Luanda - O antigo responsável do 1.o Cartório Notarial do Huambo, Moisés Kassoma, continua a receber os seus salários, mesmo depois de ter sido demitido dos quadros da Justiça, em Março deste ano, pelo titular da pasta, Rui Mangueira.

Fonte: SA (Ilídio Manuel)

Apesar de ter sido demitido dos quadros da Justiça

De acordo com fontes locais, ao ex-responsável do Cartório foram pagos os salários referentes aos meses de Abril e Maio, e tudo aponta que ele continuará a receber os seus soldos por mais um longo período de tempo.

Esta situação tem estado a causar um certo mal-estar entre os trabalhadores locais da Justiça, sobretudo os da área do Cartório, já que o funcionário demitido tem beneficiado integralmente dos seus salários, incluindo subsídios, mesmo sem estar a trabalhar.

Confrontado esta semana com o assunto, o director do Gabinete de Inspecção do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, Silvestre Alvarenga, revelou ao Semanário Angolense que o pagamento de salários ao antigo responsável do Cartório deve-se ao facto de ele ter recorrido da decisão ministerial ao Tribunal Supremo.

Sublinha que «a decisão de demissão só é executada se decorrido o prazo legal de recurso, o funcionário visado não interpor recurso. Como houve um recurso dentro do prazo legal, fica suspenso o cumprimento da pena aplicada».

Apesar de ter abordado o tema de forma lacónica, o inspector-geral do Ministério da Justiça deixou transparecer que as consequências da demissão só produzirão efeitos para o seu pelouro, depois de a sentença transitar em julgado.

Um jurista chamado a comentar sobre o mesmo assunto diz que o direito ao recurso está consagrado na lei, mas adverte que existem alguns funcionários na condição de demitidos que «têm recorrido a este expediente para continuarem a receber os seus salários sem trabalhar».

«Trata-se de uma manobra dilatória feita pelos advogados dos visados, de forma a colher benefícios financeiros, tendo em conta que a lei não estabelece prazos para a decisão dos recursos no Tribunal Supremo», afirma o referido jurista, que falou sob anonimato.

«Esta lacuna da lei tem feito com que alguns funcionários, que foram compulsivamente afastados da função pública, continuem a receber os seus salários, por longos e felizes anos», ironiza a fonte do SA.

 

Defende que «a lei deveria estabelecer prazos para este género de recurso em sede do Tribunal Supremo, à semelhança do que acontece com os processos disciplinares, que definem etapas de cumprimento obrigatório».

Considera que, por razões de justiça, «os processos disciplinares são de natureza sumária, o que faz com que os visados não beneficiem dos salários por um longo período de tempo. O seu cumprimento não permite que os processos se arrastem no tempo».

Na óptica da fonte, que temos vindo a citar, a ausência de prazos para os recursos tem levado alguns funcionários a beneficiar de «salários de borla, durante 10 ou mais anos». «Há recursos no Tribunal Supremo que lá estão há mais de uma década sem nenhuma decisão», observa a fonte deste jornal.

Diz, por fim, que esta situação constitui «uma violação ao conteúdo da relação jurídico-laboral, já que esta pressupõe o pagamento do salário contra a prestação de serviços por parte do trabalhador».

Em relação ao mesmo assunto, um docente universitário da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto comparou a situação do ex-responsável do Cartório do Huambo à de um «magistrado jubilado, com todas as regalias inerentes ao cargo».

 

Na origem do afastamento:  Venda de imóvel do Estado

 

O antigo responsável do 1.o Cartório dos Serviços do Notariado no Huambo fora demitido da função pública, em Março deste anos, depois de lhe ter sido movido um processo disciplinar pela tutela, devido ao facto de estar envolvido na venda ilegal de um edifício que já havia sido confiscado pelo Estado.

Numa «Nota de Acusação», datada de 14 de Agosto de 2014, a que o SA teve acesso, o Gabinete de Inspecção do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos acusara o jurista Moisés Kassoma de ter invertido a titularidade de um imóvel, com o objectivo de colher, eventuais, benefícios financeiros com a venda do mesmo.

A vivenda em causa, localizada no bairro Kapango, uma zona nobre da cidade do Huambo, era pertença de Eduardo Pires Roque, um dos sócios da empresa de confecções «York Social Modas», que abandonara o país no começo da década de 90. Não se tem notícia de que ele tenha vendido o imóvel ou deixado procuração a favor de terceiros.

Em função das investigações feitas, o Gabinete de Inspecção da Justiça concluíra que Moisés Kassoma, aproveitando-se da sua qualidade de notário, «fez a escritura pública de venda do referido imóvel a jurista Pedro José Filipe, como se o vendedor fosse o Sr. Eduardo Pires Roque a fazê-lo, mas representado pela Sra. Margarida Mambango Cavelo Mone [uma funcionária do mesmo Cartório]». Ficou apurado que esta terá agido a mando do notário Moisés Kassoma como procuradora daquele [Eduardo Roque] na escritura pública de compra e venda, quando «não tinha procuração para o efeito».

O gabinete de Inspecção acusara ainda o notário Moisés Kassoma de ser useiro e vezeiro em práticas do género, já que este «nos anos 2002, 2003 e 2006 procedeu à alteração de pactos sociais de algumas sociedades comerciais» afectas ao Grupo Valentim Amões (GVA), «sem que para isso houvesse consentimento dos sócios». Esta situação ter-lhe-á custado um processo-crime a decorrer os seus trâmites em tribunal.

IM