Não sei se na sociologia existe alguma lei equivalente, mas, essa, bem poderia ser estendida para as áreas humanas. Os pais sabem bem como isso funciona. Eles passam, na primeira infância, oferecendo o que têm de melhor para educar os filhos, mas quando menos se assustam um deles (a ovelha negra da família) se comporta de maneira contrária aos ensinamentos que todos receberam. Entretanto, esse seria caminho natural que seguiriam os demais filhos caso não recebessem essa educação. Por outras palavras, ninguém colhe aquilo que não plantou. Muitas vezes precisamos plantar muito para só colhermos um pouco.

Nós, como país, entramos na aventura de querermos só colher aquilo que não plantamos. O país viveu uma guerra burra, porque foi entre irmãos. Desde o início poderiam ter sentado na mesa de negociações. Era sempre assim: um queria conversar e outro não queria conversar, mas tudo bem! Depois que resolveram conversar e assinaram um memorando a guerra acabou.

Com o advento da paz, não vimos (pelo menos eu não vi) políticas que tentassem reverter o quadro sombrio que se vivia, para que com tais medidas pudessem colocar o nosso país nos trilhos do desenvolvimento. Em vez de se investir no saneamento básico, saúde, geração de postos de trabalho, o que vimos foi o contrário. Vimos investimentos em obras faraônicas, aquelas que aparecem, que fazem bem ao ego do governante, entrada maciça de estrangeiros para exercerem atividades que não exigem nenhuma qualificação como ajudantes de pedreiros, limpeza de vias públicas, enquanto o angolano continua desempregado ou subempregado. Pior, é o não investimento na educação ou então se investe de maneira errada. Falar em educação, para muitos, é mesmo que falar da cruz ao diabo.

As conseqüências dessa loucura é o aumento assustador da violência, delinqüência, banditismo e prostituição. No início as autoridades negavam. Esquecem que a criminalidade é como a gravidez. No início a pessoa pode até negar, mas chega um momento em que não dá mais para negar. Todo mundo começa a perceber que alguma coisa está estranha. Com andar dos dias o óbvio se manifesta e não há necessidade de testes complementares ou de estatísticas. Pior é que há sempre alguém que insista em querer dizer que a “mulher está ligeiramente grávida”.

No nosso país os criminosos já não têm mais vergonha na cara. Aliás, já banalizaram tudo. O crime, em época de meus pais, era roubar mangas ou entrar na capoeira e levar as galinhas. Até bem pouco tempo atrás, havia o código de ética, na criminalidade. Por exemplo, não se assaltava mulher grávida nem com filhos no colo, velhos e ídolos. Um grande exemplo vem do Brasil. Pelas ruas da cidade de Salvador, Bahia, certa vez, um ladrão, que era fã de Gilberto Gil, levou o seu carro. À noite, durante o show, o cantor compartilhou o furto com os fãs. Na mesma noite, o ladrão devolveu o carro, bem no portão da mansão do cantor, e dentro havia uma carta na qual pedia sinceras desculpas.

Hoje, no entanto, o crime já perdeu o seu charme e o seu romantismo. Outro dia furtaram uma aeronave, um “airbus”, em pleno aeroporto Internacional 4 de Fevereiro em Luanda. Os ladrões entram no avião, ligaram os motores, levaram a aeronave até a cabeceira da pista, decolaram e ninguém viu nada, nem a torre de controle nem a força aérea. Isso dispensa comentários! É deprimente!

A loucura não pára por aí. O que aconteceu na semana passada é, no mínimo, tragicômico. Em pleno show, alusivo ao Festival Internacional da Paz, na presença de mais de 7 mil almas viventes, o assaltante driblou a segurança, subiu no palco, arrancou as jóias, acredito que eram de ouro, do rapper norte-americano 50 Cent. Saiu calmamente do palco e foi-se embora, na maior cara dura. Não foi detido! O show parou com a condição de continuar se as jóias fossem devolvidas. O povão preferiu ir para as casas a denunciar o assaltante. Não é possível que o assaltante fosse tão invisível assim! Isso é a perda da capacidade de reação. Ninguém mais reage (a menos que, nesse caso, todos eram míopes). Ainda na semana passada, uma menina foi seqüestrada e assassinada brutalmente.

Diante dessas notícias, a sociedade mantém a pose, com se tudo estivesse bem. As nossas mentes já estão anestesiadas. Não reagem mais, como se fôssemos dedos do pé. Quando usamos o sapato pela primeira vez ou aquele sapato para igreja, sentimos, normalmente, um desconforto aqui e acolá. Aliás, doe mesmo! Isso causa até uma coreografia típica, aquele mancar. Normalmente, o indivíduo procura jogar o peso do corpo na outra perna. A mulher deve entender isso melhor quando usa aquele salto alto, pela primeira vez. Mas, com o andar de tempo, o dedo forma um calo. Daí em diante, não acontece mais nenhum incômodo. Fica tudo bem. É assim mesmo! As pessoas não têm mais receio, medo nem sofrem mais o impacto negativo da criminalidade, que é inversamente proporcional ao bem-estar.

Uma forma de minimizarmos esses males, que já se encontram democraticamente distribuídos, é reconheceremos e admitirmos que eles existem. Depois a solução passa por uma política do Estado angolano e não de governo. Quanto maior for a demora desse reconhecimento, mais frutos amargos serão colhidos. Basta vermos que países que investem maciçamente em educação ainda possuem unidades prisionais.

* Feliciano Cangue
Fonte:
http://www.cangue.blogspot.com