Lisboa - O activista angolano Rafael Marques considerou esta quinta-feira, 17 de Setembro, que Angola copia as práticas do regime do "apartheid" (segregação racial) sul-africano e da antiga polícia política portuguesa para exercer o poder no país.

Fonte: Lusa

"O caso dos jovens (acusados de tentativa de golpe de Estado) e o caso de José Marcos Mavungo (condenado a seis anos de prisão), são práticas de invenção e de enredos para colocar políticos ou activistas na cadeia. São um decalque do muito do que se fez na África do Sul durante muito tempo no regime do 'apartheid'", disse, em entrevista à Lusa.

Segundo o activista, estes casos "superam até o que a própria PIDE (ex-polícia política portuguesa) fazia, porque (na altura) tinha de haver um nexo para um indivíduo ser acusado de um crime e em Angola não é necessário este nexo".

O activista angolano, que se encontra em Portugal para um debate organizado pela Amnistia Internacional, sublinhou que não se pode comparar o antigo regime da África do Sul porque obedecia a lógicas de sistematização contínuas, mas acusa Angola de "copiar métodos brutais que justificam a manutenção do poder aplicados de forma arbitrária", como foi a prática da inclusão da raça no bilhete de identidade.

"Depois da queda do regime do 'apartheid' (1994), o único país do mundo que introduziu a raça para classificar os seus cidadãos foi Angola. Até há pouco tempo, nós angolanos tínhamos a raça no Bilhete de Identidade e aos dirigentes era permitido escolher a sua raça. O dirigente tinha o poder de dizer que queria ser negro, mestiço, ou branco, como bem lhe aprouvesse e os outros eram classificados de forma arbitrária", recordou Rafael Marques.

O activista considerou ainda que a actual "vaga repressiva" e de supressão de direitos está a virar-se contra o próprio poder.

"Em Novembro, vamos celebrar 40 anos de independência e a ironia é que vamos celebrar clamando pela liberdade que sempre foi negada aos angolanos e o Governo - neste caso o Presidente da República - está a fazer tudo para que os angolanos despertem a consciência social de uma forma mais acelerada", referiu.

"Em Angola o regime funciona por via de um triângulo: a corrupção, a repressão e a propaganda. A propaganda, com as redes sociais, deixou de ter efeito, só o regime ouve a sua própria propaganda. A corrupção, com a crise do petróleo, com o saque desenfreado e o esbanjamento dos fundos públicos também perdeu o seu efeito. Fica a repressão. Mas, neste momento o que notamos é que também a repressão está a perder o seu efeito", considerou Rafael Marques.

O activista angolano foi condenado, em Maio, em Angola, a seis meses de prisão com pena suspensa durante dois anos, na sequência de denúncias de violações de direitos humanos feitas no livro "Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola".

O caso encontra-se em fase de recurso nos tribunais angolanos.

Rafael Marques participa numa conversa aberta sobre Angola, na sexta-feira, em Lisboa, organizada pela Amnistia Internacional, que vai decorrer na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em que participam a eurodeputada Ana Gomes e o escritor angolano José Eduardo Agualusa.