Luanda – Mauro Bernardino, testemunha que viu o tiro a ser disparado contra o ex-general Diogo Manuel da Fonseca e que, logo após, o levou à Clínica mais próxima, chamado em tribunal para prestar depoimentos, este nega ter visto algum indivíduo alto e de cor clara, referindo-se ao réu Áureo dos Santos Miranda.

*Olga da Silva
Fonte: O Crime
Num absoluto silêncio, todos atentos e de olhos fixos ao cidadão que responde pelo nome de Mauro Bernardino, a família de Áureo dos Santos Miranda, carinhosamente tratado por Áureo, fez sair alguns “graças a Deus!” acompanhados de suspiros de alívio logo após que ouviram da boca do declarante que dos três indivíduos que viu na motorizada, nenhum era de estatura média e de tom de pele clara.

Mauro Bernardino respondeu desse modo numa altura em que o juiz da causa, Januário José Domingos, pô-lo a um teste de reconhecimento apresentando quatro réus: Hedo Manuel Francisco, vulgo TimbaTimba, Gabriel Paulo Sambundo, mais conhecido por Puto Boy, Áureo dos Santos Miranda, ou simplesmente Áureo, e mais um afecto a outro processo de nome Félix Vidal, provavelmente posto aí para confundir a testemunha, mas este respondeu logo de primeira que Félix Vidal não estava entre os supostos assassinos.

Depois de o juiz mandá-lo se levantar e jurar dizer a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade, Mauro Bernardino sentou-se e começou a narrar os factos, segundo observara. Essa testemunha, que provocou vários adiamentos da audiência, justificou que não aparecia porque se encontrava fora de Angola, bem como disse que está com 27 anos de idade e é arquitecto de profissão. De acordo com sua narração, eram por volta das 10 horas do dia 08 de Maio de 2014, que circulava na via pública, propriamente na Vila Alice, nas imediações da escola Magistério Primário, saindo do serviço para casa, quando avistou, há cerca de 60 metros de distância, dois indivíduos numa motorizada, sendo que um deles desceu pronto a assaltar o ex-general Diogo Manuel da Fonseca que saía do banco BPC com um envelope que continha dinheiro na mão.

Mauro Bernardino contou ainda que, como o indivíduo desceu com uma arma, a população, num alvoroço, começou a dispersar-se. Ele, porém, pôs-se escondido na lateral de um carro e assim observava os acontecimentos a partir dos vidros da viatura em questão, isto há 80 metros. Elucidou que o cidadão que desceu da moto foi logo puxar o envelope das mãos do malogrado e, numa tentativa de se defender do ataque, o algoz disparou um tiro atingindo-o no. Logo após o disparo, o meliante, protagonista do tiro, começou a recolher o dinheiro que esvoaçava pelo chão. Acontecendo tudo muito rápido, a testemunha conta que seguidamente este subiu na moto, com estilo ao triciclo vulgo Cupapata, e em velocidade de luz, desapareceram.

Nessa altura, Mauro Bernardino sai do seu esconderijo e vai socorrer a vítima que, por coincidência, era o pai de um amigo seu, identificado por Dino Cassada. Com ajuda de pessoas vizinhas, Mauro pôs a vítima no seu carro e levou-o imediatamente ao hospital, verificando que este ainda estava em vida e que, inclusive, conseguia falar, mas que horas depois veio a falecer.

No final, após o juiz, Januário José Domingos, tê-lo questionado se foi submetido ao auto de reconhecimento, este disse que sim, que foram postos cinco ou seis réus para que dissesse se reconhece alguém e acrescentou que pela estatura física, reconheceu Gabriel Paulo Sambundo, mais conhecido por Puto Boy. No entanto, o juiz confrontou-o com suas declarações da instrução do processo que afirmava que, para além da altura, ele disse que pelo rosto e nariz se tratava mesmo do autor do disparo, mas Mauro refutou os últimos detalhes, alegando que era impossível fazê-lo.

Advogado dos réus declara: “O Tribunal está a ser incompetente”

Para Enes Bango, defensor dos réus, a falta de provas concretas do cometimento do crime, os testes mal feitos na altura da instrução do processo e a confusão que muitos declarantes fazem no auto de reconhecimento, são indícios suficientes que deixa “mais do que claro que os arguidos são inocentes”, lançando mão ao princípio da presunção de inocência.

“Segundo as declarações de um segurança de uma residência na Vila Alice que presenciou o facto e foi ouvido aqui, identificado como Martinho Ngulo, a arma que disparou não é do tipo pistola, mas sim AKM. Agora, vemos que nos autos foi apreendida uma pistola do tipo Barack, como sendo aquela do tiro. No momento em que ele foi ouvido no momento da instrução, disse que viu muito bem quem disparou o tiro, posteriormente, no auto de reconhecimento, puseram todos os arguidos a sua frente para indicar quem ele viu, mas o segurança alegou não ser nenhum dos que estavam aí. Nove meses depois disso, ele alega, já no Tribunal que o jovem que atirou contra o general é de tom de pele negra e estatura baixa, para apontar, em seguida, o co-réu Hedo Manuel Francisco, vulgo TimbaTimba. Isso não se justifica!”, explicou o advogado.

Aquele defensor disse também que houve incerteza por parte dos peritos que não examinaram a arma para saber se realmente foi aquela que disparou. “O meritíssimo juiz da causa deu-lhes três meses para examinarem a arma, na audiência eles alegam que fizeram o exame e que, com base no teste de disparo, descobriram que foi a arma do crime. Mas, para saber se uma arma disparou, o teste correcto a ser feito é de reagente químico. Tentaram ainda ludibriar a defesa dizendo que é o único teste que se faz para essa causa e que não utilizaram o de reagente químico porque não lhes foi solicitado pelo instrutor do processo, o senhor Horesto”, afirmou.

Com a maior desconfiança, o advogado disse que a conclusão evidente é que não fizeram teste nenhum, até porque chegou a perguntar quantas balas tinha na arma e os peritos alegaram não se recordar “mas como assim? Isso não tem cabimento. Eles tiveram tempo suficiente para fazer tudo. Sabe-se que é um assunto sério mas eles andaram a brincar”, sublinhou. Como demonstração de falha nesse processo, arrematou que os peritos apenas juntaram relatórios aos autos.

Para ele, ao crime de roubo concorrendo com homicídio, que tem a moldura penal de 20 a 24 anos de prisão maior, os seus constituintes gozam da presunção de inocência, já que há incertezas se foram eles os que os testemunhas viram, e do "in dúbio pro reo", ou seja, do princípio de Direito que diz que na dúvida do cometimento do crime, a decisão deve ser a favor do réu.

Para além do crime de roubo concorrendo com homicídio, onde é acusado como encobridor do mesmo, e neste papel tem a pena imediatamente inferior que é de 16 a 20 anos de prisão, pesa sobre o co-réu Áureo dos Santos Miranda também o crime de posse e consumo de estupefacientes, que tem a pena de dois a oito anos de prisão, porque fora encontrado com 400 gramas de liamba. Mas, em sede de justiça, Áureo alegou que não é traficante, mas sim consumidor, e nesta senda, o seu advogado explica que a pena para os consumidores é simplesmente correccional.Áureo foi também encontrado com uma arma de fogo, por isso, do crime de porte e uso de arma proibida Áureo não se escapa.

Os réus, Hedo Manuel Francisco, mais conhecido por TimbaTimba, Gabriel Paulo Sambundo, mais conhecido por Puto Boy, Áureo dos Santos Miranda, ou simplesmente Áureo, do caso em juízo, conhecido também como “caso general”, estão a ser julgados há mais de dois meses na 14ª secção do Tribunal Provincial de Luanda.

Tema relacionado 


General angolano assassinado a tiro depois de levantar dinheiro no banco