Luanda - Há mais de 20 anos que dirige o Partido de Renovação Social (PRS). Eduardo Kuangana desafia os militantes que o querem substituir na liderança do partido a concorrerem às eleições, no próximo congresso. Em entrevista ao NG, revela que desde a fundação do partido, “nunca houve pessoas à altura para dirigir” os “renovadores”. Não se considera dono do PRS e considera as deserções de militantes “normais em democracia”.

Fonte: NG
Há 25 anos que é presidente do PRS. Quando é que tenciona deixar a liderança?
O presidente do PRS não é escolhido, mas eleito pelos delegados provinciais. Desde a criação do partido em 1990, fui eleito. Quem quiser liderar deve concorrer no congresso. Continuo a ser o presidente porque é a vontade dos militantes. O meu mandato vai terminar em 2017, mas se não houver candidatos capazes, não posso deixar o partido a ‘Deus dará’, ou no vazio. Deve haver três candidatos e quem ganhar as eleições vai poder substituir-me.

Sente-se viciado pelo poder?
Continuo com dinâmica e força para estar na liderança. Um partido como o PRS, que não tem dinheiro, não pode criar vícios pelo poder. Quem está na governação do país é que tem vício pelo poder. A minha família sabe que já não devia continuar a dirigir o partido, mas não houve ninguém para me substituir. Não podia deixar o poder à balda e criar um vazio. Não há exclusão de militantes. Temos normas que devem ser cumpridas por todos.

Considera-se “dono” do partido?
Cada um tem o seu interesse. Os militantes pensam que devo já sair do partido, mas se esquecem que tivemos três congressos e uma conferência nacional. Não houve ninguém que se candidatou. Agora, não podem os militantes ir candidatar-se a imprensa. Já temos pessoas formadas e vamos ver se há, desta vez, militantes que tenham estes requisitos. Mas reitero que nunca me senti dono do partido.

As deserções de militantes são por causa da forma como dirige o partido?
A Constituição da República e também a lei dos partidos políticos é clara e diz que nenhum cidadão deve ser refém de um determinado partido ou ser retirado à força. Penso ser normal que alguns militantes do PRS abandonem o partido. Desde a queda que tivemos em 2012, muitas pessoas foram para outras forças políticas. Isso não significa crise, mas uma liberdade de escolha que as pessoas têm quando estão ligadas a qualquer organização. A minha liderança nunca foi contestada. O que se passa é que alguns militantes não têm coragem de dizer as coisas nas reuniões e vão à imprensa queixar-se. Penso ser uma atitude desonesta. Também não temos duas alas, como alguns querem insinuar.

Porque que não marca o Congresso?
Não posso sair de casa e dizer aos militantes que amanhã teremos o congresso do PRS. O congresso é realizado de cinco em cinco anos. Não pode ser forçado de acordo com a vontade dos militantes. Ainda estamos dentro do prazo. Se houver condições para se realizar o conclave, vamos realizá-lo de forma antecipada. Na verdade, não temos condições, materiais e financeiras. O que vamos realizar este ano é a reunião do Comité Nacional que é o órgão que decide.

Está a ser pressionado?
Nunca fui pressionado por ninguém. A vida interna do partido é definida pelos estatutos. Os órgãos de direcção é que decidem se vai ou não haver congresso e a mudança de liderança, depois de estarem reunidas as condições financeiras.

O dinheiro que recebe do Estado não chega?
Vá perguntar ao Estado quanto é que o PRS recebe e verá que é uma coisa insignificante. O congresso precisa de muito dinheiro porque devem estar presentes todos os delegados provinciais. Não posso dizer quanto recebo e como gasto. Cabe à Assembleia Nacional exigir uma prestação de contas à direcção do partido.

Que actividades tem estado a realizar?
O PRS foi o primeiro partido a falar sobre o ‘caso Kalupeteka’. Antes de acontecerem as mortes no Huambo, fiz uma conferência de imprensa, no Kwanza-Sul, onde denunciei as perseguições aos fiéis desta seita religiosa. Continuamos a mobilizar mais militantes em todas as provincias. Estamos a formar os nossos quadros de direcção e de base. Realizamos conferências e debates.

À espera das eleições

Já tem uma estratégia para as eleições de 2017?
O que nos está a preocupar é a falta de um órgão independente para fiscalizar as eleições. Com esta nova lei do registo oficioso aprovada pelo Parlamento, as administrações não vão fiscalizar todo o processo eleitoral. O PRS tem uma estratégia eleitoral que não pode divulgar à imprensa.

Em 2012, o PRS conseguiu apenas três deputados. Não teme a extinção do partido?
O PRS só vai ser extinto por questões administrativas eleitorais. Não é o povo que não vai votar. As manobras do regime é que podem fazer desaparecer o meu partido. A oposição teme a fraude porque não há controlo sério das urnas. A contagem dos votos não é feita com clareza. Devemos ter eleições livres, justas, transparentes e credíveis. Continuamos a defender a criação de um tribunal eleitoral, sem conotação político-partidária, para poder resolver todos os litígios provados, durante o processo eleitoral.

“O povo vai ficar mais pobre”

Os ideais de Agostinho Neto estão concretizados?
Claro que não. E como exemplo, falo do próprio ‘caso Kalupeteka’, dos desvios de dinheiro no Banco Espírito Santo, a própria subida dos combustíveis. O povo vai ficar mais pobre. O desemprego vai aumentar. Haverá mais fome, porque o preço dos alimentos já está a subir e os salários não estão a subir. O Presidente da República está a permitir que no país aconteça muita desordem. Só temos governadores para combater o lixo e não se preocupam com água, energia e saneamento básico.

O senhor é historiador. Já pensou em escrever a história da independência?
Já pensei e tenho alguma coisa que poderá sair ao público um dia. Agora não posso dizer, exactamente, o que estou a escrever. Enquanto historiador, lamento que haja poucos angolanos a escrever a sua história, sem pendor partidário. As novas gerações precisam de saber muitas verdades que andam escondidas. Temos poucas fontes, mas é preciso descobrir outros factos que marcaram os primeiros cinco anos da independência.

Perfil

Eduardo Kuangana nasceu na aldeia do Mombo, Lunda-Sul. É líder e membro fundador do Partido da Renovação Social (PRS), fundado em 1990. Mestre em Ensino de História. Especialista em História de África. Foi professor durante mais de dez anos.