Luanda - Se a acção policial tem sido sistematicamente bárbara, o papel dos órgãos de estado e até de personalidades que lhes vêm sendo atribuída a função de teorizar a actual situação é deveras preocupante. A justificação dá combustível a Policia e aos sectores políticos fundamentalistas, suportados por lupens acreditados, para prosseguirem na senda da violência, como se observou, mais uma vez em Luanda, no passado 29.

 

Fonte: Club-k.net

A Manifestação é incontestavelmente um direito constitucional, resultado da abertura democrática, internacionalmente negociada em 1991, contra a vontade do poder instituído. Não compete nem aos poderes políticos, muito menos às forças policiais "julgarem" politicamente as motivações duma manifestação, apenas é seu dever, criarem as condições para que a mesma se faça obedecendo à lei. Pressupôr que uma manifestação, por não ser de apoio ao Governo vai necessariamente descambar em violência, é mover um processo de intenção criminal , cujo prepósito é a clara restrição de liberdades fundamentais.

 

O zelo teórico da justificativa da deriva autoritária é tão grosseiro que vai ao ponto de considerar que "não há presos políticos em Angola", nem presos de consciência. Por consequência, até é um absurdo alegar‐se tal estatuto para se manifestar contra a prisão dos 16 jovens, detidos pelas autoridades, num processo atribulado em que as regras legais foram completamente atropeladas (sem mandado de captura, audição previa de alguns elementos pelos Serviços Secretos, restrição de acesso a advogados, não comunicação por longo período de tempo a localização dos presos, detenção de material de comunicação, livros, pen‐drives, revistas, computadores, telemóveis até de membros da família de idade inferior a 18 anos). Numa circunstância em que, no caso de Mavungo, por exemplo, o Procurador realçou praticamente que "não há crime, mas a situação politica impõe a sua prisão"; quando os interrogatórios judiciais inserem com exactidão perguntas de caráter politico, incluindo as preferências políticas dos arguidos, vêm agora algumas patentes sentenciar que não há presos políticos em Angola, um país cuja televisão.

 

oficial expõe um telefonema de um al "Vento" a dizer que iria "tomar medidas contra todos aqueles que estivessem contra a politica governamental". A argumentação vai ao ponto de consentir que os "revús" não são partido político e assim não são presos políticos, quando entretanto, numa trapalhada de posições se diz oficialmente também que são os partidos políticos que estão por detrás das manifestações. Salazar ficaria com inveja desse rasgo corporativista dos actuais políticos que pretendem que ": a política é propriedade absoluta dos partidos políticos.

 

O cerne de toda esta questão é o cerceamento das liberdades individuais e colectivas que do ponto de vista legislativo vêm sendo restringidas desde 1994 e que ainda este ano se sentiu com a limitação da acção e o controlo das ONGs e com a provação da Lei Geral do Trabalho. Este cerceamento é indispensável para impedir o desenvolvimento de toda a critica á acção governativa (nem que seja a crítica poética póstuma, como ocorreu com a não atribuição a Viriato da Cruz do Prémio de Cultura Nacional) e, portanto, temos todos que estar de acordo com a politica de expropriação de terras, com a politica de corrupção, com a politica de desprezo à ecologia, com a redução do espaço público, com os concursos públicos aldrabados, com empregos só com cartão de membro, com o desperdícios, com os dinheiros que estão no banco mas não servem para transferência, nem para aquisição de bens, enfim, com a pobreza e a miséria cultural pois quem está no poder está, tem toda a legitimidade de sufocar as nossas vidas e aspirações, porque na matemática eleitoral o seu partido saiu vencedor e os outros devem submeter‐se a este satatus quo e esperar que em futuras eleições o seu partido venha então assumir o poder. Isto é que é democracia para eles. Mísero ponto de vista!

Luta de povo contra o povo ‐ regras de convivência democrática em causa

Não havendo argumentos de razão sustentáveis, o partido no poder socorre‐se a todo o tipo e pressão. A última cartada jogada a 29, à moda de Kamgamba e dos rufias do Comité Provincial do Mpla, foi jogar uma contra‐manifestação, método utilizado amiúde em outras circunstancias, dado o carácter reativo desse partido, que animaliza os seus membros e simpatizantes, em confrontos físicos com todos os seus oponentes. Essa atitude é profundamente antidemocrática e mostra basicamente duas coisas: O Mpla não se importa de lançar povo contra o povo e, por outro, procede de forma a anular exactamente uma função fundamental do estado, instituição que existe para regular os interesses divergentes na sociedade, que é composta de indivíduos e grupos com perspectivas diferentes. Não há pois sentido de estado e isto é uma profunda manifestação de que não há sequer espirito de compromisso com a reconciliação nacional, prova de que os valores e espírito democráticos não entraram nas hostes do partido da situação. Em democracia, um grupo pode fazer manifestações contrárias, mas não ocupar o mesmo espaço. Pior ainda é a atitude da Policia, partidária até à raiz, que nem sequer finje actuar contra os outros manifestantes, começando logo por vir afirmar que não havia manifestação autorizada!!!!! afinal as manifestações carecem de autorização???? A Policia "não lê" nem a Constituição, nem os decisões do Tribunal sobre esta matéria?

 

Participei numa manifestação este ano na Africa do Sul frente a um Hotel onde se reuniam os empresários mundiais do Setor Minério. O nosso grupo do INDABA (Diálogo, em Zulu) tem uma posição segundo a qual "os recursos naturais devem beneficiar as populações locais". Não tem sido esta a posição dos investidores e, na prática, do ANC, partido governante, em que um dos seus proeminentes membros (empresário) protagonizou o massacre dos minérios em Marikana. Então os comités do ANC mobilizaram para o mesmo local os seus adeptos, devidamente fardados (tal como aqui) e tentarem cruzar a nossa marcha e ocupar exactamente o mesmo local que tínhamos comunicado as autoridades. A Policia Sul Africana intercedeu, obrigando, de maneira civilista, os apoiantes do ANC a se deslocarem para um outro local afastado, onde puderam protestar contra nós e não houve incidente nenhum. O ANC pretendia o confronto, nós não respondemos a provocação e a Policia assumiu com notoriedade o seu papel. É este o papel correcto da Polícia.

 

O que aconteceu aqui? A Policia tomou partido do Mpla, permitindo a privatização do 1o de Maio por esse partido, e sob comando de Jesuíno Silva, segundo secretário, e do mobilizador Kamgamba da familia real, esbofetearam todos aqueles suspeitos de não pertencerem ao grupo da sua Jota, lançaram os cães, porretearam sobretudo na cabeça os activistas, perseguiram‐nos duramente, havendo um grupo, que foi pelo Bairro Alvalade abaixo, igualmente perseguido pelos seguranças das embaixadas e dos diplomatas. Agrediram activistas, prenderam‐nos e a jornalistas, enfim, uma repressão sem quartel, num acto de autêntica subversão da ordem democrática instituída.

 

O MPLA tem que assumir as suas responsabilidades. Ao partidarizar a Policia, transforma‐a num ente sem identidade estatal e obriga‐a a cometer as asneiras mais elementares. O Comité Provincial do Mpla, seriamente envolvido no processo Cassule‐Camolinde, tem no seu seio os estrategas da violência que não escapa à sua figura máxima ‐ Bento Bento. Prometeu a dado passo, apos o 7 de Março de 2011, que os movimentos oposicionistas não entrariam nunca no 1o de Maio (mal sabe ele porque razão foi dado àquele Largo o nome de 1o de Maio e quem foram os percursores disto, mais, e de que espírito estavam imbuídos os seus autores). E a Policia, sua grande aliada, é zelosa no cumprimento dessa directiva. No seu Comité Provincial afirma que "vamos defender em bloco e vamos atacar com bloco" numa metáfora visando o Bloco Democrático mas evidenciando o carácter de violência da resposta à oposição. E imagino o contentamento de parte dos membros do Comité Provincial quando souberam que o Secretário da Juventude do Bloco Democrático por um triz não deixou a vida na estátua de Neto. Foi barbaramente seviciado por policias e outros agentes da desordem.

O que está por detrás disso?

Os teóricos do sistema querem reduzir a dita "insurreição" a um acto criminoso tipificado na Lei. Argúcia de pouco fôlego. É sabido que os "revús" têm uma reivindicação politica de base: "JES deve sair". É sabido que não lhes tem sido permitido organizar manifestações, para defesa das liberdades, contra a agressão das zungueiras, contra a corrupção, etc coarctando‐os do usufruto de um direito constitucional. É sabido que a bófia política anda atrás deles, ali, por onde andam, os policias têm as suas fotos, são perseguidos por ca‐enches que assumiram publicamente a defesa do actual governo. Finalmente, já não podem fazer reflexão sobre um livro e, em plena reunião, como se o Governo matasse dois direitos de uma só vez são presos. Tudo isto não dá respaldo a relação politica entre governo e os revús. Dizem, não são de partidos políticos, são insurrectos até têm um amigo que é capitão das FAA e outros dos serviços de inteligência. Acho que os governantes têm razão. Na realidade, regimes fascistoides acabam com a politica. De facto, vivemos uma situação de apagamento político e os oponentes, insurrectos porque insistem em fazer política, seus actos são pura e simplesmente criminalizados. Lógico, faz todo o sentido!

 

Mas por que razão o partido da situação mata mosquitos com monacachitos? são de todo meros franco‐atiradores contra si próprios? Não! Mera lógica de poder.

Num momento de quebra das finanças públicas, num país onde a palavra gestão nunca existiu, senão em postulados retóricos copiados do exterior, aproveitando a última versão de jargons técnicos importados por consultores para espantar a populaça, a escassez de dinheiro não só agudiza a crise dos sectores populares que sempre estiveram em crise, como traz novos dificuldades a novos extractos sociais, geralmente, folgados financeiramente. Nesse contexto, não é fácil manter as lealdades. Se no passado, perante o facto de nos encontrarmos numa acumulação primitiva de capital, a violência é inerente ao sistema, porque não é fácil roubar sem indignação popular, sobretudo se não há respostas aos problemas, esta situação conjuntural que pode arrastar‐se cria novas preocupações para o regime e os Revús são peritos em redes sociais, pondo a nú factos que deixam uma fotografia real da má governação. Para o Governo qualquer foco de observação, visando o seu descrédito deve ser seriamente punido.

 

Ora, já ultrapassamos meio tempo eleitoral sem que haja perspectiva de cumprimento das promessas. Os "Revús", entre outras ocupações, fizeram uma experiência, bem sucedida, de controlo eleitoral em 2012, em que deixou claro sérias lacunas na organização eleitoral e na contagem de votos. É preciso eliminar este foco de "verdade eleitoral" pela raíz.

 

 Há também sectores oposicionistas atentos às manobras e capazes de analisar o fundo dos problemas. Estes, devem ser eliminados quanto antes, com tempo para que o assunto seja esquecido na data eleitoral. Por isto, a manobra ridícula do Governo de Salvação Nacional, que o Presidente anunciou que estaria por detrás dos "insurrectos", dando um passo explicativo afrente do Procurador. Na verdade, querem chegar as nossas casas com mandados e notificações, sob cobertura, do Golpe para virem buscar as provas que julgam termos da má governação e criar uma atmosfera de diabolização que permita a eliminação física. Chega, até, informação que havia expectativa que o Presidente do BD estivesse no malogrado encontro do dia 20 de Junho, onde provavelmente seria capturado e apresentado como cabecilha do novo Governo golpista.

 

Mas é preciso acrescentar os avisos dentro do próprio partido no poder, onde é natural que nestas circunstancias se acentuem divergências na procura de caminhos para superar as crises. Todo o mundo sabe que golpes, vêm de dentro. Por isto, é que se passou a adoptar o termo insurreição, rebelião.

Os perigos da dinâmica governamental pro‐autoritária

O perigo da actual situação política é claro: a fascistização do país. Como disse, no plano legislativo desde 1994 até a esta parte, em 2010, em particular, a Constituição atípica retirou poder a Assembleia Nacional que não fiscaliza os actos do Executivo, a totalitária partidarização do estado e das instituições vem aumentando, a politica de repressão (como forma de solução de problemas) está estruturada e dimensionada prevendo já o descontentamento provocado pela má governação; os processos kafkianos e métodos pidescos contra tudo que mexa sem alinhamento entrou escandalosamente no jogo político, o combate sistemático aos pobres, tudo isto traduz‐se numa atmosfera em que já é possível afirmar que a transição para a democracia caminha em sentido inverso, negando‐ se obviamente. Caberá as forças do progresso terem suficiente discernimento para contrariar esta tendência e repôr a transição nos seus carris. Acreditem que isto, não vai ser fácil, mas é decisivo para a sobrevivência do país como Nação com filhos felizes.

 

Filomeno Vieira Lopes

(Membro da Comissão Política do BD)

Luanda, aos 30 de Julho de 2015