Luanda - Elias Isaac garante que a Open Society não é uma organização financiada pela CIA ou pelos EUA, “como muita gente pensa”. Aquele responsável explica ao NG o que a organização faz na defesa de uma sociedade “mais democrática” mas jura que não apoia as manifestações dos chamados ‘revus’.

 

Fonte: NG

Que tipo de trabalho desenvolve a OSISA?
A OSISA estabeleceu-se em Angola em 1998, num momento muito difícil. A guerra civil ainda se sentia. Viemos com o projecto de formação, tínhamos um protocolo com o Ministério da Educação para formar professores e administradores de escolas em zonas rurais. A OSISA gastou milhões de dólares neste processo que durou cinco anos.
Depois da guerra civil, houve a necessidade da OSISA definir novas áreas de trabalho. Foi quando surgiu a necessidade de se trabalhar em direitos humanos, tanto na promoção e protecção, na anti-corrupção e transparência, no movimento pela paz. Também trabalhámos muito com a imprensa privada, fomos um dos maiores financiadores da Rádio Ecclesia e apoiámos várias organizações da sociedade.

 

Como encara o desempenho da sociedade civil?
Poderia fazer muito mais. Não faz porque o espaço é muito restritivo. Carece de incentivos financeiros. Não podemos esperar que a sociedade sejam só voluntários, porque têm família e têm de comer. Desde o fim da guerra, estamos a ver uma crescente saída de organizações doadoras, porque Angola é um país estável. Economicamente, é um dos países com os maiores índices de crescimento. Há muita riqueza e os doadores internacionais estão a desaparecer, sobretudo os que trabalhavam muito na área humanitária.
Está a passar-se um processo muito doloroso de conversão da sociedade. Há organizações especificamente humanitárias, que doam arroz, rádio, bicicletas e outras coisas. Mas há outras e são estas que a OSISA abraçou, que promovem a consciência do cidadão, trabalham nas questões de direito.

 

Qual destes modelos precisamos?
Precisamos de todos: as ongs que trabalham com questões humanitárias, providenciam serviços nas comunidades e as que trabalham na consciência da própria cidadania em governação e democracia.

 

Qual é a vossa fonte de financiamento?
Só temos uma única fonte de financiamento que é de um cidadão americano, de origem judaica e bilionário: George Soros. Todo o mundo o conhece, não é segredo. Tem dinheiro e acredita que pode servir o bem público. Anualmente gasta mais de 500 milhões de dólares em cerca de 150 países.
A OSISA tem uma das maiores universidades na Europa do Leste, na Hungria, e forma quadros. Muita gente não fala disso. Aproveitam-se de outras coisas.

 

Que coisas?
As acusações que foram feitas, mas no tempo do ‘apartheid’ na África do Sul, a Open Society foi uma das poucas organizações ocidentais que trabalhou com quadros do ANC na formação.

 

Também é frequente ligar-se à CIA…
Isto é mentira. Felizmente, na OSISA, em 10 anos, nunca recebi recados, nem orientações da CIA, nem da embaixada norte-americana. Praticamente, não temos nenhuma ligação com a embaixada, porque não somos dependentes. Somos uma organização autónoma e independente do governo dos EUA e da USAID. Não recebemos financiamento nenhum e nem temos ligações programáticas com a USAID.

 

Como analisa o actual momento político de Angola?
O cenário político não está desligado do momento económico. A definição do tipo de país que Angola quer ser exige que todos os angolanos, mesmos os camponeses, os que estão nos cantos mais remotos, possam participar na democracia. A democracia não é feita somente por um grupo de pessoas ou simplesmente pelos deputados ou pelo partido A ou B. Exige a participação de todos.
Actualmente, está a voltar-se a viver um clima de muita intolerância, muito nervosismo, muitas acusações. Existem coisas que acontecem no país que se deve analisar que são elementos do próprio contexto mundial e Angola não é uma ilha ou um caso à parte. Fazemos parte desta aldeia global que é o mundo e hoje não só vemos a TPA e muito menos escutamos só a RNA.
Angola já sofreu demais e não acredito que alguém queira perturbar a paz ou o desenvolvimento. Pode haver reivindicação daquele ou deste ou a insatisfação que é normal. Não vamos ter uma sociedade em que todos estejam contentes. Não é possível. Até nas grandes sociedades democráticas existem sempre descontentes.
Adelino Marques de Almeida acusa a OSISA de financiar o movimento de manifestações e que terá investido 14,5 milhões de dólares…
Não sei quais são as intenções que ele teve ao fazer aquelas declarações. Conheço-o à distância, tenho acompanhado as suas intervenções na rádio e na TPA e não me surpreende nada aquilo que disse. A única coisa que gostaria que ele fizesse é explicar com factos e não generalizar. As teorias que ele dá sobre a Europa do Leste são teorias completamente vazias. Nós trabalhamos com o Ministério da Educação. Ele devia ter dito que formamos centenas de professores e administradores nas zonas rurais onde não há formação nenhuma.
Trabalhamos com as populações khoisans, no sul, que estão em vias de extinção. Trabalhamos com as populações na Huíla que estão a ver as suas terras tradicionais expropriadas pelos grandes ditos agricultores.
Trabalhamos em várias áreas, em comunidades que vêem as suas casas demolidas e são colocadas fora de Luanda. Ele tem a sua interpretação e nós a nossa. Não tem cabimento nenhum e não é verdade que a OSISA apoie as manifestações em Angola. São declarações com intenções.

 

Que intenções?
Não sei, só ele é quem sabe. Intenções de encontrar um bode expiratório, porque também é uma ofensa aos próprios jovens, muitos deles universitários, outros já terminaram o ensino médio, julgarmos que não têm consciência, que podem ser facilmente manipulados, manobrados e a sua consciência deturpada. A OSISA nunca apoiou ou financiou nenhuma manifestação.

 

Actuam da mesma forma nos EUA onde há registos de vários casos de descriminação racial contra negros?
O nosso posicionamento é idêntico. Se tiver o privilégio de entrar na página da OSISA, vai encontrar as várias actividades. Em Nova Iorque, temos um escritório para todo o mundo, mas existe o de Washington é somente para os EUA. Faz trabalho de toda a situação de assassinatos extras-judiciais que a polícia tem cometido. A OSISA tem tomado posições sobre a população discriminada na Europa.
No ébola na África Ocidental, a OSISA financiou com milhões de dólares. Na Palestina, gasta milhões, para apoiar as populações fustigadas pelo conflito. O patrono é judeu, mas gastamos dinheiro a ajudar os palestinianos.

 

Quanto já investiram em Angola?
Os orçamentos têm sofrido reduções por causa da situação económica. O orçamento, para este ano, foi cerca de dois milhões de dólares. Apoiamos um projecto para ajudar as populações que não têm bilhete de identidade, porque há um decreto de há dois anos em que se proibia o pagamento de emolumento no registo de crianças até aos seis anos.
Temos um outro projecto com observatório de políticas de género para monitorar as questões do direito reprodutivo da mulher, para ver porque estamos a ter tanta mortalidade materno-infantil nos hospitais. É algo que tem de ser feito para podermos dizer aos governantes que é isto que está acontecer.
Vamos implementar um projecto de pesquisa para avaliarmos o que está a provocar as remoções das populações, o seu impacto na vida social, económica, porque estão a ser colocadas fora, onde não têm emprego, não há água nem saúde.
Há necessidade de se fazer um estudo para dizer ao Governo que adopte políticas mais inclusivas, coerentes e mais humanas.
Temos um outro projecto de apoiar os defensores dos direitos humanos e jornalistas com problemas com as autoridades

 

Disse que estamos a voltar para um clima de intolerância e nervosismo. Este tipo de clima tende a aumentar ou diminuir?
Infelizmente, não há sinal que este clima vá diminuir. O que se viveu no Huambo exige da parte daqueles que têm a responsabilidade de governar muita ponderação, muita cautela, muito diálogo e um espírito de tolerância muito grande. Quem tem a responsabilidade, no país, é de criar as condições para que estes elementos todos continuem na sociedade é o Governo.
A repressão não é o melhor método para se construir uma sociedade pacífica. Os ganhos económicos e financeiros de Angola só terão valor e significado se também existirem ganhos políticos e a participação dos cidadãos.