Luanda - A recente aprovação, pelo Conselho de Ministros, do pacote das normas gerais e reguladoras do Ensino Superior, criou uma surpresa desagradável e instalou um ambiente de mal­estar e um clima de crispação no seio do Grupo Técnico de Apoio à Comissão para a Política Social (GTACPS) desse órgão de consulta do Presidente da República.

Fonte: Club-k.net

Ao ser aprovado o pacote, no princípio do mês de Abril, sem a mínima assumpção das suas recomendações, o GTACPS vê pura e simplesmente ignorado todo um parecer que, datado de 7 de Outubro de 2014, alertava para as profundas inconstitucionalidades e ilegalidades da proposta do Ministério do Ensino Superior.

O certo é que não se sabe como o contestado pacote, mas defendido com unhas e dentes pela equipa do ministro Adão do Nascimento, foi à aprovação sem o outro parecer do GTACPS que, na sua primeira apreciação, constatou erros de todo o tamanho ­ desde conceptuais, estratégicos até técnicos – que contrastam com a linha orientadora do Presidente da República e o Plano Nacional de Formação de Quadros.

Para o Grupo Técnico, as propostas do ministro ferem o espírito e a letra da Constituição da República e da Lei de Bases do Sistema de Educação, bem como ofuscam as liberdades académicas e o costume universitário em Angola.

As nossas fontes manifestam estupefacção que o Presidente da República, bastante atento e imparcial, tenha sido induzido num erro tão colosso, que presidiu à aprovação de um documento armadilhado, apesar das inúmeras advertências feitas pela imprensa. Mas, à boca pequena, admite­se mesmo que o ministro Adão do Nascimento tenha usado da sua condição de sobrinho de José Eduardo dos Santos para convencer os mais próximos do Presidente da República a levar o pacote à aprovação e, concomitantemente, à legitimação de uma lista de reitores feita, supostamente, na base de motivações étnicas. Note­se que dos quatro reitores das universidades públicas exonerados, três são do Uíje, e da lista dos recém­nomeados não consta nome de nenhum originário das províncias do Uije e do Zaire, a região do país com mais doutorados.

Aliás, o parecer do Grupo Técnico do Conselho de Ministros confirma o que a imprensa já vinha alertando sobre as acções do Ministro Adão do Nascimento que parecem mais pretender legitimar o seu ego intelectual do que servir de facto um sector fundamental para o desenvolvimento de Angola. Segundo analistas do sector, se as medidas forem implementadas, assistir­se­á a ondas de desobediência e resistência passiva que, aliás, já grassa nas instituições do ensino superior, desde que Adão do Nascimento assumiu as rédeas do Ministério.

A imprensa chegou a qualificar as novas medidas como um documento bastante confuso, contraditório, incoerente, inconsistente, e que ofusca muitos direitos e garantias constitucionais. “As novas medidas espelham uma verdadeira apetência do Ministério que querer gerir directamente as instituições, interferindo de forma grosseira na autonomia administrativa, científica e pedagógica das universidades. Isso não pode acontecer num sector que deve promover a democratização do país”.

O Grupo Técnico é directo e profundo na sua avaliação e considera as normas da equipa de Adão do Nascimento bastante inconstitucionais, ao ponto de tentar limitar o exercício da iniciativa privada a nível do ensino superior às Escolas Superiores.

“Esta disposição normativa (...) acaba intervindo no exercício de direitos subjectivos cuja disciplina integra o catálogo dos direitos fundamentais, nomeadamente o direito à livre iniciativa privada”, assevera o parecer que esclarece: “apesar de o direito à iniciativa privada não ser um direito absoluto, podendo ser o seu exercício regulado por lei, ainda que em sentido material, “em termos da Constituição, a disciplina do exercício dos direitos fundamentais apenas deverá ser feita por meio da lei, quer por via directa, pela Assembleia Nacional, quer por via indirecta pelo Poder Executivo, mediante autorização legislativa”. Aqui nota­se que o Ministério do Ensino Superior não só revela desconhecimento sobre a matéria, como também, fruto da personalidade irrepreensível do seu titular, extravasou os seus limites. “A actividade regulamentar do Poder Executivo, prevista na alínea l) do art.o 120 da Constituição tem por limite e fundamento a lei (habilitante). No caso em análise, propugna­se por um regulamento à Lei de Bases do Sistema de Educação, a qual não estabelece a disciplina normativa geral do exercício (incluindo a sua limitação) da iniciativa privada no domínio do ensino superior, pelo que a regulamentação desta matéria revela­se inconstitucional”, lê­se no parecer.

Vícios de ilegalidade

O documento considera ainda “eivada de vício da ilegalidade” a norma que consagra o indeferimento tácito do pedido de criação de uma instituição de ensino superior, nos casos em que o Ministério de tutela não se pronuncie sobre o pedido, passados seis meses da recepção do pedido do promotor. “Esta norma não é compatível com os artigos 57.o e seguintes das Normas do Procedimento e da Actividade Administrativa (...) que, além de consagrar um prazo mais curto para a tomada de decisão (90 dias), estabelece como regra o deferimento tácito em homenagem à defesa dos direitos, interesses e legítimas expectativas do particular”, constata o Grupo Técnico que alerta para a obsessiva tendência de se criar e qualificar alguns tipos de crime, bem como a apresentação de várias disposições que configuram medidas de política e acções práticas a serem executadas pelo MES, que não tendo natureza de norma jurídica, são matéria de outro âmbito.

A regulamentação das bases do sistema de ensino constitui outro pomo de discórdia, por, no entender do Grupo Técnico, a reestruturação do quadro legislativo de bases do subsistema do ensino superior pelo Executivo deve ser concretizada através de um diploma com força da lei ­ Decreto Presidencial (autorizado) e não por via de um regulamento administrativo ­ Decreto presidencial – como pretende a equipa do ministro AN.

Como atempadamente a imprensa foi alertando para o lado casmurro e “trungungo” do ministro Adão do Nascimento, que pretende fazer do sector do Ensino Superior um autêntico reflexo das suas pretensões pessoais, o Grupo Técnico identificou nas normas uma extrapolação de conceitos que parece transformar o MES num governo dentro do Executivo. “A reiterada referência ao Órgão de Tutela do Ensino Superior aplicável tanto às Instituições do Ensino Superior Públicas, como as privadas, leva­nos a indagar a natureza dos poderes de controlo do Estado sobre as IES”.

O Grupo técnico sugere a retirada do termo tutela por superintendência, para as instituições públicas, por estas terem a natureza de institutos públicos integrando a administração indirecta do Estado. Para as instituições de ensino privadas, sugere supervisão, ao invés de tutela, por estas não integrarem a administração pública, sendo meros parceiros do Estado na prossecução do interesse público.

De resto, o parecer do GTACPS do Conselho de Ministros sugere que a regulamentação do subsistema do ensino superior seja precedida das bases do subsistema através do Decreto Legislativo presidencial autorizado pela Assembleia Nacional.

Ao mesmo tempo que propõe a adequação e clarificação de termos e conceitos, o documento levanta toda uma série de objecções que, se ignoradas, o subsistema de ensino superior pode ser transformado num sector que reme contra a direcção do vento dos princípios democráticos. Aliás, é por temer o descontrolo e o retrocesso desse sector vital da sociedade, que o Grupo Técnico recomenda, no seu parecer, “Que as normas sobre a supervisão das Instituições do Ensino Superior sejam harmonizadas com os princípios específicos do subsistema de ensino superior, nomeadamente: liberdade académica, gestão democrática, soberania científica, técnica, tecnológica e cultural”.