Luanda - Relatos que chegam de estabelecimentos prisionais do país, que bem se podem equiparar a uma longa-metragem de terror em Hollywood, apontam para um tratamento cruel de reclusos. Um tratamento pior do que se oferece a animais. Torturas e fome, na base de algumas mortes, conformam o cartão de visita. Apela-se a uma intervenção urgente de quem de direito.

Fonte: o Crime

A nossa ronda começa com denúncias do estabelecimento prisional de Kindoki, província do Uíge, Município do Negage. Alguns dos 650 presos ali confinados, num informe dirigido ao nosso jornal, revelaram que são submetidos a atrocidades cometidas por responsáveis daquela cadeia.

Construído há apenas dois anos, não difere muito, por incrível que pareça, a uma unidade prisional já com vários anos, estando nesta altura a caminho da superlotação.
Os presos denunciam que, nos últimos tempos, têm apenas uma refeição por dia, devido, conforme salientam, tendo como base a informação da direcção, à crise financeira. “Fazemos uma única refeição e, normalmente, comemos arroz com feijão, uma comida mal confeccionada”, frisou uma fonte.

Ao invés de refeições diárias, os reclusos levam porrada. Contam que são colocados em tanques de água de mais de um metro de profundidade, denominados por Praia Amélia. Aliás, na altura em que falávamos com a fonte, a 09 de Agosto, um recluso encontrava-se no tanque de água a ser torturado.

Em função de certas denúncias, dizem, os reclusos foram brindados, no mês passado, com uma visita do Comandante Provincial e Delegado do Ministério do Interior, Leitão Ribeiro, que prometeu, depois de ter ouvido várias reclamações, averiguar a situação e fazer de tudo para encontrar soluções.

Estas garantias bem podem ser equiparadas a sol de pouca dura. É que logo após a saída do Comandante, o recluso Virgílio António Macedo, vulgo “Rebenta”, que falou em nome do colectivo, foi torturado, amarrado e colocado numa cela de alta segurança, onde permaneceu durante 27 dias. “Dizem que não podemos reclamar, pois aqui (Cadeia) não temos direito. Por lei, temos direito a uma hora e meia de visita, mas apenas nos dão cinco minutos e meia hora para apanhar sol”, denunciaram.


As mortes são outro dos problemas vigentes na cadeia. “Está a morrer muita gente, principalmente por falta de assistência médica. Aqui não há medicamentos, os funcionários desviam os medicamentos e a comida”, alertaram.

Os torturadores estão identificados

Os reclusos falam em superlotação nas cadeias. A maioria é oriunda das cadeias de Luanda, de onde saíram, em 26/05/2015, depois de uma rebelião que agitou Viana.

De acordo com as nossas fontes, os protagonistas dos maus-tratos são funcionários e elementos da direcção daquele estabelecimento. Há, inclusive, funcionários identificados, como são os casos de Maiala, chefe da reeducação penal, Henriques, responsável da ordem interna, Serafim, chefe da segurança. Os que mais batem são os funcionários Simão, Diambo e Samy, os mesmos que dizem que os reclusos podem queixar-se onde quiserem porque nada lhes vai acontecer.

Por outro lado, reclamam porque não tem havido recreação, nem mesmo para reclusos antigos, condenados a 24 anos de prisão.


Solidários, colocam o acento tónico no caso do recluso Carlos Alberto Domingos, deficiente físico, que perdeu as canadianas no aeroporto de Luanda. ‘Ele rasteja-se por falta de meios para locomoção, por isso faz um apelo a pessoas de boa fé para a ajuda que se impõe’, ressaltam.
No inferno de Viana

Riquinho e Catraio vergam-se à religião

Na Cadeia de Viana, a realidade não é diferente. Os reclusos informam que não tomam o pequeno-almoço há quase um mês. Quando ainda tinham direito, eram apenas quatro bolachas de água e sal ao dia. Segundo dizem, a resposta da direcção, para não variar, é a de que são as consequências da crise que vive o país.


Naquele estabelecimento prisional, os presos estão sem água há mais duas semanas, pelo que não têm tomado banho. Chegam, pasme-se, a conservar a urina para a altura da evacuação das fezes.


Fala-se, ainda, da mistura de presos (condenados e detidos), assim como de técnicos superiores e iletrados. O famoso Catraio, aqui chamado para servir de exemplo, encontra-se numa cela com marginais altamente perigosos, na sua maioria analfabetos, e várias foram as vezes que foi ameaçado de espancamento. “Aqui o ‘kota’ Catraio chora ‘buéé... os miúdos lhe faltam ao respeito, dizem que também vão lhe meter gindungo porque ele é mais velho ‘bandeiroso’ e mijão”, disse a nossa fonte.

Segundo as nossas fontes, para apanhar sol, algo que é visto como um luxo, Catraio teve de abandonar a Igreja Pentecostal, exercendo o cargo de financeiro. Assim, goza de algumas regalias, mas não escapou quando foi encontrado com um telemóvel num acto de revista. “O ‘kota’ é ‘bandeiroso’ e até não sabemos como é que não lhe puniram”, sustentou uma fonte daquele estabelecimento.


Por seu turno, Riquinho tirou proveito do facto de ser chefe do protocolo da Igreja Católica para ligar, fora de horas, para um padre, a quem exigiu, segundo as mesmas fontes, a realização de uma missa. O Padre denunciou o facto ao ministro do Interior, que ordenou uma vistoria na cadeia, visando neutralizar o uso de telemóveis. Desta vez, soube-se, o ex-empresário da juventude escapou da punição.

Pai Banana preso por roubo

O músico de Kuduro Pai Banana é o mais novo inquilino do estabelecimento prisional de Viana. Encontra-se detido desde a semana passada por ter assaltado um estaleiro na Calemba II, onde, em companhia de comparsas, foi detido no Zango 4, na altura em que faziam a divisão do dinheiro. Armados, ainda tentaram reagir, mas sem sucesso. Foi até o músico a sofrer ferimentos nas costas na sequência de confrontos com as forças da ordem. Estará detido com uma bala ‘alojada’ nas costas, mas já fora de perigo.

Mariana: O brilho diluído num ‘amor assassino’

Recentemente, surgiram denúncias sobre a tortura sofrida pela reclusa Mariana Joaquim “Quibrilha”, que se encontra a cumprir pena no estabelecimento prisional feminino de Viana. Foi torturada, na passada sexta-feira (14), por ter sido apanhada com um telemóvel.

Depois do interrogatório, optou por não revelar aos responsáveis prisionais os nomes de colegas que estariam na mesma condição, em posse de telemóvel. Foi barbaramente torturada e humilhada no gabinete da directora da cadeia de Viana, Judith Ginge.


Conta-se que lhe foram introduzidos dedos nos órgãos genitais, sob alegação de que se estaria à procura de telefone. Posteriormente, foi espancada com uma barra de ferro, na parte traseira, o que a deixou com hematomas, tal como se pode ver nas fotografias que acompanham o texto.


Ministro tenta meter ordem no circo

O ministro do Interior de Angola, Ângelo da Veiga Tavares, ordenou nesta quarta-feira, 19, a “suspensão tempestiva” da directora do Estabelecimento Feminino de Viana e de três agentes prisionais envolvidas no espancamento de uma reclusa, como se lê na nota de imprensa.

O Ministério reconhece que três agentes infligiram “agressões físicas a uma reclusa, após uma inspecção surpresa (…) da qual resultou a detecção de dois telemóveis que se encontravam na posse da visada”.

O ministro ordenou a instauração de um processo-crime contra directora e as três agentes “porque a conduta constitui indício da prática de um ilícito penal”. O Ministério do Interior diz repudiar “práticas do género".