Alemanha - Segundo Jon Schubert, investigador da Universidade de Leipzig, na Alemanha, a repressão crescente pode ser uma maneira de distrair a opinião pública da crise económica e de efeitos negativos sobre a vida das pessoas.

Fonte: DW

Numa carta aberta no jornal "Le Monde Afrique", assinada por 17 académicos de várias universidades de renome internacional, entre eles o sociólogo suíço Jon Schubert, os investigadores denunciam a "deriva autoritária" do Governo angolano.

Afirmam também que é "eticamente condenável" que se continue a fazer negócios com Angola. Por isso, pedem aos Governos e investidores europeus e dos Estados Unidos que mudem de atitude e tomem consciência do que se passa em Angola.

A DW África falou com Jon Schubert, investigador da Universidade de Leipzig, na Alemanha, que viveu durante 10 anos em Luanda.

DW África: Acha que os empresários e os Governos vão, de facto, rever o seu relacionamento com Angola, como recomendam nesta carta?


Jon Schubert (JS): Não sei se vão. A experiência dos últimos anos demonstrou que há muitos países e empresas que estão dispostos a fazer negócios com Angola, não obstante os acontecimentos no país em termos de respeito pelos direitos humanos.

O que é interessante ver, neste momento, é como com a queda dos preços do petróleo em Angola, as oportunidades também para investidores estrangeiros estão a diminuir e vai ser muito interessante ver se isso vai levar a uma mudança de comportamento para com os investidores.

Por exemplo, o Governo português, neste momento, já teve que abrir uma linha de crédito para apoiar as empresas portuguesas que estão ativas em Angola - que neste momento não são pagas pelo Governo angolano – para que essas empresas possam continuar a funcionar.

DW África: Numa altura em que cresce a indignação internacional perante todas estas detenções de ativistas, bem como a condenação do jornalista e ativista angolano Rafael Marques, a pressão que está a ser feita por diversos quadrantes poderá dar frutos?

JS: Em Angola, há várias iniciativas de tentar mudar o jogo democrático, que neste momento está ainda muito constrangido pelo partido no poder, o MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola]. A nossa iniciativa, nesse sentido, é simplesmente de apoio às iniciativas angolanas – que estão a se fazer dentro do país.


DW África: Face ao aumento da repressão, o repto que lançam é que é preciso que os governos e os investidores internacionais tomem consciência dos problemas que estão a acontecer em Angola.

JS: Sim, absolutamente. A nossa carta surgiu quando estávamos reunidos em Paris, durante uma conferência de estudos africanos na Europa. Por acaso, isso coincidiu com a visita do Presidente francês, François Hollande, que se descolou a Luanda e voltou com quase mil milhões de euros em contratos – sem nem mencionar a situação dos direitos humanos, a repressão dos ativistas.

Para nós, essa atitude dos nossos governos, que sempre falam de direitos humanos e que têm uma tendência a falar sobretudo também aos países africanos com uma posição de suposta superioridade, achamos essa posição bastante vergonhosa.

DW África: O nervosismo do regime tem vindo a crescer nos últimos tempos. Aproxima-se o fim do regime de José Eduardo dos Santos, como você escreveu recentemente num artigo – no qual fala, inclusive, em "sintomas mórbidos" que indicam que o Governo de Angola pode, de fato, ter os dias contados?

JS: O regime angolano tem uma grande capacidade de sobreviver a guerras e mudanças ideológicas bastante dramáticas. Acho que seria desejável para a estabilidade em Angola se uma transição pudesse ser negociada – em vez de ser uma transição abrupta e convulsiva.


Nós, pesquisadores do estrangeiro, ouvimos dos nossos amigos e colegas que mesmo pessoas bastante próximas do regime falam de um descontentamento crescente com a maneira com a qual o Governo atual, e sobretudo o Presidente José Eduardo dos Santos, têm gerido a crise económica. as pessoas, mesmo dentro do MPLA, estão fartas da monopolização do poder económico e político pela família Dos Santos.

Fala-se, em boatos, mesmo em círculos bastante próximos do regime, de uma mudança próxima do Governo, quer dizer, do próprio Presidente. Agora, o que isso pode significar concretamente, não sabemos exatamente.

Constatamos que a repressão crescente pode ser uma maneira de distrair a opinião pública – tanto em Angola, quanto também no palco internacional – da crise económica e de efeitos muito negativos sobre a sobrevivência das pessoas em Angola.

DW África: Na carta, falam também no caso dos 15+1 jovens ativistas que foram detidos a 20 de junho por alegadamente estarem a planejar um golpe de Estado. Na sua opinião, há de fato presos políticos em Angola - ou prisioneiros de consciência, segundo o termo aplicado pela Amnistia Internacional? De recordar que o chefe da diplomacia angolana, Georges Chikoti, recentemente disse que não há presos políticos no país.

JS: O Governo angolano diz sempre: "deixem a Justiça trabalhar," independentemente das ingerências políticas. Mas, como também o caso do [jornalista e ativista angolano] Rafael Marques demonstra, a Justiça angolana ainda não é ou é pouco independente. Quer dizer, os magistrados agem com essas famosas "orientações superiores," que dão as instruções aos juízes.

Por acaso, no caso desses jovens, fala-se sempre que foram apanhados em flagrante delito, mas nunca se especificou qual é o delito nem foram apresentadas provas, ao que eu saiba.

Nesse caso, acho justificado falar-se em presos políticos, porque esses jovens são ativistas que, desde 2011, a grande perigo individual e coletivo, tentam manifestar-se contra o regime angolano. Acho que não é simplesmente uma coincidência que são esses que foram presos agora.