Luanda - É difícil passar, principalmente a primeira vez, pela Avenida Pedro de Castro Van‐Dúnem Loy, no bairro do Golfe II, próximo ao posto do antigo controlo que dá acesso ao Golfe I, em Luanda, sem ter a atenção desviada na direcção do monumental edifício do templo da Igreja Tocoísta, levantado no meio de um amplo recinto apetrechado.

Fonte: Talapaxi S. (Semanário Angolense)

No condomínio em que está construída a sobredita catedral estão também erguidos um novo e sofisticado edifício de vítreos azuis, que é o Instituto Superior Politécnico Tocoísta, o Complexo Escolar «Simão Gonçalves Tôco» (do ensino básico ao médio) e as edificações da emissora da Radio Tocoísta e do Instituto Bíblico Tocoísta, entre outras. Faz‐se crer, que ali ainda há obras para se erguer.

«O Templo do Deus Vivo», como é chamado pelos membros dessa congregação, é a sede da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, sobrenomeado oficiosamente por «Direcção Universal» (INSJCM‐DU), que é dirigida pelo bispo Dom Afonso Nunes– ele mesmo o lançador da «primeira pedra» do desafio de se construir essa catedral.

Considerado o maior templo já erguido até agora em Angola, podendo receber até 30 mil fiéis (o triplo da capacidade de espectadores do Pavilhão da Cidadela Desportiva e um pouco mais do que o dobro da capacidade do novo pavilhão da Luanda Arena, palco do último Mundial de Hóquei em Patins), o santuário foi inaugurado em Agosto de 2012, depois de mais de uma década em construção, em que foram consumidos acima de 30 milhões de dólares.

Como imaginar que uma igreja, que é um dos principais actores do panorama religioso angolano, proprietária de todo esse conjunto de infra‐estruturas ‐ um patrimônio que, por extensão, abrange uma série de obras em andamento pelo país afora e no exterior–não seja definitiva e oficialmente reconhecida pelo Estado?

Num momento em que os Tocoístas parecem estar a ganhar a consciência de começar a sair de templos de cubatas e santuários precários para investir os seus dízimos e contribuições em basílicas condignas e até modernas, não será uma «armadilha perigosa» para o futuro, trabalhar sem um «alvará permanente» que ateste o reconhecimento da Igreja?

Provavelmente, a maioria dos cerca de um milhão de fiéis ligados à sede Tocoísta do Golfe II não sabe que a sua igreja ainda não está reconhecida oficialmente pelo Estado, apesar de toda a potência que ela apresenta.

E assim é deduzível que o facto seja também amplamente desconhecido por grande parte da sociedade que acompanha e de certo modo testemunha o desenvolvimento de muitas realizações e um consequente desígnio mediático dessa confissão religiosa.

Longa espera

O documento sobre o qual se assenta a legitimidade do funcionamento da INSJCM‐DU até hoje é uma simples «Declaração» da Direcção Nacional dos Assuntos Religiosos do Ministério da Justiça, expedida em 17 de Janeiro de 2002. Portanto, o edital já faz 13 anos. E agora mais três meses.

Segundo o teor desse memorando, «declara‐se que a Igreja procedeu à entrega, neste ministério, da documentação competente e requerida para efeito de acréscimo de elementos de referência histórica para o complemento do processo». Deduz‐se que o dito processo seja o da solicitação do reconhecimento e legitimação da INSJCM‐DU.

Quanto aos «elementos de referência histórica para o complemento do processo», a própria declaração aponta para a realização do I Congresso da INSJCM, decorrido de 11 a 15 de Dezembro de2000, como o evento consagrador de uma «reunificação e reconciliação das partes desavindas» que até então se divergiam no seio da Igreja, supondo‐se aí uma concordância entre elas na esfera do referido concílio.

Tais «partes desavindas» eram as três grandes facções em que os Tocoístas se encontravam divididos, mas que seriam reconhecidas e legalizadas individualmente pelo Estado em 1992 (Decreto Executivo n14/91 de 16 de Agosto): a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo ‐«Os Tocoístas» (12 Mais Velhos), a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo ‐ «Os Tocoístas» (18 Classes e 16 Tribos) e a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo – «Os Tocoístas» (Anciãos Conselheiros da Direcção Central), esta também chamada pelos fiéis de «Cúpula».

Reunificação embaraçosa

O advento do I Congresso da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo veio promover uma reconciliação e reunificação protagonizada por Dom Afonso Nunes, sob revelações orientadoras e poderes espirituais a ele atribuídos, desde o ano de 2000, como a encarnação do profeta Simão Tôco, fundador da Igreja («relembrador», no entender dos fiéis), que faleceu a 31 de Dezembro de 1983.

Embora os propósitos congressistas não fossem consensuais entre os membros das partes juridicamente autonomizadas, sobretudo para os seguidores dos «12 Mais Velhos» e das «18 Classes e 16 Tribos», os representantes de cada uma das três alas legalizadas, convencidos pelo fenómeno da reencarnação, teriam aceitado reunificar os seus grupos.

A liderança dos Tocoístas reunificados estaria então reservada à figura do homem incorporado pelo «espírito» do «relembrador» da INSJCM, Dom Afonso Nunes, elevado depois ao título de «Sua Eminência».

Todavia, enquanto (e quando) «personificação» do líder falecido, passou a ser tratado pelos fiéis como «Sua Santidade Profeta Simão Gonçalves Toco»

Nem mixoxos e desdéns nem protestos e xinguilamentos dos que não se reviam no novo líder, nem acreditavam no milagre do regresso em espírito do «relembrador» da Igreja, terão produzido algum eco que impedisse o I Congresso da INSJCM de acontecer. Entende‐ se com isso que a reunificação, embora não tivesse redundado em fracasso, aconteceu apenas parcialmente.

Prova disso é justamente a posição do Congresso em que consta ter sido ratificado durante o concílio, o despacho do líder Afonso Nunes, que a 31 de Agosto de 2000 nomeou os responsáveis da Direcção Universal e da Direcção Nacional (Angola), formando um quadro mesclado com elementos das três «partes desavindas».

A quarta facção

Das três Igrejas Tocoístas reconhecidas pelo Estado em 1992, nasceu uma – a «Direcção Universal». Mas, como as três legalizadas não deixaram de existir, a «Direcção Universal» converteu‐se na quarta Igreja Tocoísta, sendo a maior e mais expressiva em todas as latitudes.

A INSJCM‐DU nasceu englobando o total de fiéis dos «Anciãos Conselheiros da Direcção Central» ou «Cúpula» e os principais representantes dos «12 Mais Velhos» e das «18 Classes e 16 Tribos», acompanhados de muitos dos seus membros, na perspectiva do espírito de reunificação.

Para fechar a odisseia reunificadora, já que os «cabeças» de todas as alas se encontram agora no mesmo aprisco, a «Direcção Universal» do bispo Dom Afonso Nunes precisa do reconhecimento e da legitimidade que a Lei lhe deve conferir. A «Declaração» até lhe dá legitimidade, mas não lhe dá todo o crédito subjacente ao reconhecimento oficial e definitivo.

A maka é que o tempo de espera, para uma denominação da envergadura dos Tocoístas (como poderia ser para outros religiosos), já é demais. E se afigura até incompreensível, sobretudo se houve solicitações semelhantes, feitas depois, que já tenham sido respondidas positivamente e já estejam respaldadas pela publicação no Diário da República.

Ademais, tal demora dá azo a várias leituras (que irão ao encontro dos mais diversos grados, de acordo com os interesses), algumas das quais procuramos aqui tecer, na perspectiva de se trazer à tona o melhor entendimento a explanar‐se dessa questão, que não deixa de ser estridente pelo desencadeamento dos desfechos possíveis.

 Justiça «esqueceu-se» do caso

O Semanário Angolense solicitou um parecer do Ministério da Justiça sobre a questão do reconhecimento da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os Tocoístas» ‐ Direcção Universal (INSJCM‐DU), procurando saber directa e especificamente por que razão ela ainda não fora reconhecida.

A questão foi colocada tendo em conta, não só que no Ministério da Justiça está a última instância pela qual se deve passar no processo de legalização das igrejas, mas porque da sua «Direcção Nacional de Justiça/Assuntos Religiosos» foi expedido o documento que permite o exercício do trabalho dessa igreja, «enquanto se aguarda a publicação em Diário da República do reconhecimento».

Eis a resposta, expedida pelo Centro de Documentação e Informação do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, na passada quinta‐feira, 16 de Abril, em nota de imprensa ao SA:

«Na República de Angola, por força da Lei, o Estado reconhece nos seus cidadãos o exercício da liberdade de consciência e de religião, por via da Constituição da República, cfr, o disposto no artigo 41.o. O que é materializado na esfera jurídica dos cidadãos pela Lei n.o 02/04, de 21 de Maio, que considera serem livres os cidadãos em matéria de crença e culto religioso, nos termos do disposto no artigo 4.o da referida lei. Que condiciona o exercício desde direito pelas confissões religiosas mediante reconhecimento destas pelo Governo o que deve ser requerido pelos representantes destas mediante requerimento dirigido ao Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, subscrito por um mínimo de 100.000 fiéis, devendo ser recolhidas e reconhecidas num mínimo de 2/3 do total das províncias do território nacional. Que deve pronunciar‐se pelo reconhecimento ou não do pedido antecedido de um processo devidamente instruído e, seguidamente, isto caso for reconhecida, é promovido seu registo nos termos da Lei passando com isso a deter personalidade jurídica. Nesta conformidade somos a remeter em anexo documento que atesta estar reconhecida a Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo “INSJCM”, para Vosso conhecimento».

Considerações

Para a questão da qual buscamos uma resposta – situação do reconhecimento oficial da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo «Os Tocoístas» ‐ Direcção Universal, nenhum esclarecimento foi dado. Falou‐se muito, mas não se disse nada.

A nota diz que em anexo foi remetido um documento que «atesta estar reconhecida a Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo “INSJCM”». O documento em referência é o Diário da República (DR), I Série – N.o15, de 10 de Abril de 1992.

No que diz respeito a Justiça, está publicado nessa edição do DR o Decreto Executivo 14/92 de 10 de Abril, que determina o reconhecimento, entre tantas organizações religiosas, de três INSJCM. Nomeadamente a INSJCM ‐ «Os Tocoístas» (12 Mais Velhos); a INSJCM ‐ «Os Tocoístas» (Anciãos Conselheiros Direcção Central); e a INSJCM ‐ «Os Tocoístas» (18 Classes e 16 Tribos).

Como se pode ver, não existe outro decreto subsequente ou anterior, onde se determine que seja reconhecida qualquer outra INSJCM. Se existe, foi esquecido. Se não, teria sido mencionado nessa nota.

Pode‐se afirmar que esquecido mesmo nessa carta da Justiça está o documento que até agora confere alguma legitimidade às actividades da INSJCM do Golfe II. Uma «Declaração» da Direcção Nacional de Justiça/Assuntos Religiosos, datada de 17 de Janeiro de 2002, que simplesmente não foi tida nem achada.

Porque é que o Centro de Documentação e Informação do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos não faz nenhuma referencia a tal «Declaração»? Nesse documento se faz saber que a INSJCM «procedeu à entrega nesse Ministério da documentação competente e requerida», o que pressupõe se terem cumprido todos os trâmites necessários.

Com tudo isso, há que se esperar. A Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo ‐ «Os Tocoístas», liderada espiritualmente pelo bispo Dom Afonso Nunes, e cujo processo de reconhecimento tramita ainda nas gavetas da Justiça, pelos vistos, vai continuar sem personalidade jurídica, na medida em que o seu registo não foi ainda promovido.

«Malembe! Malembe!»

A expressão que vem do kikongo e muitas vezes interjeita‐se no português do nosso quotidiano, emprestando‐lhe uma certa identidade angolana, pode traduzir‐se jovialmente como «nas calmas» ou, mais literalmente, «Devagar! Devagar!». Seja de uma ou de outra forma, essa parece ser a tónica com que a Igreja Tocoísta prefere se pronunciar sobre o assunto.

Contactado pelo Semanário Angolense, o Gabinete de Comunicação e Imagem da congregação disponibilizou‐se em tomar as devidas providências nos próximos dias, para que o líder da Igreja pudesse se pronunciar depois do fim de semana festivo em que a denominação estaria totalmente envolvida. Vamos aguardar.

Todavia, como a relação entre os Tocoístas e o governo aparentemente têm estado bem, é provável que se coloquem «panos mornos» nessa «maka», que é sensível para os dois lados, tratando‐se a «coisa» com diplomacia. 

No passado mês de Janeiro, segundo o jornal de actualidade da própria Igreja, uma reunião do Conselho Consultivo do Líder Espiritual (Dom Afonso Nunes), teria recomendado mais aproximação desta ao Estado.