Joannesburgo - Um dos mais célebres opositores ao poder em Angola, Rafael Marques, acusa as autoridades do seu país de utilizar métodos de repressão que “fazem lembrar os do apartheid”, refere numa entrevista dada à AFP, em Joanesburgo, África do Sul.

Fonte: AFP/Publico

"Alguns métodos do regime angolano fazem lembrar aqueles que foram usados contra a maioria da população aqui na África do Sul, durante o apartheid. Também fazem lembrar as velhas tácticas do regime colonial e fascista português contra os povos colonizados”, denunciou o jornalista.

 

Rafael Marques, 43 anos, jornalista e militante dos direitos humanos em Angola, foi condenado este ano a seis meses de pena suspensa por “denúncia caluniosa” de sete generais do exército, no livro Diamantes de Sangue, editado pela Tinta-da-China. Nesse, acusa o regime de dar cobertura à violência em explorações diamantíferas.

 

Numa carta aberta publicada antes do veredicto, 50 organizações, entre as quais a Human Rights Watch, Amnistia Internacional e Repórteres sem Fronteiras, afirmavam que o julgamento de Rafael Marques reflectia “uma degradação da liberdade de expressão” no país. As organizações de defesa dos direitos humanos e de jornalistas são regularmente visadas pelo regime do Presidente José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979, quatro anos depois da independência do país.

 

Nos últimos anos, movimentos juvenis têm realizado manifestações a pedir a demissão do Presidente e a melhoria de condições de vida. Em meados de Junho, 15 militantes da oposição foram detidos, acusados de querer derrubar o chefe de Estado.

 

Rafael Marques denunciou a repressão policial de uma manifestação a exigir a libertação desses detidos na semana passada, onde 50 pessoas, “principalmente as mães e pessoas mais próximas dos presos políticos” foram “agredidos pela polícia”, que chegou a “lançar os cães” sobre eles.

 

Rafael Marques, que esteve presente na manifestação, foi “brevemente interpelado” e viu a sua máquina fotográfica confiscada pela polícia. “Eis o novo feito do Governo nos seus esforços para reprimir a liberdade de expressão no país. A elite dirigente detesta o seu próprio povo”, prosseguiu.

Repressão política

Angola baseia-se essencialmente no petróleo para desenvolver a sua economia e multiplicou o PIB por 10 na última década. O país tem agora de enfrentar a queda do preço, a dois anos das próximas eleições legislativas. “Em 2017, se os preços do petróleo continuarem baixos, o regime vai fazer frente ao maior défice da sua história, enquanto o descontentamento vai crescer e a população vai voltar-se contra o Governo que reprime cada vez mais para se agarrar ao poder”, prevê Rafael Marques.

 

“O Governo tenta mascarar a crise económica ao acentuar a repressão, pois esta política da cenoura e da vara resultou durante anos em Angola. Mas agora o Governo tem apenas a vara, logo há um aumento da violência política”, prossegue o opositor antes de acrescentar que o país “está numa encruzilhada”.

 

As grandes receitas obtidas com a venda de petróleo não beneficiaram mais que uma pequena elite política, que enriqueceu consideravelmente.

 

Uma missão do Fundo Monetário Internacional fez esta semana uma visita de trabalho a Angola para avaliar as capacidades do país em termos orçamentais para gerir os feitos da queda do preço do petróleo, uma matéria-prima cuja venda representa quase metade do produto interno produto angolano. Liderada pelo chefe de divisão para África do FMI, a missão vai também recolher dados para propor políticas que permitam uma transformação estrutural da economia de Angola, de forma a deixar de depender tão fortemente do petróleo – do qual o país é o segundo maior exportador em África.

 

Apesar do grande crescimento, a maioria dos angolanos vive ainda com menos de dois dólares por dia e Angola é o país do mundo com a maior taxa de mortalidade infantil, 161 óbitos por cada 1000 nascimentos.

 

Adalberto da Costa Júnior, deputado do maior partido da oposição, a UNITA, disse esta semana que o país está a atravessar uma crise económica sem precedentes, que impede o Estado de cumprir os seus compromissos. O próprio Parlamento está sem dinheiro, revelou.

 

Não há dinheiro para trabalhar, para as missões parlamentares, não há dinheiro para as viagens parlamentares, nem para pagar o pequeno-almoço”, disse, citado pela rádio Voz da América em português, acrescentando que os parlamentares têm de, individualmente, “custear despesas dos carros protocolares e outras, porque não há dinheiro no Parlamento”.