Luanda - “Os defensores dos direitos do homem, que também fazem um excelente trabalho de sensibilização na sociedade civil, devem esforçar-se para se distinguirem dos activistas políticos, disse o representante permanente (de Angola) junto dos escritórios da ONU em Genebra. Os activistas políticos, disse o diplomata, têm objectivos claramente definidos, criando por vezes desordem que provoca instabilidade e colocam em causa as instituições democráticas em fase de consolidação” (Jornal de Angola – 16/09/2015).

Fonte: Publico

Esta distinção entre defensores dos direitos humanos – úteis para a sensibilização – e activistas políticos – causadores da instabilidade – é bem esclarecedora da forma como é entendia a vida em democracia pelas autoridades angolanas.

Na verdade, os defensores dos direitos humanos em Angola quando estiverem só a sensibilizar – eventualmente através de experiência telepáticas – são bem aceites mas se começarem a actuar, isto é, se entrarem em actividade passam a activistas políticos e quanto a esses, não pode haver contemplações.

José Marcos Mavungo é um activista dos direitos humanos angolano e, por isso mesmo não é bem aceite pelas autoridades. O seu problema parece ser não se ter esforçado suficientemente para se distinguir dos activistas políticos, como preconizava sensatamente o citado diplomata angolano.

“Preso desde 14 de Marc¸o de 2015, por tentar organizar um protesto contra a ma´ governac¸a~o e as violac¸o~es de direitos humanos na provi´ncia de Cabinda”, como refere a eurodeputada Ana Gomes no relatório da sua visita a Luanda entre 26 de Julho e 2 de Agosto do corrente ano, Marcos Mavungo foi condenado, na passada segunda-feira, a seis anos de prisão pelo crime de rebelião previsto na lei angolana nos seguintes termos: “Quem, por meio ili´cito, executar qualquer acto tendente a, directa ou indirectamente, alterar, no todo ou em parte, a Constituic¸a~o da Repu´blica de Angola e subverter as instituic¸o~es do Estado por ela estabelecidas, e´ punido com pena de prisa~o de 3 a 12 anos” . Como é evidente, as expressões “qualquer acto”, “tendente”, “directamente ou indirectamente”, “alterar”, “no todo ou em parte” ou “subverter” permitem – com a necessária boa vontade... – enquadrar neste crime, desde a mera expressão de uma opinião discordante até ao bombardeamento aéreo de uma qualquer cidade.

No caso de Marcos Mavungo, nas palavras do seu advogado Francisco Luemba, um dos principais factos que caracterizariam a actuação criminosa do seu constituinte, segundo a acusação, eram “determinados panfletos que foram - segundo se diz - encontrados na via pública, e cuja autoria e até distribuição é imputada ao arguido, quando não há qualquer, digamos assim, nexo material que permita imputar a autoria e a distribuição desses panfletos ao arguido Marcos Mavungo”. Teria também sido encontrado material explosivo que, segundo as autoridades angolanas, pertenceria a Marcos Mavungo e se destinava a fins subversivos. Segundo o advogado, nenhumas provas foram apresentadas em julgamento quanto a esta acusação. Mas, como referira o mesmo advogado, ainda antes do julgamento: "todos estes processos fundamentam-se em ordens superiores, iniciam-se em obediência a ordens superiores, desenvolvem-se à sombra de ordens superiores e o seu desfecho, também depende em grande parte do sentido e da insistência ou não nessas ordens superiores".

Uma expressiva caracterização da independência do poder judicial angolano quando estão em causa activistas políticos. Sendo certo que não são precisas ordens superiores para serem proferidas sentenças humana e juridicamente aberrantes. Os juízes dos nossos tribunais plenários do tempo da ditadura compraziam-se na condenação dos nossos activistas políticos sem necessidade de quaisquer ordens superiores.

Para diversas organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, como a Amnistia Internacional e a Comissão Internacional de Juristas, esta condenação e a pena de seis anos de prisão imposta a José Marcos Mavungo constituem “um travesti de justiça e uma flagrante violação da liberdade de expressão”. Para o Parlamento Europeu, que no passado dia 10 aprovara uma resolução em que manifestava a sua preocupação com o "rápido agravamento" da situação dos direitos humanos, liberdades fundamentais e espaço democrático em Angola, com os "graves abusos por parte das forças de segurança e a falta de independência do sistema judicial", esta sentença mais não é do que a confirmação da ausência de liberdade de expressão em Angola e da falta de democraticidade do regime político angolano.

Para nós portugueses, que assistimos durante tantos anos – em ditadura – à condenações de defensores dos direitos humanos/activistas políticos por subversão e distribuição de panfletos, o que se vive em Angola neste domínio é profundamente revoltante.