Luanda - Enquanto os advogados lutam pela libertação dos jovens activistas detidos desde 20 de Junho, do outro lado, integrantes do Movimento Revolucionário (MR) queixam-se da contínua perseguição por parte dos serviços de segurança do Estado. Ao todo, 18 pessoas encontram-se detidas sob acusações de crimes políticos. Em resposta, os membros do MR preparam uma manifestação para o dia 29.

Fonte: Rede Angola

Ontem, o advogado Walter Tondela, que integra a equipa responsável pela defesa dos quinze primeiros detidos, interpôs na Procuradoria Geral da República, um processo de Habeas Corpus, para pedir a liberdade imediata dos activistas. Em declarações à Voz da América, Tondela alega que não há qualquer sinal do início do provável julgamento.

Enquanto isso, as detenções continuam. A última ocorreu ontem, na zona da Mutamba. Pedro Bunga, também conhecido como General Mc Life, foi raptado e encontra-se, neste momento, em local ainda não identificado; a informação foi passada esta manhã ao Rede Angola por um dos membros do Movimento Revolucionário, Adolfo Campos.

“Foi detido ontem. Neste momento não sei como foi, só nos avisaram que está preso. As detenções e ameaças prosseguem e isso ainda vai continuar. Querem deter toda a voz que contraria o que eles pretendem e não vamos aceitar isso”, declara Adolfo Campos.

Com a prisão de Pedro Bunga, o número de presos políticos sobe agora para 18, enumera Adolfo Campos, que inclui à lista dos activistas Mauro Faustino, detido pela Polícia Nacional desde o passado 27 de Maio, no momento em que tentava juntar-se a uma tentativa de manifestação de antigos combatentes no Largo da Independência; e Marcos Mavungo, detido pelo envolvimento na tentativa de protesto contra a alegada má governação e violação dos direitos humanos em Cabinda, agendada para 14 de Março último.

“Os detidos políticos não são 16, são 19. Há o Mauro Faustino, o Marcos Mavungo e o Kalupeteka, que continua na cela e não foi ouvido. Pedimos a liberdade de todos. Se não forem libertados, não vamos parar. Se a missão do governo é matar todos os angolanos, estamos preparados para isso. Não seremos mais humilhados. Está confirmada a manifestação para o dia 29, às 15h, no Primeiro de Maio, e não temos horário para terminar. Até ao aniversário do presidente vamos dar sequência. Não vamos aceitar que continue a gozar connosco porque isso é um abuso. Somos angolanos e todos temos direito de pensar; não pode cortar o nosso direito de pensar”, diz.

Apesar de referido pelo activista Adolfo Campos, o caso do Monte Sume apresenta contornos de origem totalmente diferentes. Kalupeteka permanece preso e incomunicável desde os acontecimentos no Sume. O advogado do líder religioso, David Mendes, acusou o Governo de transformar o Monte Sume, no Huambo, onde ocorreram os confrontos, numa área militar com acesso proibido. A versão oficial, diz que morreram nove polícias e 13 fiéis. Outras versões, nomeadamente da oposição, apontam para “várias centenas” de mortos entre os seguidores da seita, que continuam a ser perseguidos na província, alega a UNITA.

Adolfo Campos reforça que o Movimento já entregou a carta a comunicar o protesto ao Governo Provincial de Luanda – na Constituição, ponto 2 do Artigo 47º, explica-se que “as reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei”. “Hoje nos chamaram para pegarmos a resposta. Vamos analisar e ver o que podemos dizer”, aguarda. É de recordar que, desde 2011, as tentativas de manifestações do Movimento Revolucionário têm sido reprimidas pela Polícia Nacional. Atitude que Adolfo Campos espera agora ser diferente.

“Esperamos que eles façam o seu melhor, dessa vez, cumprindo a Lei. Nesse momento não é o ideal fazerem torturas, metendo as pessoas na cadeia arbitrariamente. Se forem inteligentes, que cumpram o artigo 47, deixando fazer nossas manifestações, libertem nossos irmãos. Caso isso não aconteça, estão a levar o povo para um caminho desnecessário que poderá ser mesmo a insurreição popular”, avisa.

As duas últimas detenções, antes da prisão de Pedro Bunga ontem, foram as dos militares Zenóbio Zumba, capitão das FAA, dos serviços de Inteligência e Segurança militar, e de Osvaldo Caholo, tenente da Força Aérea Angolana. O que, para o vice-presidente do Bloco Democrático, Luís Nascimento, seria uma tentativa do governo de legitimar a acusação de golpe de Estado que pesa sobre os 15 primeiros detidos.

“O que os serviços de investigação criminal pretendem agora é juntar aos jovens detidos, jovens militares, como o Osvaldo que já estava preso e agora o Zenóbio, isto porque em África quem é que consegue um golpe de estado sem exército?”, questionou.

Em declarações à rádio Voz da América, o político do BD, considerou que as acusações da Procuradoria Geral da República de que os jovens estariam a preparar um atentado contra o presidente e outros membros dos órgãos de soberania, revela o fracasso do sistema judiciário angolano.

“Esta acusação só não é risível pelo facto dos jovens estarem encarcerados quando poderiam estar a desfrutar de outras situações. O comportamento do Procurador-Geral da Republica é a todos os títulos lamentável, pois pôs a nu a fraqueza do sistema de justiça da República de Angola”.

Resposta ao presidente

Pela primeira vez, no dia 2 de Julho, o presidente reagiu às detenções em Angola. Falando na abertura da terceira sessão extraordinária do Comité Central do MPLA, José Eduardo dos Santos disse que os angolanos não devem ser expostos a situações dramáticas idênticas à de 27 de Maio de 1977, data em que milhares de militantes do MPLA foram mortos, incluindo Nito Alves, supostamente por tentar um golpe de Estado.

Para Adolfo Campos, o discurso do presidente teve um carácter intimidatório, explicando que a mensagem é a de que os membros do Movimento Revolucionáriodevem cessar as manifestações. De acordo com o activista, o discurso chegou, inclusive, a ter um tom de “ameaça”.

O também presidente do MPLA, chegou ainda a “aconselhar” os cidadãos interessados a conquistar o poder, a formarem um partido político e concorrem às eleições. “O problema do José Eduardo dos Santos é que ele tem medo que o povo se levante. Por isso que ele impede todas as manifestações. O próprio MPLA nunca respeitou a Constituição. O próprio presidente é o número um que vem a atropelar as leis todos os dias, por isso tiras as vidas, vende as terras, mete o povo na miséria. Pensa que o país é dele”, aponta Adolfo Campos.

Quotidiano de Medo

A activista Rosa Conde convive há 28 anos com os problemas sociais de Cacuaco. Indignada, decidiu unir-se às acções promovidas pelo Movimento Revolucionário. Acostumada a ser continuamente ameaçada através de telefonemas, na última ligação a situação mudou. As ameaças estenderam-se à família da jovem. Como consequência, há alguns dias teve que deixar a casa da família no município.

“Há alguns dias recebi um telefonema com ameaças, só que quando tentava retornar, recebia a mensagem de que o número não existe. Estava no julgamento do homicídio do Manuel Hilberto Ganga, quando a minha irmã me ligou a perguntar sobre a minha localização e dizendo para eu não voltar para casa porque dois senhores tinham ido lá à minha procura, ameaçando, inclusive, a mãe, que falou comigo a chorar e aconselhou-me a sair de casa, e eu saí”, conta.

Para a jovem, a acção foi apenas intimidatória para que desista do grupo. “Eles sabem onde estou. Se quisessem me prender já o teriam feito”. Rosa Conde diz que ainda assim vai continuar a participar das actividades do MR, por acreditar ser a única forma de obter mudanças.

“A situação onde eu vivo é péssima, as condições de vida, a área não é urbanizada, as pessoas morrem do nada. Não há polícia, não há hospital, não há escolas. As coisas que tenho visto é que me fazem ficar revoltada. Se o governo implementar ali uma escola, uma esquadra, as coisas básicas, acho que os índices de criminalidade iriam, inclusive, diminuir. As pessoas aparecem mortas e ninguém faz nada. A realidade de Angola é motivo suficiente para se revoltar”, aponta indignada.

Secretária de profissão, Rosa participa no Movimento Revolucionário desde 2011, e diz que desde então tem estado concentrada para que as coisas mais graves não aconteçam. “Estou com medo porque ando sozinha. De casa para o trabalho é um pouco distante, o que me mete um pouquinho amedrontada. Mas nem por isso vou parar, vou continuar até onde der. Não há armas nem ameaças que vão poder calar os meus ideais”.

“Angola não precisa só de homens fortes, mas também de mulheres fortes. Tivemos várias mulheres que lutaram pelo nosso país. Acho que podemos também dar nosso contributo para melhorar Angola. Essa de que devemos ficar em casa, na cozinha, não tem nada a ver. A mulher não é só para isso, é para muito mais”, comenta.

Adolfo Campos confirma que as perseguições tem sido estendidas a outros membros do Movimento e não só. “Muitos têm sido ameaçados. Meteram um aparato de ‘Sinfos’ que estão a trabalhar nessa situação e não apenas no Movimento Revolucionário, mas também entre os seguidores de Kalupeteka. Neste momento estamos a defender as nossas próprias vidas e a de todo cidadão angolano”, declara.

Papel em branco

Outra denúncia feita por Adolfo Campos ao Rede Angola, é que alguns dos detidos, sob ameaças, tiveram que assinar papéis totalmente em branco. O activista confirma a informação de que os jovens permanecem em celas isoladas.

“Fui visitar todas as cadeias e estranhamente as questões que me preocuparam muito foi que eles estão em celas solitárias, escuras e foram ouvidos por procuradores e advogados ligados ao Governo. Foram, inclusive, obrigados a assinarem folhas em branco sob alegação de que se não o fizessem poderiam estar mais tempo na cadeia. Estamos muito preocupados com isso”, diz Adolfo Campos.

A PGR confirma até ao momento quinze detenções: Henrique Luaty Beirão (conhecido como “Brigadeiro Mata Frakuzx”), Manuel Nito Alves, Afonso Matias “Mbanza-Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessy Chivonde, Inocêncio António de Brito, Sedrick Domingos de Carvalho, Albano Evaristo Bingo cabingo, Fernando António Tomás “Nicola”, Nélson Dibango Mendes dos Santos, Arante Kivuvu Lopes, Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias, Domingos José da Cruz e Osvaldo Caholo.