Luanda - O efeito conjugado da queda brusca das receitas de exportação e o crescendo dos protestos sociais e políticos estão a provocar um mix de desorientação, sintomas de pânicos que se traduzem na ascensão do fundamentalismo como método do Governo, precipitando as manobras intestinas na entourage presidencial.

Fonte: AGORA

Queda brusca da receita e alta da contestação política e social

Nos últimos dois meses, a liderança do país vive acossada por dois fantasmas: o petróleo não sobe tanto quanto o expectável - e o acordo das grandes potências com o Irão pode mantê-lo ainda mais tempo na orla da metade dos máximos anteriores, entre os 50/60 e poucos dólares por barril; por outro lado, a contestação social e política cresce.

 

A busca desesperada em torno de novos créditos no mercado internacional provocou uma reacção algo inédita entre a opinião pública nacional, cuja consciência da necessidade de escrutinar os actos do Governo se aprofunda e se manifesta, fazendo despoletar debate público sobre a falta de transparência e a incompetência ou ineficácia da estratégia das autoridades, que não conseguem gerir a crise, com incidência particular nos sectores sociais e nas camadas mais pobres da população. O anúncio das obras de betão e alcatrão não é suficiente para colmatar os clamores das populações acossadas pela dificuldade em satisfazer necessidades primárias.

 

À medida que se aproxima o calendário eleitoral previsto para 2017, o Executivo está claramente sob pressão, já não só para mostrar obra, mas também para garantir a cesta básica, conter o desemprego, inverter a curva descendente no sistema de ensino, suster o despovoamento do interior para as cidades do litoral, sob eufemismo ora em voga da metropolização da pobreza e busca de oportunidade nos grandes centros.

 

O partido no poder, MPLA, e a sua liderança, sob chefia de José Eduardo dos Santos, têm preferido, ao invés do debate político alargado, da busca do consenso e do diálogo nacionais, dar guarida ao campo do fundamentalismo, que, em política, se remete à propaganda, em economia a uma estratégia equivocada de endividamento imprudente e opções não sustentáveis. No domínio do espaço público faz lembrar um remake dos tristes filmes da nossa existência nos anos de chumbo da segunda metade das décadas de 70 e depois na década de 80, de má memória.

 

Praticamente, um mês depois da prisão dos jovens activistas, sem qualquer justificação plausível sob ridícula acusação de tentativa de golpe de Estado, o rocambolesco e autoritário episódio da detenção ainda que temporária dos activistas, incluindo um jornalista, que foram visitar os presos em Calomboloca e a retenção dos seus meios de comunicação e trabalho, foi apenas mais uma, infelizmente mais uma das sistemáticas violações de direitos humanos e atentados à liberdade, ora recorrentes. As investigações (sic) a activistas, as perseguições e intimidações mais ou menos surdas ou mudas, vieram juntar-se à morte de pelo menos duas pessoas em Quibaxe, numa situação em que as autoridades policiais e não só indiciam estar a recorrer agora de modo frequente à prática do uso arbitrária, desproporcional e intolerável de armas de fogo.

 

Pode parecer ainda mais ridículo, mas temos, entre nós, neste século XXI, pessoas que sonham em controlar a Internet e as redes sociais. Por acaso, são as mesmas que defendem o multipartidarismo do unanimismo, sem democracia. Por acaso, também são os mesmos que chamam economia social de mercado ao sistema em que a pobreza é persistente, as elites predadoras prosperam, o país importa quase tudo e os recursos são delapidados.

 

Pelo andar da carruagem, somos forçados a concluir que o dito Estado Democrático de Direito está absolutamente suplantado e esmagado pelo Estado de força sem direito e contra o direito. Voltamos aos tempos obscuros em que qualquer indivíduo fardado e armado pode usar uma arma de fogo sem vacilar contra um pacato cidadão, já descontando os activistas e manifestantes colocados, eles próprios, em situação de fora-da-lei. Quando os corifeus do reino tentam amedrontar a opinião pública com a manipulação de tentativa de golpe de Estado e eventuais atentados à segurança nacional, começam a desenhar-se os tradicio-nais sintomas de disputas intestinas nos círculos castrenses próximos da entourage presidencial, que alguns desejariam antecipar com passagens à reforma de outros generais, em vésperas do mês de Agosto.

 

Mas, nestes círculos, por agora, não existirão grandes mudanças por razões de força maior, continuando os chefes militares antigos e novos a gozar de todas as regalias vigentes no sistema. Até porque foi o Presidente da República e líder do MPLA, partido do Governo, que disse, claramente, não ser oportuno afastar-se antes de 2017.

 

Por consequência, o núcleo duro vai manter-se. Tudo indicia que os períodos antecedentes ao próximo congresso dos camaradas conhecerão - para gáudio de uns e tristeza de outros - alguns momentos definidores do futuro imperfeito que o partido vai conjugar, por via da escolha do próximo candidato a escolher, lembrem- se disso, pelo Comité Central. Habituado a cerrar hostes e esquecer temporariamente discórdias quando acossado pelos adversários, o partido dos camaradas, toda a sequência dos factos o sugere, deverá protagonizar uma atitude conservadora, com uma tímida fuga em frente de mudanças cosméticas na direcção política, mas, sobretudo, no Executivo.

 

Num momento em que a liderança do Governo enfrenta crescentes pressões na opinião pública internacional, paralelas ao brandir simultâneo do protesto parlamentar (a não-participação dos deputados na oposição no último debate foi disso um claro exemplo, em que a bancada do MPLA perdeu pontos por via do receio crónico de exposição pública dos debates da Assembleia Nacional) e extraparlamentar pode ser que lá mais para frente sejam sacrificadas algumas cabeças no Executivo e menos no partido.

 

Para já, a sedução de domesticação da oposição e do activismo cívico pela força, associado ao pânico passageiro, sobrepõe- se às vozes mais serenas, sob olhar autista do candidato natural à sucessão presidencial: o Presidente José Eduardo dos Santos. Até lá, aqueles que preconizaram há alguns anos a suspensão da (muito frágil - nota do autor) democracia vão bater palmas.