Kuando Kubango - A comunidade do Sofe, município do Calai (Kuando Kubango), viveu no passado dia 23 de Maio, momentos ímpares com a entronização da sua Rainha, Sua Alteza Myenga Sofia za Ngunza, do Reino dos Mbunza, uma variante do grupo étnico dos Cuangares

Fonte: O País
A entronização, coube ao Rei do Cuangar, Paulus Siteketa, num acto testemunhado pelo governador em exercício do Kuando Kubango, Ernesto Kiteculo, e por entidades eclesiásticas, destacando-se o Bispo da Diocese de Menongue, Dom Mário Lukende.

O Reino dos Mbunza está situado entre os municípios de Cuangar e do Calai, ao longo do rio Cubango, que corre em direcção à faixa do Caprivi (Namíbia) e estava sem Rei havia 40 anos, ou seja, desde o conflito pós-independência de 1975.

Durante a cerimónia, o Rei do Cuangar disse que com o desaparecimento do Rei dos Mbunza, o reinado estava a ser dirigido por um regedor. Uma boa parte da comunidade do Reino esteve refugiada em território namibiano, sobretudo na província sudeste do Rundu, que é habitada maioritariamente por angolanos.

Neste território, segundo a fonte, existe uma outra Rainha dos Mbunza, irmã da recém-entronizada que reside naquele país, para onde foi na época de guerra em busca de melhores condições de segurança. Ela é a responsável pela gestão dos Mbunza naquele território.

O primeiro Rei dos Mbunza reconhecido pelos portugueses em 1936, chamava-se Tshimbara Zazona. De lá para cá, o reinado foi dirigido por outros que lhe sucederam até ao eclodir da guerra que deixou a etnia sem o seu Rei.

Marcada por danças tradicionais local, cânticos e preces a Deus, du- rante a cerimónia, Paulus Siteketa depois de destacar a importância do acto, alertou que a nova Rainha tinha a missão de cuidar do seu povo tanto nos “momentos bons e maus”, sobretudo dos males sobre- naturais.

No seu discurso na língua cuangar, que é a predominante entre os Mbunza, que, em várias ocasiões foi efusivamente interrompido com ovações, alertou que a Rainha deve ser respeitada, apesar de ser nova, cuja idade foi omitida à imprensa, alegando ser segredo de longevidade para “Reis ou Rainhas”, nesta região sudeste de Angola.

Paulus Siteketa pediu a colaboração de toda a comunidade para apoiar a nova soberana naquilo que for necessário durante o seu reinado que começou naquele memorável Sábado, 23, em que também estiveram presentes centenas de pessoas que residem na Namíbia.

Agradecimentos a Deus

Ao dirigir-se aos presentes, Sua Alteza a Rainha Sofia za Ngunza, agradeceu primeiro a Deus, por a ter escolhido “espiritualmente para dirigir a comunidade”, a quem pediu humildemente que o seu filho Jesus Cristo interceda por ela junto de si (Deus), no sentido de levar avante este desafio que lhe foi confiado.

Parca em palavras como fez transparecer, a nova autoridade tradicional, tal como dissera o Rei do Cuangar, pediu o apoio de todos, sobretudo das autoridades do Governo do Cuando Cubango e eclesiásticas no que for possível, reconhecendo que tem uma árdua tarefa pela frente.

Cumprimento da promessa

Chamado a intervir no acto, o vice-governador Ernesto Kitecu- lo, que falava em representação do governador da província, general Higino Carneiro, disse que a entronização da nova Rainha dos Mbunza, era a concretização de uma promessa do Executivo local de atender ao pedido desta comunidade para a reposição desta autoridade tradicional.

Segundo o governante, com a tomada de posse da soberana, devolveu-se a autoridade máxima desta etnia que há muito vinha reclamando, mas razões alheias fizeram com que “só hoje concretizássemos esta tomada de posse da nova Rainha, Sua Alteza Myenga Sofia za Ngunza”.

Kiteculo recordou que o Governo das “Terras do Fim do Mundo”, hoje “Terras do Progresso”, assumiu há alguns meses o reassenta- mento da Rainha e a sua comunidade na sua terra de origem, depois de 40 anos de exílio na Namíbia. “ Eis aqui, hoje, o momento tão esperado”, disse.

Reforçou que em Angola as autoridades tradicionais personificam a política comunitária, e a entronização do Rei ou da Rainha está previsto na Constituição da República de Angola (CRA), mas não deve colidir com o poder instituído. Segundo Kiteculo, dar poder e a autonomia às autoridades tradicionais “é cumprir com uma das manifestações mais importantes do poder local”.

Segundo o governante, as autoridades entronizadas devem ser o elo com o Governo nos municípios, nas comunas e nas comunidades ao nível da província, na procura de soluções para a oferta de bens e serviços, tais como; a água, a habita- ção, a educação e a saúde.

O governante alertou que este poder (autoridade tradicional) deve ser exercido por aqueles que são eleitos legitimamente pelo seu povo, com base nos valores e normas do direito costumeiro, para satisfazer o interesse próprio das comunidades.

Recordou que recentemente foi entronizada a Rainha Eveline Kandjimi, do Dirico, e de outros soberanos, e esta acção prosseguirá para atender a reclamação de outras comunidades que pretendem ver reinstalados os seus Reis ou Rainhas, como é o caso da comunidade de Nerikinha, no município do Rivungo.

Diálogo permanente

Falando para uma vasta multidão vinda de várias localidades de Angola e da Namíbia, Ernesto Kiteculo exortou aos administradores municipais da província, a apoiar as autoridades tradicionais, promovendo a cultura, a unidade nacional, a solidariedade e a defesa da integridade territorial nas suas áreas de jurisdição.

Apelou ainda ao diálogo permanente no seio das comunidades entre as autoridades tradicionais e as suas comunidades, não permitindo que alguém perturbe a ordem e a tranquilidade no seio das aldeias e embalas. “Deve haver diálogo quando há qualquer conflito para se evitar actos de violência”, disse Ernesto Kiteculo.

As igrejas foram também chamadas a continuar a cooperar com o Governo, considerando-as de parceiras privilegiadas e reserva moral das comunidades, tanto nas cidades como nas zonas urbanas, tendo destacado o papel do resgate dos valores morais e cívicos como um dos feitos das confissões religiosas.

Mbunza

Etimologicamente, esta palavra significa “mergulhadores” ou pessoas que habitam ao longo das margens do rio, cuja actividade principal é a pesca, embora pratiquem também a agricultura e a criação de gado, de que tiram proveito o leite e a tracção animal.