Luanda - Apesar das promessas de pagar a dívida a Cuba, o dinheiro tem demorado a chegar aos bolsos dos mais de quatro mil cubanos que trabalham em Angola. Uns já abandonaram o país. Outros não querem regressar de férias, por entenderem que a situação “é insustentável”. O Governo criou uma linha de crédito para saldar a dívida e o Ministério das Finanças garante que já pagou mais de 150 milhões de dólares

Fonte: NG

Governo angolano deve cerca de 300 milhões de dólares 
A dívida de mais de 300 milhões de dólares que o Estado ainda tem com Cuba está a levar ao desespero muitos dos quatro mil cubanos que se encontram em Angola a trabalhar, sobretudo nas universidades e hospitais. Por considerarem a situação “insustentável”, há cubanos a abandonar Angola e outros, que foram de férias, não têm intenções de regressar.

O problema da dívida tem provocado intensas conversas diplomáticas entre Havana e Luanda que se arrastam desde Março. Este mês, José Eduardo dos Santos assinou um despacho que cria uma linha de crédito de cerca de 60 milhões de dólares (mais de seis mil milhões e meio de kwanzas), destinada ao pagamento da dívida.

O despacho, datado de 17 de Agosto, justifica que o valor da verba vai servir para o “pagamento de despesas relacionadas com com os contratos assinados com a Antex”, a empresa estatal cubana que assegura o recrutamento e pagamento aos médicos, professores e engenheiros. Só que a verba disponibilizada é apenas parte do total da dívida e o dinheiro demora a chegar.

O Ministério das Finanças (Minfin) garantiu que parte dessa dívida já foi paga: “o Governo angolano tem vindo a honrar os seus compromissos financeiros com fornecedores nacionais e estrangeiros e, no caso cubano, o Minfin efectuou já algumas operações de pagamentos do seu serviço de divida à Antex. Neste sentido, foram pagos cerca do equivalente a 80 milhões de euros (sic) e o valor remanescente da divida deverá ser pago proximamente pois o processo segue a sua tramitação”.

Tanto na informação do Minfin como no despacho presidencial, não são especificadas as datas do pagamento, nem se há sectores privilegiados para receber os primeiros pagamentos. No final do mês passado, em declarações ao NG, o director-adjunto da Antex (Antillana Exportadora), Angel Contreras Miranda, afirmava “desconhecer” qualquer orientação do seu governo para fazer voltar os quadros cubanos.

Na mesma altura, também ao NG, o Ministério das Finanças garantia que os pagamentos “já tinham começado” na semana anterior, ou seja, poucos dias depois de meados de Julho.

Maka nas províncias

As ‘deserções’ cubanas têm preocupado especialmente as universidades públicas, sobretudo as de fora de Luanda. Há universidades que se arriscam a perder metade dos cursos, os que são ministrados por cubanos. Uma situação vivida, por exemplo, na Lueji A’Nkonde, com sede na Lunda-Norte, e que abrange as províncias da Lunda-Sul e Malanje. É precisamente nas províncias, fora de Luanda, que os cubanos lutam com maiores dificuldades, já que dependem unicamente do salário por trabalharem no sector público. Na capital, a situação é amenizada porque muitos desses profissionais acumulam o trabalho público com empregos em clínicas e escolas privadas.

Os atrasos no pagamento levaram a conversações que duram meses. Uma fonte cubana garantiu ao NG que as primeiras dificuldades começaram a ser sentidas já em 2013. Mas agravaram-se a partir de finais de 2014. O acumular da dívida foi destacado durante a visita do vice-presidente, Manuel Vicente, a Havana, em Maio deste ano, isto depois de ter havido uma intensa troca de cartas entre Cuba e Angola sobre a dívida. Numa delas, a Antex colocava um prazo: se as dívidas não ficassem saldadas até 6 de Agosto, a empresa mandava regressar todos os seus quadros a Cuba.

Em Junho, o próprio embaixador angolano na capital cubana, José César Kiluanje, promoveu a criação de uma comissão mista Angola/Cuba que começaria a tratar da “grande dívida” de Angola, como uma das principais preocupações colocadas ao vice-presidente. O diplomata acrescentava, já nessa altura, que havia “garantias” que a dívida seria saldada “em breve”.

O embaixador justificava o atraso com “a conjuntura agravada pela redução do preço do petróleo no mercado internacional”. Contudo, mostrava-se preocupado com o facto de alguns dirigentes angolanos, “às vezes não mandatados, fazerem muitas promessas que não são honradas”. No entanto, à imprensa, o embaixador evitou divulgar os nomes desses angolanos, mas lembrava que “havia a necessidade de se fazer um contínuo esforço para consolidar as relações com Cuba, mediante atitudes que contribuam para o reforço da confiança”.

Havana suporta

Desde o início do ano que os salários e as despesas correntes dos cubanos em Angola estão a ser suportados por Havana. Um mês depois da criação da comissão, e sem solução à vista, o próprio vice-ministro do Conselho de Ministros cubano, Ricardo Cabriza Ruiz, vinha a Luanda pressionar as autoridades a desbloquear as verbas. Na visita, voltou a receber garantias do Governo de que a dívida seria saldada em breve. Até hoje.

Nas redes sociais, os cubanos não têm escondido a preocupação de terem de abandonar Angola, mas garantem estar “optimistas”. Num comentário a uma notícia do NG, uma cubana, a viver em Angola, escreveu que uma “retirada nunca será por vontade de abandonar o serviço ou o povo irmão, mas sim, porque não é possível a empresa que nos represente continuar a custear a nossa estadia”.

Mais de quatro mil

Cuba tem em Angola mais de quatro mil cubanos. De acordo com os dados revelados pelo ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, 42 por cento dos médicos e 70 por cento de especialistas, nos hospitais públicos e centros de saúde, são cubanos. Na educação, há mais de 1.600 professores universitários.