Luanda - A notícia da sua morte praticamente já não conseguiu apanhar ninguém de surpresa, tendo em conta as anteriores e insistentes informações que circulavam sobre a progressiva deterioração do seu estado de saúde, onde se incluem algumas mais especulativas sobre o seu próprio falecimento, que ainda não se tinha verificado.

Fonte: OPais

Nestes casos e com as celebridades, mortes antecipadas é o que mais tem acontecido nesta era da informação digital, total e instantânea, onde tudo se decide rapidamente na www, com os sites, blogs e redes sociais a competirem velozmente para ver quem chega primeiro aos smarthphones, mesmo com partidas falsas, que depois logo se corrigem se não se estiverem certas.


E tudo continua tranquilo, com se nada de anormal tivesse acontecido. Eventualmente, com algum pedido de desculpa pelo meio ao lesado, por ter sido promovido a categoria de “morto-vivo”.

No caso deste obituário, nunca como então o fumo teve tanto fogo, pois Bernardo Jorge, mais conhecido por “Bangão”, nascido em Luanda e a caminho dos 54 anos de idade, que não chegou a completar, estava mesmo quase a perder a batalha para conseguir ficar mais algum tempo entre nós e sobretudo em cima dos palcos onde ele se destacou como poucos, por várias razões, mas sempre por muito mérito e talento próprios.
Uma batalha que já se arrastava há algum tempo e o que ia obrigando a espaçar cada vez mais a suas aparições em público, até que se confirmou que o seu estado de saúde inspirava cuidados mais sérios que aconselhavam outros recursos.

A notícia chegou-nos no último domingo bem cedo, vinda de longe, algures da África do Sul, para onde Bangão tinha sido evacuado a procura do “milagre da sobrevivência” que os experientes kimbandas locais, mais os seus eficientes hospitais/ poderosos milongos já não foram a tempo de efectuar.

Tinha terminado a batalha do homem que de facto já se anunciava no horizonte de um prognóstico que era cada vez mais reservado e sombrio.

Lamentavelmente, porque ele ainda tinha muito para dar aos seus e à música popular urbana, pois com a sua “tenra” idade em principio e caso o seu organismo não tivesse tido a derrapagem que teve, tínhamos garantido no mínimo, nas nossas contas, mais vinte anos do melhor semba e de muita banga.

Em perspectiva já estávamos a ver em Bangão, o nosso Compay Segundo que, em abono da verdade, se chamava Máximo Francisco Repilado Muñoz e que se aguentou nas maior das calmas com os seus charutos até aos 96 anos, altura em que foi “convocado”.

Foi-se o homem.

Sobrou uma das vozes que melhor cultivou e promoveu o semba, dentro e fora das nossas fronteiras.

Quer alguns dos meus amigos gostem quer não, é de facto hoje a nossa bandeira, sem nenhum demérito para todos os restantes géneros que integram o nosso rico património musical.
Mas de facto alguém ter de encabeçar a lista e quando se fala de Angola, semba é mesmo semba e semba foi e vai continuar a ser Bangão.

O semba vem na linha da frente sem pretender abafar ninguém, pois há espaço para todos e os que realmente são os melhores não têm necessidade de impedir ninguém de entrar.
Com a prematura partida de Bangão sobrou também um fabuloso/interminável guarda-fatos, que ele em principio guardava na sua casa localizada no musseque do Sambizanga, bairro onde segundo julgo saber nasceu e nunca abandonou até “bazar” no passado domingo.

Soube que ele, de acordo com o que dizia aos seus próximos, tinha tantos fatos, que podia actuar durante todo o ano sem repetir um único e ainda se dava ao luxo de fazer em palco duas ou três mudas.
A banga não vai acabar.

Mas sem ele de facto e mesmo de jure, já não será a mesma.

Bernardo Jorge Correia introduziu no nosso show business a banga como um direito especialmente masculino, isto é, do homem.
Cuidado!

In Secos e Molhados/Revista Vida/O País (22-05-15)