Luanda - Os voos entre Luanda e Lisboa e Luanda e o Porto, ao voltar a colocar Portugal na vanguarda do destino de milhares de angolanos nesta época do ano, estão a configurar um verdadeiro desafio à crise cambial que, neste momento, fustiga a economia de Angola.

*GUSTAVO COSTA
Fonte: Expresso

A relembrar o caos em que, nas décadas de 80 e 90, se transformava o aeroporto 4 de Fevereiro para quem quisesse viajar para Lisboa, muitos passageiros, com reservas aparentemente confirmadas, voltam agora a ficar em terra. Toda a gente se queixa da falta de divisas no mercado. Quando se trata, porém, de viajar para Lisboa ou para o Porto — mesmo com a nota de 100 dólares a ser transacionada na candonga em kwanzas ao equivalente a 136 euros — os aviões, quer da TAAG quer da TAP, descolam hoje de Luanda diariamente a abarrotar de passageiros.

Isso apesar da concorrência da Royal Air Maroc e da Emirates que, escalando em Casablanca e Dubai respetivamente e com tarifas mais baratas, também voam para Portugal.

As viagens para destinos que eram até há bem pouco tempo “a menina dos olhos” da TAAG como o Brasil, África do Sul ou a China, conhecem agora uma redução drástica.

“Das três frequências que tínhamos para São Paulo, ficámos reduzidos a uma e dos sete voos diários para Joanesburgo, agora não fazemos mais do que três” — disse ao Expresso, um alto funcionário da companhia área angolana.

No meio deste turbilhão, Portugal continua a ser uma exceção. Mesmo com os custos dos bilhetes das passagens aéreas da TAAG e da TAP a atingirem somas exorbitantes, o formigueiro de pessoas que formam longas filas no consulado português em Luanda não para de crescer.

“Não se importam de comprar, a preço especulativo, os dólares no mercado paralelo para poderem viajar para Portugal” — diz o economista Frederico Ferraz.

“Em Angola quase toda a gente tem um elo de ligação à Portugal e, por isso, não surpreende que, atualmente, atendamos mais de 400 pessoas por dia” — revelou ao Expresso Carlos Costa Neves, cônsul-geral de Portugal, que acaba de terminar a sua missão em Angola. Além de visitas a familiares ou amigos, acrescentou este diplomata, o turismo de compras e imperativos de saúde, são as causas principais para o contínuo aumento da procura de vistos para Portugal. Contra todas as expectativas, a crise financeira que atinge o país, longe de causar qualquer quebra na sua emissão, está, paradoxalmente, a gerar uma procura desproporcional à escassez de recursos cambiais na posse dos angolanos.

Entre janeiro e junho deste ano, o consulado português em Luanda emitiu 42 mil vistos e prevê atingir, até ao final do ano, uma cifra superior a 60 mil vistos, contra os 42 mil vistos emitidos durante o ano passado.

“Cerca de 90% dos vistos são turísticos, cifrando-se em dois mil o número de pedidos de vistos para tratamento médico, estudo e residência” — concluiu o antigo responsável máximo dos serviços consulares na capital angolana.

Estes serviços, segundo apurou o Expresso, “vão ser agora obrigados a encontrar soluções inovadoras” porque “existe uma tendência para o aumento da procura”. A mesma procura deixou de ter, no entanto, a embaixada da China em Angola. Com o eclodir da crise cambial, o grosso dos angolanos que tinha como destino Pequim e Guangzhou, deixou de voar para aquele país. ”Não há dinheiro!” — lamenta Engrácia Joaquim, que até há bem pouco tempo prosperava com a venda de mobiliário importado da China.

Por incapacidade de concorrência com a Ethiopian Airlines e com a Emirates, a TAAG viu-se obrigada também a deixar de voar para Adis-Abeba e para o Dubai. Os voos para cidades africanas como Bangui, Douala e Brazzaville, de cariz meramente político, são tidos por especialistas de aviação, como desastrosos para os cofres da empresa.

A Emirates vai tomar conta da gestão da TAAG já no próximo mês de setembro e as autoridades vão aproveitar a crise para incentivar a aplicação do seu plano de saneamento financeiro e de reforma estrutural da companhia aérea angolana.

“Precisamos de imprimir outra eficiência funcional e olhar para a sua gestão com racionalidade económica, para que a TAAG possa finalmente alcançar níveis de rentabilidade financeira satisfatórios” — disse ao Expresso, uma fonte do Ministério angolano dos Transportes.