Luanda - De visita a Luanda até sábado (01.08), a eurodeputada portuguesa tem sido acusada de ingerência em assuntos internos do país. Em entrevista à DW África, Ana Gomes garante que não se deixa intimidar por "ataques do MPLA".

Fonte: DW Africa

A visita da eurodeputada portuguesa Ana Gomes à capital de Angola para recolher informação sobre direitos humanos em Angola acontece numa altura em que cresce a tensão política no país.

A presença da deputada socialista no país tem sido criticada por vários membros do Governo e figuras ligadas ao partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que a acusam de interferência em assuntos internos.

Em entrevista à DW África, Ana Gomes fala sobre os encontros que tem mantido com organizações não-governamentais (ONG), ativistas dos direitos humanos, políticos da oposição - de quem diz ter ouvido "expressões de preocupação" - e membros do Governo.

A eurodepudata revela detalhes do trabalho que tem realizado em Luanda, defende os jovens detidos em Luanda desde junho são presos políticos e diz não acreditar que estes estavam a planear um golpe de Estado.

DW África: Durante esta visita em Luanda, que informação já recolheu para levar para Bruxelas e Lisboa?

Ana Gomes (AG): Ainda estou no processo de fazer muitos contactos e de recolher essas informações. Mas aquilo que já pude apurar de muitos encontros com elementos da sociedade civil e também com membros do Governo é que há um conjunto de questões muito sérias e matérias que precisam ser esclarecidas e que levantam sérias dúvidas sobre o respeito pelos direitos humanos e as liberdades elementares nesse país.

Estou a referir-me, concretamente, ao massacre do [Monte] Sumi. Temos que apurar exatamente o que é que se passou, quantas vítimas, quem é responsável. Temos também a situação dos jovens presos, também do preso Marcos Mavungo, [ativista dos direitos humanos] em Cabinda. A situação de cortação das liberdades de manifestação e de expressão. Há um conjunto de sinais muito preocupantes ao nível da manipulação dos media, das dificuldades de funcionamento das próprias ONG.

DW África: Também se encontrou com o ministro da Administração do Território de Angola, Bornito de Sousa. Um dos temas abordados foi a detenção dos 15 ativistas, detidos desde junho em Luanda e que não foram ainda acusados formalmente, e também a detenção de Marcos Mavungo em Cabinda. Que resposta recebeu do ministro?

AG: O ministro da Administração Interna disse-me que isso não era a sua área de competência – com ele falei também sobre o Monte Sumi – mas com o provedor de Justiça, Paulo Tjipilica, e com o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Mangueira, tive a oportunidade de abordar extensamente este assunto.

DW África: Notou alguma abertura da parte dos elementos do Governo?

AG: Houve abertura para discutir esses assuntos. Mas foi-me facultado um conjunto de documentação por parte do ministro que vou ler com atenção e que responderão a muitas das preocupações que eu evoquei, que são reflexo das preocupações de muita gente aqui em Luanda, incluindo muita gente do próprio partido no poder.

DW África: O "caso Kalupeteka" também foi um tema em cima da mesa. Insistiu com o ministro na realização de uma investigação independente para se saber o que realmente aconteceu no Huambo?

AG: Com certeza que abordei. O ministro disse-me que estava em curso uma investigação por parte da Procuradoria Geral da República, o provedor de Justiça também me disse que o próprio tinha pedido uma queixa, tinha ordenado uma investigação e teria um relatório que apresentaria, entretanto, à própria Assembleia Nacional. Mas eu expressei que obviamente a colaboração de entidades internacionais e das próprias ONG angolanas poderia ser útil exatamente para credibilizar o que quer que se venha a apurar.

DW África: Na quarta-feira (29.07), passou pelo local onde decorreu a manifestação pela libertação de presos políticos e que foi reprimida pela polícia. Sente que está, de facto, a aumentar a tensão política no país?

AG: Isso sente-se falando com qualquer pessoa e tem uma ligação direta com a própria crise económica. Sente-se uma grande inquietação.

DW África: Nos últimos dias, tem sido criticada por figuras ligadas ao partido no poder, o MPLA. E no editorial de quinta-feira (30.07), o "Jornal de Angola" acusa-a de interferência em assuntos internos e de "apadrinhar planos de subversão" contra o país. Como reage a estas críticas?

AG: Eu não vi o "Jornal de Angola" a atacar-me quando, em 2003, como secretária internacional do Partido Socialista (PS) propus que o PS apoiasse finalmente a entrada de Luanda na Internacional Socialista. Penso que tenho toda a legitimidade para me preocupar, como cidadã portuguesa e como eurodeputada europeia.

No quadro dos acordos que a União Europeia (UE) tem com Angola, também tenho obrigação de me interessar e de verificar se efetivamente o respeito pelas liberdades cívicas, os direitos humanos e as condições de desenvolvimento sustentável para a população angolana estão a ser respeitadas pelo Governo angolano. E não me intimido por qualquer tipo de ataques que o MPLA ou qualquer força política ou pessoas me façam.

DW África: O Governo angolano insiste que não há presos políticos no país. Concorda?

AG: Não. Os presos, os chamados "revús", são presos políticos. Marcos Mavungo, em Cabinda, é um preso político. São absolutamente ridículas as explicações que são dadas pelas autoridades. Por um lado, acusam os jovens de envolvimento numa tentativa de golpe de Estado. Por outro lado, negam que isso signifique que estes estão presos por causas políticas.

É evidente que eles estão presos por razões políticas e é evidente que eu não acredito, como ninguém na sociedade angolana acredita, que eles estejam envolvidos no planeamento de um golpe de Estado. Quem conhece os jovens sabe que eles nem sequer têm nenhuma organização, não estavam a fazer nada de mal – a não ser numa discussão política sobre como mudar pacificamente o poder e isso é inteiramente democrático.