Luanda - Uma verdadeira onda de choque continua a varrer diversos círculos políticos angolanos, depois da divulgação, em primeira mão pelo Expresso, de um relatório interno que destapa o descalabro em que a gestão da Sonangol mergulhou nos últimos tempos.

Fonte: Expresso

Muitos governantes foram apanhados em contramão perante números aterradores que ilustram hoje a falência do modelo operacional da petrolífera angolana.

Se a surpresa não poupou até o próprio Ministério dos Petróleos — o organismo governamental que tutela a Sonangol —, o relatório, ao ter provocado um clima de mal-estar generalizado ao nível da cúpula do MPLA, constituiu um rude golpe na sua reputação. Há quem, por isso, prefira ver neste bombástico documento, o verdadeiro retrato do estado de governação do país.

Em alguns meios políticos, o relatório é descrito também como sendo um revés à antiga gestão de Manuel Vicente, o verdadeiro mentor da projeção internacional da Sonangol, que hoje exerce as funções de vice-presidente da República.

“Ele teve o mérito de ter criado tração para muitos sectores da economia, assumindo um risco, discutível, que, após a sua saída, não soube ser gerido com habilidade”, defende o geólogo Filipe André.

Já o empresário do ramo petrolífero, Lago de Carvalho, antigo diretor-geral-adjunto da Sonangol, reconhece que “o problema da companhia é que, ao desviar-se do seu negócio principal, foi-se desgastando em recursos e em pessoal, viu fragilizar-se o controlo das operações petrolíferas e complicou as contas”.

Neste jogo de pingue-pongue, ninguém se esquece, no entanto, que o atual presidente da companhia, Francisco de Lemos, sempre foi, durante muitos anos, o braço direito de Manuel Vicente e responsável pelo pelouro das finanças.

Ao presidente do Conselho de Administração da Sonangol não são ainda poupadas críticas por ter desencadeado uma alegada vaga de perseguição contra alguns antigos colaboradores mais próximos de Manuel Vicente.

O seu relatório, visto pelo economista Lago de Carvalho como “a repetição do mesmo”, é também por este censurado por “não ter redefinido”, no documento, “uma orientação estratégica da Sonangol“.

Uma fonte do Ministério das Finanças lembra ainda que “foi com Francisco de Lemos que, entre 2012 e 2013, a Sonangol desperdiçou mais dinheiro em subcontratos, contratos de assistência técnica e com a contratação de consultorias”.

E o recurso a consultores portugueses, nem sempre bem vistos, está a ser mal encarado por alguns jovens quadros da Sonangol, que mantêm com aqueles uma relação de conflitualidade.

“Alguns desses consultores, não suportando a humilhação de que são vítimas, estão a preferir ir-se embora”, confidenciou ao Expresso um funcionário da empresa.

As companhias petrolíferas estrangeiras não se cansam também de lamentar “a contínua desorganização e arrogância” que caracterizam o comportamento de muitos dos funcionários da Sonangol.

“É difícil suportar a guerra entre departamentos, que se atropelam em reuniões sem fim. As competências são sufocados pela luta de grupos”, diz um consultor norueguês.

E o mais grave é que “há por lá muita gente elevada a cargos de chefia sem competência nenhuma e apenas preocupados em negociar comissões, mesmo em regime de aprendizagem”, desabafa um engenheiro geofísico da Schlumberger.

Por causa de práticas lesivas da imagem da Maersk, por parte de alguns altos responsáveis da Sonangol, a companhia dinamarquesa chegou mesmo a ameaçar retirar-se da prospeção do pré-sal angolano.

No epicentro deste episódio, esteve o desvio, para fins particulares, de cerca de 30 milhões de dólares, que eram destinados a apoiar obras de carácter social.

“Só uma intervenção ao mais alto nível do poder político, evitou o pior...”, disse uma fonte da Maersk.

A empresa queixar-se-ia ainda da má gestão, por parte da Sonangol, de uma sonda cuja mobilização e desmobilização obrigou a desembolsar, em vão, pelo respetivo aluguer, mais de 100 mil dólares por dia...

Com a crise em alta a impor a urgente revisão crítica de algumas operações e a redução de contratos, o presidente da Sonangol mandou encerrar várias representações da companhia nos Estados Unidos, Brasil e Singapura.

Restituir credibilidade à Sonangol, renegando a cultura de dependência de terceiros para a salvar de um naufrágio, é agora um dos pontos de meditação, que estão a ocupar o tempo do Presidente Eduardo dos Santos durante as férias que goza neste momento em Espanha.