Luanda - Como prova do desnorte na gestão política e judicial do caso dos 15 presos políticos, nos dias 6 e 7 de Agosto, altos funcionários do SIC e da Procuradoria-Geral, provenientes de Luanda, interrogaram, em Lisboa o político Alberto Neto, proprietário do espaço onde foram detidos os jovens.

Fonte: MakaAngola

Interrogaram-no o vice-procurador-geral da República junto do SIC, Luciano Chaca, e o especialista do SIC João Pedro, que coordenou a operação de assalto à residência de Alberto Neto e a consequente detenção de 13 dos jovens acima mencionados.Em exclusivo ao Maka Angola, Alberto Neto narra o sucedido.

“Encontro-me na Suécia como professor visitante na Universidade de Malmo. Soube que mais de 50 agentes da polícia tinham cercado e entrado na minha residência [na Vila Alice] sem mandado de captura”, afirma.

“A minha irmã informou-me e deu-me o contacto do Sr. João Pedro, que dirigiu a operação. Liguei para ele a saber o que se passava e pedi esclarecimentos por carta rogatória”, continua.

Surpreendido, “no dia 31 de Julho, o Sr. João Pedro telefonou-me para o meu número na Suécia a dizer que estava no aeroporto, a caminho de Copenhaga (Dinamarca) para ir ao meu encontro na Suécia e interrogar-me.

“Expliquei-lhe que estava em Lisboa e marcámos um encontro em Portugal. A 6 de Agosto, às 16h, apareceram na Culturgest, identifiquei-me e pedi que eles se identificassem também” prossegue.

De acordo com o seu testemunho, Alberto Neto afirma que os agentes do Estado exibiram “um documento assinado pelo ministro do Interior, Ângelo de Veiga Tavares, que autorizava a viagem para eu ser ouvido no exterior do país”.

“Estavam presentes o Dr. Luciano Chaca, vice-procurador geral da República, e o Sr. João Pedro, responsável pela operação de detenção dos jovens. Faltou o tradutor. Eles levavam também um tradutor para me ouvir”, sublinha.Incisivo, “pedi que me explicassem por A+B=C o que se passou. Disseram-me [os investigadores] que os jovens tinham como objectivo fazer um golpe de estado”.

“Eu referi que estes jovens não têm nem eira nem beira, muito menos treino militar. Como poderiam fazer um golpe de estado?”, relata.

Segundo o académico, “o João Pedro disse que o Domingos da Cruz é o mentor da tentativa de golpe de Estado. Perguntei-lhe quem é o Domingos da Cruz e se ele é preto. O especialista respondeu-me que sim, que é preto e bem-falante”.

Prosseguindo, o especialista João Pedro disse ao seu interlocutor que “os jovens já tinham falado com elementos das Forças Armadas Angolanas para que, no acto do golpe, estes assumissem uma posição neutra”.Alberto Neto afirma ainda ter ouvido dos seus interrogadores que os jovens tinham um plano de acção de queima de pneus para causar instabilidade em todo o país.

“Também me disseram que os jovens já tinham uma lista de dirigentes para substituir o presidente da República, no caso o [José] Kalupeteka [líder da seita religiosa recentemente massacrada no Huambo e detido desde Abril]. O [rapper] Luaty Beirão seria o Procurador-Geral da República”, explica.Incrédulo, Alberto Neto diz ter perguntado aos agentes do Estado se estes “acreditavam no que estavam a dizer e eles reafirmaram que sim”.

“Sobre as perguntas que me colocaram, respondi que conheço alguns dos jovens e que são bem-vindos em minha casa. Muitas vezes as zungueiras que são espancadas pela polícia refugiam-se em minha casa e eu protejo-as. É meu dever e são bem-vindas”, reafirma o político.

“Eu disse-lhes que a estória do golpe de Estado é uma anedota”, enfatiza.

“Procurei saber também quando é que os indivíduos serão soltos. Disseram-me apenas que a delegação ficaria mais uma semana em Lisboa, para consultas médicas”, diz Alberto Neto.

O político afirma ter informado previamente as autoridades portuguesas e a embaixadora sueca em Lisboa dessa diligência do Estado angolano, porque “nunca se sabe”.

Alberto Neto reafirma, mais uma vez, que a iniciativa de contacto foi sua, “e agradeço ao ministro por ter autorizado a vinda deles”.No dia seguinte, a 7 de Agosto, a delegação da PGR e do SIC reuniu-se novamente com Alberto Neto, na Culturgest.

“Trouxeram-me o auto de declarações para eu assinar e disseram-me que não me poderiam dar uma cópia porque o interrogatório foi realizado em território estrangeiro e, por isso, era ilegal. Queriam que eu assinasse como se o interrogatório tivesse sido realizado em Luanda”, revela.“Explicaram-me que não podiam enviar cartas rogatórias às entidades suecas ou portuguesas porque, do ponto de vista do direito internacional, o que estavam a fazer era ilegal.”

“Tanto o Dr. Luciano Chaca como o especialista João Pedro reiteraram que estavam a cometer um acto ilegal à luz do direito internacional, e, por isso, não poderiam assumir que me estavam a interrogar em Lisboa, num país estrangeiro”, esclarece.O político e jurista lamenta não ter recebido uma cópia do seu auto de declarações pelos argumentos acima produzidos por parte dos membros da delegação da PGR e SIC.

Homem livreSobre as reuniões realizadas pelos jovens no interior da sua residência, Alberto Neto justifica não ter sido necessário qualquer pedido formal. Nos anexos da sua residência funciona o seu Instituto Luandense de Língua e Informática.

“Se eu estivesse em Luanda, teria permitido os encontros à mesma. Quem me pode impedir de receber quem quer que seja em minha casa? Com 72 anos, não tenho de responder a esse tipo de perguntas. Sou um homem livre”, remata o político.