de civilização” dos povos “primitivos” de África?

O líder da Igreja com especiais responsabilidades nos mais hediondos crimes contra humanidade praticados pela Europa, talvez não esteja muito à­ vontade perante os genocídios europeus fora das suas fronteiras porque o reconhecimento equivaleria a abrir o armário onde repousam alguns dos seus esqueletos.

O Papa Francisco que, desde o início do seu consulado, tem rompido com alguns diktat da sua Igreja, como lembrar aos “charlies” (que curiosamente não se manifestaram como garissas), que se matar em nome de Deus é uma aberração, também “não podemos insultar a fé de outros”. Dizendo mesmo de forma simples e perceptível: “se um grande amigo fala mal da minha mãe, ele pode esperar um soco, e isso é normal”.

Para este Papa defensor da reacção em “legítima defesa”, é fácil atacar a Turquia, um pais não cristão, não membro do “clube” (europeu), mas torna­se difícil lembrar à poderosa Alemanha de Ângela Merkel, a verdadeira mandona “disso tudo” (Europa) que ela é a real autora do primeiro GENOCÌDIO do século XX.

 

Talvez o Papa tenha receio de que com tal gesto (cristão) abra a caixa de pandora dos bárbaros crimes do ocidente contra os africanos (a exploração, a escravatura, a colonização, etc.) em que a Igreja Católica não está isenta de responsabilidades e nalguns casos foi agente activo da repressão dos povos. É tão criminoso quem pratica o crime propriamente dito, como quem ajuda na sua execução.

Talvez tenha receio que esses povos, os seus herdeiros, destapem os véus da podridão do relacionamento politicamente correcto e reivindiquem bi ou trilionárias indeminizações que certamente deixariam na penúria muitos membros do “clube” e a também multimilionária Igreja Católica.

Se, diz o próprio chefe da Igreja Católica, “esconder ou negar o mal é como permitir que uma ferida continue a sangrar sem se tratar dela”, então os povos africanos têm legitimidade para pensarem que, ainda de acordo com Francisco “é necessário e até um dever” honrar a memória das vítimas dos hediondos crimes contra a humanidade. Porque o genocídio não prescreve...