Luanda - Se quisermos ser sérios e chamar os bois pelo seu próprio nome, temos que reconhecer que Angola tem a partir do último Sábado em Luanda os primeiros presos políticos nas cadeias do Estado Democrático de Direito, sem nos esquecermos de que nesta condição está igualmente o activista cívico José Marcos Mavungo, já a penar os seus “crimes” há mais de três meses em Cabinda.

Fonte: Rede Angola

A fazer fé nas nossas contas, considerando que a 3ª República teve início em Fevereiro de 2010, com a promulgação da Constituição da República de Angola (CRA), não temos muitas dificuldades em concluir que assim é, que todos estes jovens que se encontram encarcerados são efectivamente presos políticos ou de consciência.

Aparentemente parece haver aqui uma contradição entre a natureza do Estado angolano e a condição destes detidos.

Em princípio nos regimes democráticos não se prendem as pessoas por pensarem/agirem de forma diferente de quem está no poder, obviamente dentro dos limites estabelecidos pela Constituição em matéria de direitos e deveres dos cidadãos.

O que é facto é que todas estas pessoas, de uma forma geral, estão a ser acusadas de rebelião, que é objectivamente um crime de inspiração política, embora pelas evidências nos casos em apreço seja apenas na sua forma tentada.

Mais do que isso, seria passarmos para o lado da análise virtual dos factos, onde tudo é sempre possível, desde que o botão da imaginação seja accionado, que é o que não tem faltado neste tipo de processos, como já se está a verificar com as “sinuosidades” que estão a ter lugar em Cabinda contra Mavungo.

Apesar do suposto flagrante delito que justificou a detenção imediata do grupo dos “révus” em Luanda algures na Vila Alice, até agora ainda nenhuma prova mais substancial transpirou para a opinião pública/publicada que nos convença minimamente da sustentabilidade seus planos desestabilizadores.

O vídeo que circula nas redes sociais com o Luaty a aconselhar as pessoas a não votarem no MPLA prova exactamente o contrário, pois o simples facto dele falar em eleições retira de imediato qualquer base de sustentação para a acusação de rebelião, já que o recurso ao voto é exactamente o único meio que o Estado Democrático tem institucionalizado para possibilitar a alternância do poder entre os partidos.

Fazer campanha política contra a permanência de JES/MPLA no poder não pode em circunstância alguma ser apresentado como uma prova do crime de rebelião, pois o proponente em momento algum no seu apelo faz alusão ao uso de meios violentos/inconstitucionais para a concretização do seu desiderato.

Luaty deixa suficientemente claro no vídeo que tivemos a oportunidade de visualizar que a pretendida mudança do poder em Angola deve ocorrer sempre num contexto eleitoral.

À falta de melhor opinião, continuo a pensar que numa situação de flagrante delito é do próprio interesse das autoridades que efectuam a detenção dos suspeitos, a apresentação imediata das provas, que em principio estão à vista de todos.

Enquanto se aguardam por estas provas e voltando a questão dos presos políticos, não encontramos outra terminologia mais adequada para atribuir um estatuto a este conhecido grupo de jovens que tanto sono tem tirado aos secretas angolanos, cada vez mais nervosos com o ambiente em geral, o que também não tem sido um bom conselheiro para a suas cirúrgicas intervenções.

Se não os considerássemos presos políticos, teríamos, necessariamente, de os encafuar na alargada estante do banditismo para todos os gostos e feitios, o que seria uma manifesta injustiça, pois claramente não é o seu caso, pelo menos na nossa modesta avaliação.

Todo o seu discurso contestatário é manifestamente político, com destaque, obviamente, para a exigência sobre a saída de JES do poder que é, claramente, aquela que mais irritação tem provocado “lá em cima”.

Até que ponto esta decisão de retirar os “révus” da circulação por algum tempo foi a melhor estratégia do poder com base no custo/benefício é uma questão que desde logo nos atrevemos a responder pela negativa.

Antes de mais porque não será nada fácil provar-se o seu envolvimento num crime de rebelião e muito menos convencer-se a opinião pública nacional e internacional sobre a existência de uma tal movimentação, o que pressupõe algo mais do que as simples intenções e os cursos sobre “tácticas revolucionárias” dadas por algum Guru.

Não temos pois muitas dúvidas em concluir que o custo político negativo desta operação para a imagem do próprio Titular do Poder Executivo será de longe muito superior que os eventuais benefícios que se venham a retirar do seu silenciamento temporário.

Entendemos por outro lado que a conjuntura de dificuldades acrescidas que o país vive não terá sido o melhor momento para se criar mais este “ruído na linha”.

A tendência dos analistas locais e estrangeiros vai ser, já está a ser, o enquadramento desta “blitz” contra os jovens revolucionários num esforço suplementar do regime para desviar as atenções do que é fundamental, fabricando-se mais uma vez um bode expiatório como válvula de descompressão para tentar travar a queda de popularidade do Governo que pode estar a atingir níveis bastante críticos.

Em abono da verdade, a radicalização do discurso destes jovens angolanos parece enquadrar-se de algum modo no âmbito da contestação protagonizada pelos denominados “movimentos inorgânicos anti-sistema”, que estão em ruptura aberta à escala global com os mecanismos de fazer política das democracias representativas, o principal dos quais são os partidos tradicionais.

O recurso às manifestações de rua são o meio mais utilizado por eles para expressarem as suas ideias e reivindicações e contestarem o rumo que está a ser dado ao mundo, quer pelas lideranças das principais potências industrializadas, quer pelas grandes organizações internacionais.

Em Angola sente-se que os “révus” estão a tentar definir um caminho próprio tendo em conta os contornos mais específicos da realidade nacional, que como pode dizer-se ainda “não é carne nem é peixe” do ponto de vista do próprio processo de democratização.

Foi Justino Pinto de Andrade, o Presidente do Bloco Democrático, quem disse recentemente em entrevista que Angola, apesar de já ter um regime multipartidário, ainda não é um país democrático, o que se percebe facilmente pela forte tutela que o partido no poder exerce, através dos mecanismos coercivos do Estado, sobre o exercício das liberdades e direitos fundamentais dos cidade.