Lisboa - No átrio do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, na Cidade Alta, ministro e eu somos rodeados por jornalistas. "Porque diz não haver respeito pela liberdade de imprensa?". "Porque até eu já fui ontem alvo de manipulação do que vos digo, nos órgãos públicos. E hoje deve ser o mesmo com esta conversa". Acenam cabeças, sorrindo. Já ouvira relatos de brutais intimidações a jornalistas que não logram o prestígio internacional que, apesar de tudo, protege o corajoso e recém-condenado Rafael Marques. Como o assalto à casa e roubo do computador de Mário Paiva, do semanário Agora, horas depois de me ter entrevistado...

Fonte: Visao

Antes, na audiência com o ministro Rui Mangueira (companheiro de lides diplomáticas por Genebra e Londres) e seu estado maior, pude suscitar preocupações sobre a manifestação reprimida na véspera e a antidemocrática contramanifestação do MPLA, sobre os presos políticos "revús" (como chamam aos 15+1 jovens) e Marcos Mavungo em Cabinda, sobre o massacre no Huambo de homens, mulheres e crianças da seita de Kalupeteca.

O detalhe não dá consistência às explicações ministeriais: a tese dos "revús" não serem presos políticos apesar de acusados de "golpe de Estado" e de "atos preparatórios de subversão"... não lembra ao careca. E não justifica a desumanidade de os manter presos em isolamento há 40 dias, com acesso das famílias dificultado.

Mas o detalhe pode ser revelador: o governo queixa-se de especulação na imprensa privada e redes sociais sobre a recente visita presidencial à China, de facto alimentada pela conspícua falta de prestação de contas! Revelador também que Presidente e seu círculo familiar venham sempre à baila (não trazidos por mim) ao falar-se de radicalização dos jovens e de corrupção no Estado.Evoquei tempos de juventude, na luta contra o regime colonial-fascista, em que muitos também éramos acusados de "subversivos" e os independentistas angolanos de "terroristas". Percebi que chocava: é o meu termo de comparação e devia ser o dos ministros do MPLA, em vez do despudor em fazerem a apologia da "apropriação primitiva de capital" pela elite no poder!

Quando vim de Luanda em setembro de 2003 e propus ao PS apoiar a entrada do MPLA na Internacional Socialista (novembro 2003), não ouvi as vozes toscas que me acusam agora de "ingerência", de "instigar a violência". E que agitam o papão do "regresso à guerra" para deslegitimar a oposição e qualquer crítica. Mas são os comportamentos ostentatórios, corruptos e repressores de quem devia dar o exemplo, no MPLA e no Estado, que atiçam o desafio e estilhaçam o progresso que a paz permitiu.

Os "revús" ganharam peso no imaginário angolano, encarnam o sentimento dos mais atingidos pela crise. Segundo o Relatório Económico Angola 2014, do CEIC da Universidade Católica de Luanda, as receitas do petróleo, entre 2003 e 2013, ascenderam a 467 mil milhões de dólares. E o investimento público (93 mil milhões de dólares entre 2002 e 2014) não produziu "os efeitos económicos que verbas desta ordem de grandeza deviam induzir", já que a opção essencial "foi no sentido da criação de uma elite económico-financeira muito rica". País e população "não têm condições para absorver os efeitos do atual choque externo", mais desigualdade e empobrecimento esperam as famílias de rendimento médio e os pobres.

A prodigiosa baía de Luanda está a emagrecer com absurdos aterros numa margem e noutra, para engordar quem constrói água adentro. A bolha cresce: florescem torres nas encostas, à noite apagadas, vazias.

A nova Assembleia Nacional, faraónica, vazia continua: a manutenção custa milhões. Cuba ameaça retirar médicos por falta de pagamento. Empresários queixam-se de não ser pagos e nada conseguir transferir, por penúria de divisas nos bancos. Mas na rua há e rendem o dobro. A cleptocracia segue desbragada. Cada vez mais enredando também a "lavandaria Portugal".

"Precisamos de emigrantes com competências para produzir, não de investidores com um milhão adiantado pela banca para a clique torrar biliões", diz-me velho amigo que acredita na regeneração que virá do MPLA.Falei com todos os quadrantes, incluindo os líderes dos partidos da oposição e a Igreja. Impressionou-me que tantos angolanos já não calem, nem se deixem intimidar. Como os ativistas da AJPD - Associação Justiça, Paz e Democracia - que me convidaram e ficaram à espera ...da "fatura".

A situação parece sob controlo mas pode destrambelhar. A lei da vida torna a sucessão presidencial incontornável. Teme-se turbulência vendo as saídas bloqueadas.Angola tem tudo para dar certo. Se está a "desconseguir" não é por golpe de Estado dos "revús", mas por golpe do baú de quem manda no MPLA.