Luanda - Os acontecimentos de 27 de Maio de 1977, dois anos depois da independência, continuam a causar muitas divergências e um manto de silêncio. A rebelião ocorreu na direcção do MPLA e fez muitas vítimas. O presidente da Fundação ‘27 de Maio’, Silva Mateus, garante que foi “manifestação contra o Governo”, liderado por Agostinho Neto. O historiador Fernando Gamboa contraria e diz que “houve sim tentativa de golpe de Estado”.

Fonte: NG
Passados 38 anos dos célebres acontecimentos do 27 de Maio continuam os “tabus” e as divergências do que terá acontecido. Os acontecimentos de 1977 ainda estão bem frescos na memória de quem os viveu por dentro, de um lado e do outro. E têm apaixonado jornalistas, historiadores e familiares dos mortos.

Ao NG, o presidente da Fundação ‘27 de Maio’, Silva Mateus, reconhece que a data continua ainda a ser “uma questão bastante controversa” entre as várias entidades ligadas à governação e não só. Tenente-general na reserva, lembra-se bem dos acontecimentos que “provocaram a morte de centenas” de militares e “responsáveis do MPLA” e nega que tenha havido uma tentativa de golpe de Estado, como “algumas pessoas tentam insinuar”.

Segundo Silva Mateus, o ‘27 de Maio’ foi o resultado de “uma manifestação” que tinha como objectivo mostrar os “descontentamentos” de um grupo de militantes com o modo como estava a ser “dirigido o país” pelo primeiro Presidente da República, Agostinho Neto.

“Com a conquista da independência, conseguiu-se alcançar o programa mínimo e faltava realizar o programa máximo que visava alcançar o bem-estar económico, político, jurídico e social para todos os angolanos. E vimos que a questão estava a ser desviada. Daí que começaram a surgir vozes cont
rárias à governação de Agostinho Neto, no interior do próprio partido”, afirma.

Silva Mateus garante que houve várias reuniões com o presidente Neto para se avaliar a situação política e social, mas “sem grandes resultados”. “Alguns dirigentes como Nito Alves, ‘Monstro Imortal’ entre outros, começaram a ficar descontentes e criticavam a forma como estava a caminhar a governação”. Foi assim que, no interior do partido surgiram duas alas. “Começou a dizer-se que Nito Alves queria substituir o Presidente. Todos estes factos ligados ao desvio da linha ideológica do MPLA, a desgovernação e à falta de prudência provocaram as mortes do 27 de Maio. Muitas famílias foram proibidas de chorar e realizar óbitos”.

O historiador Fernando Gamboa, que também viveu aqueles acontecimentos, tem outra visão. Culpa os “jovens inteligentes, bastante teóricos” nas suas posições e aponta, como líder da revolta, José van-Dúnem e não ‘Nito’ Alves, como tem sido dito. Ambos, esclarece Fernando Gamboa, receberam apoio de alguns militantes do Partido Comunista Português (PCP). “Estes jovens tentaram acelerar a revolução. No dia 27 de Maio, o presidente Neto apareceu na televisão e avisou que não haveria perdão para aqueles indivíduos.”

De acordo com ele, “houve sim uma tentativa de golpe de Estado” porque se fez a movimentação de tropas, ocupação da rádio e da televisão e havia um “grupo de militares que pretendiam ocupar” o palácio. Fernando Gamboa entende que há lições a retirar: “não permitir a hipocrisia e as intrigas” no seio de quem governa e dar “maior abertura” ao diálogo entre dirigentes e militantes. “É necessário alargar a democracia e discutir todos os problemas do partido. É preciso criar-se uma comissão da verdade para se debater os actos do 27 de Maio”, sugere.

Atrocidades do ‘27 de Maio’

De acordo com Silva Mateus, “é difícil” abordar os acontecimentos do ‘27 de Maio’ no interior do partido governante porque “as vítimas foram todas militantes do próprio MPLA”. “O presidente Agostinho Neto, quando recebeu os resultados do inquérito que mandou fazer, declarou a existência de um fraccionismo no seio do partido.

Esta posição provocou o surgimento de dois grupos, o que apoiava Neto e outro estava do lado do Nito Alves. Com a ocupação da Rádio Nacional e da televisão, foi decretado o fuzilamento, em público, de todos aqueles que estavam contra a governação”.

O general lembra também que, depois de 1977, houve ainda uma “caça às bruxas”, como um “verdadeiro genocídio”, que decorreu durante dois anos. “Só sobrevivi porque fui protegido por Diógenes Boavida, que me escondeu e através de uma guia fui à Huila e quando se aperceberam que estive lá, mandaram-me para Cuba e depois de regressar ao país, fui preso.”

“Mancha negra”

O analista político Mário Pinto de Andrade reconhece que o 27 de Maio foi uma data que “marcou o processo revolucionário” dentro do MPLA e foi uma “revolta de dirigentes” contra a direcção. “Foi uma tentativa falhada de um golpe de Estado, conduzida por membros influentes do ‘bureau’ político, como Nito Alves, Monstro Imortal, José Van-Dúnem.

As causas desta rebelião são desconhecidas até hoje. O académico lamenta haver “pouca informação” sobre o número de vítimas ocorridas pelo país. “Não houve genocídio, apesar de haver muita gente que morreu sem ser julgada, devido ao contexto daquela época revolucionária, em que não se falava de direitos humanos. É uma lição e uma mancha negra para história do nosso país”.

A ‘revolta’ em livros

Apenas nos últimos anos, houve uma ‘invasão’ de livros sobre o ’27 de Maio’, na maioria publicados em Portugal. Entre memórias de angolanos e portugueses, a maioria dos autores sente-se uma vítima de um genocídio. Mas também há livros de historiadores.