Luanda - A ausência de soluções para a recolha de resíduos atesta que, não existe solidariedade entre aqueles que são os principais beneficiários da prestação de serviço mal feita, mas, igualmente, que ao longo dos tempos, não se investiu na educação do cidadão nem em alternativas para beneficiar também quem produz.

Fonte: Agora
Diante do escândalo da migração na Europa, das mortes em naufrágios e da colocação de barreiras fronteiriças com redes de arame farpado, escreveu- nos um amigo e leitor assíduo: "Tenho vergonha... Os gorilas são mais solidários. E as formigas também"... Enquanto reflectíamos sobre o alcance dessa mensagem, 'viajamos' para o apelo dramático de um médico, transmitido por via de um programa radiofónico nocturno dedicado ao aconselhamento dos ouvintes: "As chuvas estão a chegar, há montanhas de lixo por tudo quanto é canto, Luanda pode conhecer uma nova epidemia de cólera e os nossos hospitais e o pessoal paramédico não está preparado para atender a esses casos". As unidades que existiam, alertou o médico, "foram desmanteladas. E mais grave ainda, o lixo está a ser queimado de noite, com os riscos que essa acção envolve para a saúde e segurança de todos os que têm as suas residências nas proximidades".

Aparentemente, a questão da migração e dos naufrágios não tem ligação com o nosso lixo. Mas, bateu forte o conteúdo da mensagem, pelo facto de que está visível a falta de solidariedade na resolução do conflito entre operadoras e o Governo Provincial de Luanda. Mas que, também, falta atitude da própria sociedade.

Por exemplo: por que razão Bento Bento, que supostamente terá mobilizado milhares de militantes do seu partido para uma manifestação de apoio ao cidadão José Eduardo dos Santos pelo seu aniversário, não tem a mesma atitude para uma questão que preocupa todos, solicitando o apoio de empresas e dos moradores dos bairros para um exercício de apoio às administrações municipais, que têm até uma postura muito próxima a de comités do MPLA? E foi governador.

Dados que são de domínio público dão conta que o lixo tem sido, ao longo dos tempos, uma fonte de enriquecimento de governadores provinciais e de outros governantes ligados ao próprio partido no poder. Basta serem nomeados e até incentivam amigos a criarem empresas de recolha. E algumas dessas empresas até saltam de uma para outra província, como se fizessem parte do staff desses governadores.

Os últimos dados divulgados referem que o Ministério das Finanças disponibiliza, apenas para a limpeza da província de Luanda, cerca de 10 milhões de dólares por mês, equivalente a um terço do montante atribuído há cerca de quatro anos. Parte considerável desse dinheiro enriquece muitos militantes, dirigentes ou amigos do partido no poder.

Por que razão não entendem eles agora que, diante da crise, devem oferecer solidariedade a um Governo que lhes abre as portas e os cofres em matéria de oportunidades e de enriquecimento? A situação é deveras grave e exige já uma intervenção do mais alto Mandatário, porque as chuvas chegaram. Por outro lado, por força da depreciação do salário, até os cidadãos de nível médio-alta habitualmente frequentadores de clínicas, estão a recorrer aos hospitais públicos.

As unidades privadas actualizaram os seus preços ao câmbio oficial nuns casos, e da rua noutros e uma consulta subiu para os cerca de 90 dólares. Os hospitais públicos já registam maior pressão e não têm recebido recursos há cerca de sete meses. Faltam consumíveis. Os fornecedores já não aceitam crédito, porque há dívidas volumosas.

Diante desse quadro, vislumbrase que vem pela frente um cenário complicado que conforma com o adágio: "Onde toda a gente peca, ninguém faz penitência". Melhor dizendo, eles comem tudo e até o lixo tem mais valor que a vida de seis milhões de habitantes. De facto, estimado leitor, também por cá, "os gorilas e as formigas são mais solidárias".