Luanda - “Chegou a hora de abandonarmos o conformismo fatalista, que nos faz conviver com tanta miséria, tanta dor, tanto sofrimento e tanta ineficiência no tratamento adequado e eficaz dos nossos problemas” (Isaías Samakuva, 01/06/2015).

Fonte: Club-k.net

Foi a 15 de Setembro de 2014 que o Presidente da República nomeou Graciano Francisco Domingos para o cargo de Governador de Luanda em substituição de Bento Bento. Discursando alguns dias depois em cerimónia de apresentação do novo Governador na sede do Governo de Luanda, o José Eduardo dos Santos anunciou uma série de medidas que configuravam um novo modelo de direcção de Luanda e que visavam alterar positivamente a precária imagem que a cidade capital de Angola patenteava. Dizia o Presidente na ocasião: estava preconizado “um modelo de desconcentração administrativa profunda, através de uma delegação legal de competências, que hoje são atribuídas ao Governo provincial e que passam para as administrações municipais, incluindo o caso específico do município de Luanda”. O Chefe de Estado asseverou em seguida que “com estas medidas, acrescidas dos instrumentos de trabalho de que dispomos”, se poderia “a curto e médio prazo, atingir os seguintes objectivos”:

‐ Fortalecer a capacidade das administrações municipais de planificar e gerir melhor as zonas urbanas da sua circunscrição e responder com efectividade às necessidades dos cidadãos;

‐ Promover e gerir o desenvolvimento social e económico local e responder ao impacto de eventuais ocorrências negativas naturais;

‐ Contribuir para a melhoria da prestação de serviços públicos, nos domínios da saúde, da educação, do fornecimento de água e energia eléctrica, do saneamento básico e da gestão do lixo, da transformação do mercado informal para o formal e do respeito pela ordem e a disciplina;

‐ Promover a governação participativa, através do diálogo e da participação dos cidadãos na resolução dos problemas e no desenvolvimento do seu município (J. E. Santos, 22/09/2014).

Volvidos que são cerca de nove meses desde este célebre discurso a situação de Luanda longe de melhorar conheceu uma piora considerável mormente no que toca ao “saneamento básico e gestão do lixo” que atingiu contornos de uma autêntica calamidade com repercussões profundas no tecido social luandense.

O lixo tomou literalmente conta da cidade de Luanda nos últimos tempos a ponto de, algumas das chamadas vias estruturantes se terem convertido em autênticos “corredores de lixo” o que actuando sinergicamente com a crônica persistência de buracos nas estradas se tornou num factor complicador adicional ao já de si complicado trânsito da cidade. Como se chegou a este ponto, justamente depois que, com a intervenção do Presidente da República se abriram novas e melhores expectativas? Como entender, por exemplo, que o Governo de Luanda assista indiferente a ocorrência de verdadeiras crateras numa via da dimensão da

Estrada da Cuca? Isto e outras aberrações com as quais colidimos quotidianamente na cidade é qualquer coisa que só os deuses de Luanda e em particular a Kianda podem, talvez, decifrar. Nós, os comuns mortais habitantes de Luanda a única certeza que se nos afigura é que nada de novo trouxe para a cidade aquela tão badalada intervenção do Presidente. Isto é um facto e contra factos...

Alguns dirão, talvez, que seja necessário dar mais tempo ao Governador e sua turma, mas, meus senhores, administrativamente falando, nove meses é tempo bastante para que esta “pessoa com grande experiência administrativa, um profissional do ramo do Direito, que, em momentos difíceis, já governou, interinamente, esta província” (estive a citar JES 22/09/14) possa mostrar,afinal, ao que veio.

Como entender que, justamente quando o Presidente vem publicamente anunciar “que os municípios de Luanda ficam equiparados às províncias, no sentido de que lhes serão aplicáveis os procedimentos referentes ao regime financeiro e orçamental, podendo executar despesas até ao mesmo limite definido por lei para o governador provincial”, é precisamente o momento em que o problema do lixo em Luanda se agudiza a ponto de se constituir numa verdadeira calamidade? O Chefe orientou que se promova uma “governação participativa, através do diálogo e da participação dos cidadãos na resolução dos problemas e no desenvolvimento do seu município” bandeira que o Governador se propôs hastear, mas, longe disso assistimos ao eternizar dos problemas de comunicação entre governantes e governados a tal ponto que administradores e Governador não se sentem obrigados a dar explicações aos citadinos sobre as causas da calamidade.

Diante de tantas evidências só nos resta concluir que a operação de charme conduzida pelo Presidente da República que visava sanear os crônicos problemas de Luanda tal, como se pode depreender dos objectivos acima enunciados, redundou já num autêntico fracasso. Mais um, aliás! Qual é a razão de mais este fracasso?

Será que Graciano Domingos “pessoa com grande experiência administrativa” não tem sabido “estar à frente dos acontecimentos”, não tem estado “completamente disponível” e não “tem grande capacidade e, mesmo, qualidades especiais, para saber prever a situação da evolução e saber orientar os subordinados e saber tomar medidas pertinentes” apesar de não acumular o “cargo de governador provincial com o de primeiro­ secretário do Comité Provincial do MPLA”? Ou está em causa o “grande desafio de pôr a funcionar o aparelho da administração provincial e das administrações municipais em pleno, para superarmos o atraso em que nos encontramos e ajustar o passo da governação ao crescimento da procura dos serviços públicos”? (JES, 22/09/2014)

É obvio que o problema não está tanto nas pessoas, o foco do problema tem que ser colocado nas Instituições. O Presidente precisa entender que o seu regime corrói as instituições, distorce os valores do republicanismo, atropela a lei sistematicamente e destroi os fundamentos do Estado Democrático e de Direito e num terreno assim configurado não se podem erguer instituições funcionais, absolutamente transparentes voltadas efectivamente para o interesse público. Num terreno assim, onde os assuntos se resolvem casuísticamente ao sabor das arbitrárias “ordens superiores” não pode imperar a justiça, campeia a corrupção e sobressai a gestão ruinosa e o descalabro. Não admira, portanto que as operadoras de lixo se vejam impotentes diante da mudança de ventos no Governo de Luanda, pois a essa altura os leões andam a degladiar ­se pelo melhor naco da presa e, claro, enquanto isso, sofre o capim. Por isso, os ingentes problemas de Luanda não se resolvem com acções cosméticas do tipo “chicotada psicológica” muito em voga no futebol.

Os problemas de Luanda reclamam profundas mudanças estruturais que, obviamente, o clientelismo, o compadrio, o nepotismo, a corrupção sitêmica e outros males fedorentos que enfermam gravemente o regime que nos governa, não permitirão jamais que se operem. Entre outras, estas mudanças devem conduzir ao estabelecimento de facto e de jure das autarquias e isso só será possível se o Presidente consentir em repartir com outras forças os vastos poderes que detém presentemente. Está mais do que evidente que José Eduardo dos Santos não tem a mínima vontade de “correr este risco” para bem do povo angolano, eternizando desta feita as crônicas chagas sociais que nos assolam e que se agravam a cada dia com a crise da qual só ele e sua gestão ruinosa são responsáveis. Como afirmou recentemente Isaías Samakuva,

Angola encontra­se ainda naquela posição muito peculiar de um regime que afirma ser uma república, mas não respeita o republicanismo; diz ser um Estado democrático, mas está longe de ser uma democracia autêntica. Uma República funda­ se nas ideias da liberdade individual, das virtudes cívicas e da ética republicana. Estes ideais manifestam­ se na separação entre a coisa pública e as coisas privadas, civilidade, humanismo, liberdade política, igualdade e hostilidade a privilégios, ideias típicas do republicanismo, que não se compadecem com os ideais do absolutismo e do despotismo, típicas do pensamento monárquico (Samakuva, Benguela, 01/06/2015).

Assim é imperioso resgatar o Estado Democrático e de Direito tal como estabelece a nossa Constituição, é urgente instituir as autarquias igualmente previstas na Constituição, mas é preciso muito mais: é necessário fazer emergir uma nova cultura política, uma nova cultura de governação que restaure as instituições republicanas por ora solapadas pelo ensaio autoritário e absolutista que nos é imposto e resulte numa “nova matriz de valores para sustentar o processo de renovação social” .

Somente numa plataforma assim desenhada podem assentar as bases e linhas políticas capazes de atacar eficazmente os problemas de Luanda e do país de forma geral. O contrário será “chover no molhado”, agudizar os problemas, metastizá­los e tornar as soluções ainda mais difíceis e onerosas.

Despertemos pois para a MUDANÇA imperiosa, condição incontornável para se erigir a Nação dos nossos sonhos e dos nossos antepassados.

Maurílio Luiele

Luanda, 07 de Junho 2015