Luanda - Dezasseis famílias que vivem há vários anos num prédio no centro da cidade do Huambo estão indignadas com a venda de um imóvel ao antigo ministro da Agricultura, Gilberto Buta Lutucuta.

Fonte: Club-k.net (Ilídio Manuel)

Os moradores afirmam que o prédio foi confiscado pelo Estado, ao abrigo da Lei n.o 43/76, mas a parte contrária considera que o processo de intervenção estatal ocorreu de forma fraudulenta, numa altura em que o imovel «já estava na esfera de um cidadão nacional». O assunto está na barra do tribunal e aguarda por um desfecho judicial.

O edifício de seis pisos, localizado na parte baixa da cidade capital do planalto central, mais concretamente na rua ex-Artur de Paiva, constitui o pomo de discórdia entre os seus inquilinos e a empresa Saragaf, Indústria, Pesca e Agropecuária, Lda, que tem à testa o ex- ministro da Agricultura, Gilberto Buta Lutucuta.

Conhecido por «prédio Adrega», o imóvel estava inicialmente registado na Conservatória dos Registos da Comarcã do Huambo a favor de Eurico Herculano de Brito e esposa, Maria da Conceição Sousa Reis Brito, tendo sido em 28 de Setembro de 2007 objecto de confisco estatal, por iniciativa conjunta dos então ministros da Justiça e do Urbanismo e Ambiente, Manuel Miguel da Costa Aragão e Diekumpuna Sita, respectivamente.

Embora a parte contrária alegue que o processo de confisco fora obtido de forma ilegal, o facto é que os moradores têm em sua posse o Diário da República (DR) n.o 117, de Setembro de 2007, que atesta que o imóvel foi, de facto, alvo de intervenção estatal, a coberto da lei n.o 43/76.

A Saragaf diz, por sua vez, que o prédio em causa não estava em condições de ser confiscado, visto que os seus proprietários não se tinham ausentado do país no período subsequente à independência, ou seja, por um lapso de tempo superior aos 45 dias, conforme determina (va) a lei relativa aos confiscos e nacionalizações.

Contactado a propósito, o advogado desta empresa, João Valeriano, revelou que o prédio «nunca esteve na esfera do Estado, tanto assim que não fazia parte do património da habitação».

Segundo ele, de 1975 a 1977 os contratos de arrendamento do imóvel foram feitos, «sob orientação do Sr. Eurico Herculano de Brito, com outros inquilinos que não os actuais».

Diz que a partir de 1977 até 1991, a gerência do imóvel esteve a cargo de Fernando Borges Adrega, e depois desse ano até 1994, a mesma foi confiada a Francisco de Brito, um sobrinho de Eurico Herculano de Brito».

O causídico afirma que no período anterior a 1993 os moradores pagavam renda aos herdeiros. Estes têm honrado «os impostos desde que Angola se tornou num Estado [independente]».

Segundo ele, após a guerra civil que assolou o Huambo, a situação viria a sofrer alterações, já que muitos dos antigos moradores tinham abandonado os seus aposentos dando lugar a novos inquilinos. «Alguns moradores fizeram trespasses dos apartamentos, sem a anuência do senhorio», denúncia.

João Valeriano conta que, após a compra do imóvel pelo Grupo Saragaf, em 2007, ele fora contratado por esta empresa, a fim de celebrar novos contratos de arrendamento com os novos moradores, tendo uns anuído e outros se recusado a aceitar.

«Quanto menos esperávamos, alguns moradores propuseram um processo contra o Grupo Saragaf, por via de uma providência cautelar», adiciona.

Segundo o advogado da empresa afecta ao ex- ministro da Agricultura, e que actualmente exerce o cargo de embaixador na Guiné Equatorial, os moradores terão sido aconselhados a pagar as suas rendas à Saragaf, mas, de acordo com João Valeriano, os «inquilinos inconformados decidiram intentar um novo processo contra a Saragaf».

Afirma que em finais de 2007 os referidos inquilinos «apareceram com um Diário da República do confisco do prédio, sem que as direcções locais da Habitação e Finanças do Huambo tivessem sido notificadas para o efeitoou, ainda, chamadas a emitir um juízo sobre o confisco do prédio».

Na óptica do advogado da Saragaf, «o confisco foi feito numa altura em que o prédio já estava na esfera de um cidadão nacional, o Sr. Buta [Gilberto Lutucuta]».

Segundo ele, o processo de venda do imóvel à supracitada empresa foi feito a coberto de uma procuração emitida em Portugal, através da qual um dos herdeiros de Eurico Herculano de Brito atribuía poderes a Adriano Feliciano, um antigo director provincial da Habitação do Huambo.

 

Segundo o Ministério do Urbanismo Razões para o confisco

Em reacção a uma exposição escrita pela Comissão de Moradores do prédio «Adrega», o então Ministério do Urbanismo e Construção emitira um parecer, em 17 de Junho de 2010, no qual justificativa as razões que levaram ao confisco do edifício.

De acordo com o documento, subscrito por Francisco de Oliveira Miguel, ex-director do gabinete do titular da pasta da Habitação, o processo em causa não terá sido feito de forma transparente, porquanto o «contrato de compra e venda a suposto procurador, que dá pelo nome de Adriano Feliciano, sócio gerente da Saragaf, resultou de uma procuração emitida em Portugal por um dos herdeiros do ex- proprietário do prédio (Eurico Herculano Brito), já falecido».

«Importa referir que Adriano Feliciano, sócio da empresa Saragaf, era, à data dos factos, director provincial da Habitação do Huambo», lê-se no parecer. E adiciona: «Este, aproveitando-se da sua qualidade e na condição de sócio, engendrou o suposto negócio com vista a prejudicar o Estado, num negócio simulado e consigo mesmo».

Depois de referir que Adriano Feliciano não tinha «legitimidade para a realização do negócio», diz o documento, que temos vindo a citar, que a procuração foi emitida por «um suposto herdeiro do ex-proprietário do prédio, quando, à data e por força da Lei 43/76, o referido imóvel já era propriedade do Estado».

 

« (...) a referida procuração foi emitida em Portugal em 2006, sendo que, para efeitos das leis 43/76 e 7/95, tais procurações não podem, nem devem produzir efeitos jurídicos, sendo estas até nulas, pois, pretende-se com tais procurações defraudar a lei».

«Adriano Feliciano não só protagonizou a aquisição da suposta procuração nula em Portugal, a favor da Sarafag, de quem era sócio, mas também, exigiu antes de 2006, que os ocupantes do prédio celebrassem contratos de arrendamento a favor da empresa Ngombe Ya Lamba, que era sua propriedade», lê-se no documento.

Em jeito de conclusão, o parecer elaborado por Francisco de Oliveira Miguel, sublinha que o prédio deve ser registado a favor do Estado, a fim de serem celebrados os «competentes contratos de arrendamento com os seus ocupantes».

Adriano Feliciano nega acusações 

Confrontado com o assunto há dias, Adriano Feliciano começou por negar qualquer ligação à Saragaf, tendo afirmado que não é «sócio» da referida empresa.

Desmentiu a informação, segundo a qual ele ter-se-á aproveitado da sua condição de antigo responsável do Ministério da Habitação do Huambo para favorecer interesses particulares, em detrimento aos do Estado.

Disse que tinha a «consciência tranquila», e que agira de acordo com a lei, já que a procuração em causa tinha sido reconhecida pelo Consulado de Angola em Portugal.

Em relação à intervenção da empresa Ngombe Ya Lamba, da qual é proprietário, revelou que a mesma tinha sido mandatada a celebrar contratos com os inquilinos, sem que isso tivesse constituído um «atropelo à lei».