Lisboa - CARTA ABERTA A SUA EXCELÊNCIA O SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE ANGOLA, E ÀS AUTORIDADES POLÍTICAS E JUDICIAIS

Fonte: alice.ces.uc.pt

Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Albano Bingobingo, Arante Kivuvu, Benedito Jeremias, Domingos da Cruz, Fernando Tomás “Nicola Radical”, Hitler Jessia Chiconda “Samusuku”, Inocêncio Brito “Drux”, José Hata “Cheik Hata”, Luaty Beirão, Nelson Dibango, Nito Alves, Nuno Álvaro Dala, Osvaldo Caholo, Sedrick de Carvalho e Zenóbio Zumba são cidadãos angolanos presos em Luanda, no dia 20 de Junho de 2015, segundo a imprensa “acusados” de estarem reunidos a praticar atos preparatórios que poderiam levar à destituição do Governo legitimamente constituído e à destituição do Presidente da República. Não se conhecem factos concretos suscetíveis de fundamentarem tais indícios. Mas, sabe-se que todos eles são conhecidos ativistas, profundamente comprometidos com a luta pela defesa dos direitos humanos e cívicos que a Constituição Angolana consagra.

O mundo, nas últimas décadas, tem sido palco de muitas lutas sociais: contra a destruição ambiental, o racismo e a xenofobia, a liberdade de expressão e liberdade religiosa, pelo direito à educação, à saúde, à habitação, pela defesa dos direitos políticos, etc. São lutas, cuja visibilidade permitiu identificar mais formas de poder e de opressão e, com elas, mais mecanismos de vitimização e práticas de resistência. As ações conhecidas daqueles ativistas presos são ações que se inserem na mesma matriz de muitas outras daquelas lutas que ocorrem no mundo pela defesa dos direitos humanos, pela defesa de bens comuns e pelo aprofundamento da democracia. Os Estados de direito democráticos têm que saber integrá-las e responder-lhes satisfatoriamente.

Angola é um jovem país não há muito tempo libertado do colonialismo e ainda há menos da guerra civil, em desenvolvimento, e em processo de consolidação democrática. A evolução económica e financeira da última década fez aumentar as expetativas sociais positivas do povo angolano pela concretização do novo catálogo de direitos saídos da nova Constituição. A luta pacífica, quer através da mobilização política, quer judicial, pela concretização de direitos deve ser vista como uma luta pela democracia constitucional.

A Constituição Angolana de 2010 deu passos muito importantes no aprofundamento do Estado de direito ao alargar o quadro dos direitos sociais e políticos, bem como das liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, impondo à legislação ordinária e à prática judiciária um esforço de concretização dos novos comandos constitucionais. É preciso reconhecer que o Estado Angolano tem vindo a fazer progressos na reforma do sistema jurídico e judicial. Há, ainda, um longo caminho a percorrer, principalmente no âmbito do direito e da justiça penal e penitenciária. Mas, hoje, os sistemas jurídico e judicial já dispõem de mecanismos legais e institucionais para responder, com celeridade, a prisões que coloquem em causa princípios constitucionais. Não os ativar proactivamente não ajuda, nem a democracia, nem o sistema judiciário. Daí que o julgamento célere, nos tempos previstos na lei e concretizando as normas constitucionais, da providência de habeas corpus já acionada para aqueles ativistas presos, seria também interpretado como um sinal de afirmação e de fortalecimento do poder judicial e de consolidação da democracia.

A projeção da nação angolana como potência regional a que aspira dependerá muito dos passos seguros que forem dados em relação a indicadores de desenvolvimento humanos e do fortalecimento do Estado de direito democrático. A libertação imediata daqueles ativistas, para a qual se apela às autoridades angolanas, será certamente interpretada como um forte sinal político de que Angola quer caminhar nesse sentido.

Boaventura de Sousa Santos
Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Coimbra, 28 de Julho de 2015