Luanda - As contrariedades registadas nos depoimentos de José Domingos da Silva, prestados durante a fase de instrução processual e em Tribunal, revelam fortes indícios de que esteja envolvido no assassínio da mulher com quem vivia há 21 anos.

Fonte: O País

Os depoimentos prestados pelo cidadão José Domingos da Silva, marido da malograda Délia Teresa Joaquim Sebastião Francisco Bento da Silva, 44 anos, em Tribunal, foram desmentidos pelos declarantes Henrique Carlos Kissole e Joana Domingos Pascoal dos Santos, durante a sessão de julgamento realizado nesta Segunda-feira.

A possibilidade de ele estar por detrás do crime hediondo é sustentada ainda no facto de os arguidos Ariclene Guilherme dos Santos, Tomás Mingochi Gomes e Paulo António de Almeida terem revelado em tribunal que foram contratados dias antes para assaltarem a vítima à saída do Banco de Poupança e Crédito (BPC).

Em declarações à instância da digna representante do Ministério Público, a tesoureira da agência sede do referido banco, Joana dos Santos, apresentou-se como amiga da vítima há mais de 20 anos e descartou qualquer possibilidade de ter informado a José Domingos da Silva que a sua companheira havia levantado elevadas somas monetárias no dia no crime, como este revelou em Tribunal.

“Não falei com ele nada disso e nem sequer cheguei a comentar sobre esse assunto com alguém, por que estaria a violar o sigilo bancário”, frisou.

Indagada sobre a quantia monetária que Délia da Silva havia levantado, respondeu que foram três milhões e 200 mil Kwanzas e três mil e 850 dólares e que estes valores não saíram da sua conta, nem do marido e muito mesmo de alguma empresa pertencente aos dois.

Apesar de não conseguir precisar o nome dos titulares das contas que foram movimentadas, por ter ocorrido há bastante tempo, esclareceu terem sido feitas em contas de pessoas amigas da malograda a pedido das mesmas, por se encontrarem distantes da referida agência. Explicou que por não fazer parte das regras do banco, alguns funcionários abrem essas excepções às pessoas que lhe são próximas e não constituem práticas reiteradas.

A magistrada judicial questionou-a se manteve algum contacto com o marido de Délia da Silva após a sua morte, respondeu que não e que nunca mais foi solicitada a movimentar as contas que ambos têm no BPC.

No que concerne a actividade laboral desenvolvida por José da Silva, esclareceu que não sabe onde trabalha e nunca ouviu falar sequer.

Na esperança de esclarecer se havia pessoas no momento em que a vítima recebeu os valores monetários, o advogado Mbiavanga Rogério Manuel questionou a declarante em que circunstância entregou tais valores e ela respondeu que foi feita na casa forte do Banco.

Joana dos Santos explicou que como as regras do banco estabelecem que o levantamento de valores superiores a um milhão de Kwanzas deve ser feito na casa forte, por questões de segurança, ambas se deslocaram a este local e foi lá onde concluíram a referida operação bancária. Deste modo, descartou a possibilidade de os criminosos se terem apercebido de que Délia da Silva havia levantado dinheiro no seu local de trabalho. Questionada se a sua colega usou um cheque no valor de um milhão e duzentos mil Kwanzas, emitido em nome de José Domingos da Silva no momento em que efectuou os levantamentos, respondeu negativamente. O que serviu para desmentir a informação prestada por este, segundo a qual, no dia do crime a sua esposa estava para levantar um cheque com o valor acima mencionado, passado pelo empresário Henrique Carlos Kissole.

Henrique Kissole nega emissão de cheque


Em declarações ao Tribunal, Henrique Kissole, 55 anos, confirmou que conhece o senhor José da Silva como general da Casa Militar da Presidência da República por ter sido esta a forma como o mesmo se apresentou no momento em que fechavam o negócio sobre a venda de um terreno de 100/100 na Via Expressa.

Segundo ele, o suposto general detinha uma procuração passada pelo dono do referido terreno que adquirira ao preço de 800 mil dólares, pago em várias tranches por meio de transferência bancária.

A magistrada judicial o questionou em que bancos foram feitos os devidos pagamentos pelo que respondeu terem sido nos bancos BFA e BIC e, por outro lado, que já não se lembrava de em algum momento ter feito o pagamento via BPC. Até porque só conhecia as contas do mesmo existente nestes dois bancos.

Indagado se passou algum cheque no valor de um milhão e duzentos mil Kwanzas em nome de José da Silva, o empresário respondeu negativamente alegando que os pagamentos foram feitos por meio de transferência ban­cária.

Questionado pelo advogado Mbia­vanga Manuel sobre as razões que o levaram a comparecer em tribunal só naquele dia, disse que não conseguia compreender como é que isso acon­teceu por ser uma pessoa bastante co­nhecida e fácil de ser localizada pelo facto de o seu escritório estar localiza­do no Instituto Superior Politécnico de Angola (ISIA), de que é proprietário.

Explicou ainda que mesmo quan­do está no exterior do país, não fica incontactável por usar rooming, re­velação que levou os presentes a con­cluir que a morosidade registada para colher o seu depoimento, tratou-se de uma manobra dilatória para evitar que o mesmo não comparecesse em Tribunal.

“O senhor José da Silva conhece muito bem o meu escritório por ter sido lá onde fizemos o negócio da venda do referido terreno em 2014”, disse. No intuito de obter alguma ex­plicação sobre o vinculo contratual existente entre ambos, Mbiavanga Manuel questionou ao declarante se havia contratado o falso general para realizar alguma obra, que respondeu negativamente alegando nem sequer saber que ele actua no ramo da cons­trução civil.

De referir que aquando dos seus pronunciamentos ao tribunal e du­rante a fase de instrução processual, José da Silva afirmara que no dia em que a sua esposa foi baleada se encon­trava a executar uma obra de constru­ção civil, no Benfica, pertencente ao declarante Henrique Kissole, ocasião aproveitada por aquele para lhe fazer a entrega de um cheque avaliado em um milhão e duzentos mil Kwanzas.

Acareação comprometedora

As revelações feitas por Henrique Kissole levaram a magistrada judicial a requerer uma acareação entre ele e o declarante José da Silva para apurar quem estava a faltar com a verdade. Trémulo, o viúvo começou por esclarecer que o negócio da venda do terreno foi efectuado em 2013 e não em 2014 como o seu então cliente se havia referido.

A procuradora o questionou se ouvira atentamente os seus depoi­mentos e o que tinha a dizer sobre o mesmo. Respondeu positiva­mente e explicou que o ambiente do tribunal desconcertou-o e o terá feito se enganar em algumas coisas, a contar também pelo tempo que se passara até à data em que foi depor.

Ela o questionou se ouviu o senhor Henrique Kissole dizer que os pagamentos foram feitos por transferência bancária, que não emitiu cheque e muito menos o contratou para fazer alguma obra. Sempre, tremulo, ganhou tempo tomando uns tragos de água na carregava na mão direita para depois responder, reiterando que se terá enganado.

Solicitado a esclarecer por que razão dissera que se apercebeu que a sua esposa havia levantado elevada soma monetária por inter­médio de Joana dos Santos, reafir­mou que foi por intermédio desta e que ela ter-se-á enganado em consequência do lapso de tempo decorrido entre a ocorrência dos factos e o presente momento.

De uma forma pedagógica, a procuradora o alertou que deve encarar o tribunal com a máxi­ma seriedade e não escamotear a verdade. Ele tentou se justificar e a procuradora anunciou que este assunto será tratado em outra ocasião.

A instância de assistência, en­cabeçada por Mbiavanga Manuel, alinhou no mesmo diapasão da procuradora e manifestou repulsa peloo comportamento do viúvo. Em função dos seus pronuncia­mentos, o juiz-presidente da 4ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, Eduardo Moisés Luacute Samuco, o alertou, de forma irónica, que só faltava pedir a detenção do declarante por ter prestado falsos testemunhos ao tribunal, tal como estabelece a lei nestas circunstân­cias.

Indagado se tinha alguma questão a colocar, o jurista Wilson Martins, digno causídico dos réus neste processo respondeu negati­vamente.

Advogado em defesa do declarante

Estranhamente ao que tem sido habitual, o advogado de defesa dos réus, Wilson Martins, ao inquirir a tesoureira do BPC procurou obter respostas que pudessem inocentar o declarante José da Silva e não os seus constituintes.

O defensor centrou a sua atenção sobre a facilidade proporcionada a malograda para levantar tais valores monetários, questionando se este era um movimento normal pelo que respondeu negativamente. “Como já disse aqui, isso não é o método normal, mas uma facilidade que agente dá as pessoas que nos são muito próximas que pretendem levantar algum montante em suas contas, mas que por estarem distantes do banco não chegarão a tempo. Aí a gente levanta, mas depois elas passam para assinar”, respondeu.

Face à insistência de Wilson Martins, exemplificou que se por ventura o causídico solicitasse a um dos funcionários do banco que não é de sua confiança que lhe concedesse tal facilidade, certamente seria redondamente negado. A seu pedido, o advogado foi informado que os recibos bancários de levantamentos são encaminhados para os arquivos e aí permanecem sempre e que será possível obtê-los, desde que se tenha em mente o nome do titular da conta. O defensor questionou se seria possível rever as movimentações bancárias de caixa efectuados no dia 12 de Fevereiro de 2014, por meio das câmaras de videovigilância e obteve um não como resposta, com a fundamentação de que nesta época os aparelhos da referida agência bancaria se encontravam avariados.

Ao ouvir os depoimentos de Henrique Kissole que comprometem ainda mais o declarante José da Silva, o advogado dos réus, optou por não o questioná-lo. Posteriormente, requereu ao Tribunal que não se fizesse a leitura das declarações prestadas durante a fase de instrução processual por dois declarantes, um dos quais a esposa do suposto marginal que emprestou a arma e veio a falecer em confrontos com a Polícia.

O juiz-presidente, Eduardo Luacute Samuco, explicou que tal não seria possível por se encontrarem a mais de dois meses a aguardar pela declarante mas ela não aparece, por alegadamente ter a filha adoentada.

“Meritíssimo, ela disse-me esta manhã por telefone que quando saía de casa à caminho do tribunal a filha passou mal e teve que levá-la ao hospital. Insisto nisso porque os seus depoimentos poderão ser contrários aos prestados durante a fase de instrução processual. O que será fundamental para a descoberta da verdade”, justificou-se mais ou menos nestes termos.

Eduardo Luacute Samuco esclareceu a sua posição alertando-o que os outros três advogados que estavam a defender os réus, em momentos diferentes e acabaram por desistir, já haviam envidado esforços para levá-la a depor, mas sem sucesso.

Segundo ele, o argumento de que a criança se encontra adoentada é antigo e, a título de exemplo, citou que já houve um momento em que a jovem informou que se encontrava hospitalizada com a mesma.

Délia Teresa Joaquim Sebastião Francisco Bento da Silva, 44 anos, foi baleada durante um assalto ocorrido em Fevereiro de 2014, na antiga avenida António Barroso.