Luanda - Candidato a presidente da UNITA, o general Abílio Kamalata Numa apresenta alguns trunfos da sua candidatura. Não poupa críticas ao MPLA e lembra o espírito de sacrifício de Savimbi, que «aceitou a morte».

Fonte: Sol
Costuma diferenciar os generais formados nas FALA dos generais das FAPLA. Quer clarificar?
O general formado na UNITA é formado não só para levar a cabo a guerra, mas também para gerir a revolução, chegando a exercer a função política, económica, de condução das tropas, de condução do povo, etc. Por isso, quando dizem que nós somos mais militares, não é verdade. Nós não somos militares de carreira, embora exerçamos essa função com muito gosto. É só ver o Nunda (chefe do Estado-Maior da FAA) da forma como tem feito o seu trabalho. E os generais das FAPLA são mesmo de carreira, dedicaram a vida a conduzir forças armadas.

Como analisa a detenção recente de jovens por tentativa de golpe?
As evidências que até aqui nos foram apresentadas anulam exactamente essa pretensão. São jovens estudantes, miúdos que de golpe de Estado mal percebem. E pergunto-me: mas o Estado angolano tem estruturas ou não? Aqueles jovens coitados, que moram no Sambizanga ou Cazenga, mal se estruturaram, conseguem vasculhar uma estrutura do Futungo, das FAA, do Chefe de Estado, do Ministério da Defesa ou do Interior? Onde é que foram buscar essa capacidade? Não acredito nisso. Essas crianças estão a ser bodes expiatórios, e mais nada. Nós estamos num grande perigo, o MPLA deixou de ser um partido político e passou a ser uma organização transnacional, que torna o país e os cidadãos impotentes e sem capacidade de resposta.

Quer clarificar?
É como se tivéssemos que comparar o MPLA a empresas, que vendem e compram influência em toda a parte, movimentam pessoas e impõem os seus interesses.

E que UNITA temos hoje?
Eu acho que o próximo Congresso terá que definir exactamente o que é a UNITA, para o cidadão não voltar a perguntar. Posso dizer que, primeiro, a UNITA é um partido panafricanista, que quer construir um estado democrático e de direito com a ênfase em proteger os mais desprotegidos. E por isso tem tendência de esquerda.

Quais as grandes causas que o levam a concorrer à liderança?
Quero unir-me a todas as forças patrióticas dispostas a mudar o rumo que Angola tomou. É inaceitável o rumo que Angola tomou, a corrupção endémica e o ensino podre que estão a dar aos nossos filhos. Só estamos a plagiar o Ocidente e a Europa está velha, já não pode ensinar mais.

Acha que tem havido transparência nos congressos da UNITA?
O que posso dizer é que este congresso vai ser diferente de todos outros. Vamos fazer um esforço de retirar a cláusula que diz que o presidente do partido é o cabeça de lista às eleições gerais no país, para permitirmos que a UNITA esteja aberta a que quem concorrer à Presidência da República não esteja no partido. Gostaríamos que o presidente Samakuva aceitasse esta função. Eu não posso concorrer a presidente da UNITA sendo presidente da UNITA, não aceito isso.

O presidente Samakuva já chegou a afirmar que não voltaria a ser candidato. Esta piada é para ele?
Não. Estou a falar de determinados analistas que dizem que o Numa está a fazer bluff, não é bluff, é palavra de honra.

Defende a limitação de mandatos, ao contrário dos estatutos da UNITA, que não limitam.
É um debate que nós temos. Acho que este congresso vai fazer isso. Porque um partido que não tem limitação de mandatos não tem alternância, não é democrático.

Há pessoas que lhe colam uma imagem bélica. Como reage?
Quem é que nos levou para a guerra? Foram eles. E depois eu rio muito deste aspecto de belicismo. Eu dizer que o PR é o responsável pela corrupção e dono disso tudo é ser belicista? Não, é só dizer a verdade. É coragem. Porque nós estamos a ter coragem inclusive de dar as nossas próprias vidas. Nós estamos desarmados.

Há pessoas que têm receio de ter um líder partidário general?
É por isso que eu lhe disse que é preciso ter em atenção que o general da UNITA é diferente do general das FAPLA. E o presidente Samakuva também é brigadeiro, foi logístico durante muitos anos na UNITA, era ele que mandava o material de guerra para as frentes, estava a cumprir ordens. Como é que o presidente Samakuva é visto como civil e eu é que sou visto como militarista? Eu não tenho nenhum exército. Se quiserem saber do exército vão lá ter com o Nunda (risos).

Eduardo dos Santos sugeriu uma reflexão à volta da sucessão. Como deveria acontecer a transição?
O Presidente Eduardo dos Santos tem de ser aberto, eu não defendo a caça às bruxas, porque queremos que o país se viabilize. Porque se andarmos aqui a perseguir as pessoas, são perseguições que nunca vão acabar. Nós temos as pessoas do 27 de Maio que têm agora netos e outros devem ter bisnetos. Muitos deles, se começarem a pensar nas vinganças, nunca vai acabar. Durante a guerra o MPLA e a UNITA mataram e morreu muita gente. Se não nos ultrapassarmos em relação a essas pequenas vinganças, não estaremos a ser um grande país.

Disse que não concordava com o que os chineses estão a fazer cá. Como está a encarar a aliança entre Angola e China?
Olha, se houve aliado da China, foi a UNITA. Nós andámos com a China até 1974 e 75, quando tivemos que resistir à invasão russa e cubana. Os primeiros quadros da UNITA foram formados na China. A China foi importante. Está a fazer uma revolução silenciosa, vai devagar. Para os povos que abrem a sua soberania e escancaram as suas portas à soberania dos chineses, eles implantam-se devagar, e depois vocês me dirão daqui a 100 anos o que é que é isso. A China é uma potência demográfica.

Essa expansão chinesa como é que deve ser regulada?
A primeira coisa é que não deveria vir para Angola todo o tipo de chinês. Ouvi há dias o Conselho de Ministros fazer um pronunciamento sobre as cartas de condução dos chineses e é uma medida eleitoralista para 2017, não é porque alguém teve confiança no que estava a fazer.

Mas pelo menos fez-se alguma coisa...
Deveriam ter feito isso há muito mais tempo. Agora que estamos a ir para as eleições é que fazem isso? Agora, temos de perceber que não pode vir todo o tipo de chineses. Queremos chineses que acrescentem e não os fubeiros, esses não queremos, os que vêm vender aqui o rebuçado, o açúcar, os que vêm cavar com a picareta, como motoristas ou pintores. Queremos um chinês que seja engenheiro, médico, ou coisa parecida, que acrescente, que nos ensine o que não sabemos, o que vem para tirar-nos o trabalho não queremos. Isto tem que estar regulado pelo Estado angolano, e já vamos muito atrasados.

Encontra outros países que poderiam ser bons para cooperação?
Eu olho para o Ocidente e sinto pena, porque já não pode dar-nos lições. Os sistemas democráticos faliram completamente, agora é o capital que está a mandar. Se forem ver, em Portugal, quando forem a votos, se chegarem a 50% dos cidadãos eleitores é muita sorte, os outros não vão a votos porque não acreditam.

E como vê a comunicação social?
Em 2002, tivemos um boom na comunicação social escrita, depois começaram a surgir rádios. Mas a partir de 2009 vimos que o capital introduziu-se e os jornais começaram a ser comprados e a censura ficou mais persistente. Tudo isso amarrou a comunicação social e hoje, com toda a sinceridade, Moçambique ganha-nos. Eu às vezes vejo aquela juventude alegre na televisão. Até colocam gafes do PR, estão abertos. Ainda precisam de andar mais um bocado, mas Moçambique está muito melhor do que Angola.