Luanda - O artigo é um extrato e uma reflexão do discurso da politóloga Glória Alvarez, líder do Movimento Nacional da Cidadania na Guatemala sobre o Populismo versus a República, efetuado o ano passado na reunião do Parlamento Latino ­Americano. Ela defende e propõe que o Populismo só pode ser desmantelado através do uso massivo das tecnologias de informação e comunicação para o resgate da República.

Fonte: Club-k.net

A discussão de sermos da esquerda ou da direita, do partido A ou partido B, é mais usada pelos populistas do que pelas pessoas que tentam a todo custo resgatar e preservar as instituições da República. Porque o Populismo se encarrega em primeiro lugar de desmantelar e destruir gradualmente as instituições da República, reescreve a Constituição e forja leis de modo que possa acomodar os diferentes interesses e desejos de líderes repressivos e corruptos.

O Populismo não chega lá onde chega por acaso ou “solo.” No seu percurso sacrifica vidas, humilha e exclui cidadãos, diaboliza adversários, empobrece famílias e comunidades, reprimi as liberdades e impõe a cultura do terror, medo e do culto de personalidade do líder. Por isso é o dever de todo e qualquer cidadão não importa se é da esquerda ou da direita, partido ou A ou partido B, denunciar as atrocidades cometidas pelo Populismo contra as instituições da República e a Constituição. É importante reconhecer o trabalho ruim dos sistemas de governação anterior que conduziu à crise absoluta e obsoleta de indivíduos e populações inteiras que no desespero da sua existência e aspirações viram­-se para certos líderes que usam, manipulam e corrompem meios democráticos como as eleições para justificarem a sua permanência indefinida no poder.

Neste sentido, a discussão não deve ser simplificada entre a esquerda e direita, partido A e B mas sim o Populismo versus a República. Porque a República é realmente o único garante da existência e efetividade das instituições e afirmação da cidadania. A vocação do Populismo é puramente usurpar, açambarcar, manipular e destruir, as instituições da República em benefício do líder e dos militantes do partido que governa.

Os filósofos Gregos como Sócrates e Aristóteles, detetaram defeitos e insuficiências na própria Democracia e viram que existem três direitos fundamentais, inalienáveis e invioláveis para cada ser humano que hoje o Populismo nega, viola e destrói:

  1. A nossa Vida, através da qual podemos sonhar, planificar, exercer e implementar os nossos projetos;
  2. As nossas liberdades, através das quais podemos pensar e expressar livremente, negociar, trabalhar, mobilizar, agarrar à crença daquilo que é a nossa preferência e escolha e, assim, podermos expressar as nossas opções religiosas e políticas e do tipo de Governação que queremos;
  3. A nossa Propriedade privada que começa com o nosso Corpo, a Nossa Vida e Sua Integridade Física que não pode ser violada nem violentada. E esta propriedade privada são todas as coisas que definem o nosso ser e nossa existência como humanos desde o dia que nascemos até o dia que morremos.

A verdade é que estes três direitos podem e devem existir em cada ser humano sem necessariamente impedir esses mesmos direitos em outra pessoa. Não é preciso discriminar, marginalizar, excluir, prender e eliminar a outra pessoa para usufruirmos destes direitos ou o que os mesmos sejam mais respeitados e garantidos.

Independentemente das ideologias políticas e opções partidárias, sejamos da direita ou esquerda, temos de reconhecer que o Populismo está a tornar­se num cancro político e social que necessita de uma intervenção cirúrgica moderna e apropriada. Existe a necessidade urgente de debate e discussão livre a aberta. A constituição da República concede todos os cidadãos direitos, liberdades, segurança e proteção mas não define nem decide quem é que tem de perder alguns destes direitos e liberdades para que os outros que não possuem absolutamente nenhuns possam ter alguns. Por exemplo quando num país existe uma minoria de pessoas super­ privilegiadas, nacionais e estrangeiros, que se dão ao luxo de terem água ao excesso que dá para lavarem os seus quintais, carros e regarem os seus jardins com água de abastecimento público e outros cidadãos nem sequer água para beberem têm, algo fundamental está errado e deturpado com o conceito ideológico e político de governação.

O único documento de consenso nacional que consagra e dá aos cidadãos direitos e liberdades é a Constituição da República, mas o Populismo retira estes mesmos direitos e liberdades forjando outras leis repressivas e impondo práticas para contrapor a Constituição. Numa República todos são cidadãos e legítimos proprietários da mesma. Mas no Populismo só são cidadãos e só têm direitos aqueles que defendem os interesses e agradam a vontade do líder. Na consciência míope e deturpada do Populismo o líder está acima da República e da Constituição, ele/ela é a República e a Constituição e sem ele/ela estes não existem.

Para Glória Alvarez, o Populismo é como “um atalho pelo qual se brinca com as paixões, os sentimentos e as esperanças do povo, com promessas impossíveis que nunca são cumpridas nem cobradas. O Populismo aproveita ­se da miséria, pobreza, ignorância e desgraça das pessoas, deixando de fora toda razão e lógica no processo de tomada de decisão. O Populismo é na sua essência brincar com os sentimentos e as necessidades do povo e transformá­-los em mendigos e inúteis perpétuos. Os filósofos gregos entenderam isto muito bem e definiram três tipos de Governo:

  1. A Monarquia que se degenera facilmente numa Ditadura;
  2. A Aristocracia que se degenera facilmente numa Oligarquia;
  3. A Democracia que se degenera facilmente numa Demagogia.

Então, ou temos uma Democracia verdadeira com todas as suas regras, valores e princípios ou não temos nada. Porque quando a Democracia é manipulada, deturpada e de conveniência, onde só são aceites algumas regras e não todas ela degenera­ se numa autêntica Demagogia,

Quando os filósofos gregos viram as deficiências e insuficiências destes três tipos de Governo, a Monarquia que se degenera numa Ditadura, a Aristocracia que se degenera numa Oligarquia e a Democracia que se degenera numa Demagogia, perceberam que o conceito da República era a resposta mais adequada contra estes vícios, porque nela contem as três instituições que coexistem independente e inter­dependentemente e todas submissas à Constituição: 

     1. A Monarquia sob a forma do Presidente;

  1. A Aristocracia sob a forma do Parlamento;
  2. A Democracia com o estado de direito, em que os órgãos de justiça são totalmente independentes e imparciais para serem o garante legalidade, dos direitos e liberdades dos cidadãos e veículo da comunicação e expressão dos mesmos.

A República anula todos os vícios e interesses de qualquer uma das três formas de Governo (Monarquia, Aristocracia, e Democracia) para poder construir o Grupo das três instituições da República (Presidente, Parlamento e Sistema de Justiça) que o Populismo está a todo custo tentar capitular e destruir. No Populismo o líder e o grupo de pessoas à sua volta forjam e fabricam leis e estas nunca são feitas contra os seus interesses pessoais ou de grupo. O Populismo cria sistemas e instituições de controlos absolutos de todas as pessoas e todos os espaços, porque não confia ninguém e tem receio de tudo e de todos. No Populismo o país é visto como uma propriedade e direito dos que governam.

Como é que os cidadãos conscientes dos princípios e valores da República podem desfazer­ se do Populismo e de todos os seus vícios e todas sequelas políticas, económicas e sociais? Glória Alvarez propõe que no mundo moderno, o uso massivo das tecnologias de informação e comunicação são os únicos instrumentos disponíveis e eficazes para desmantelar o Populismo que cada vez se torna violento e brutal contra qualquer pensamento Republicano. Não se pode falar de desenvolvimento económico e mudanças sociais quando a grande maioria da população encontra­ se na indigência do subdesenvolvimento e do analfabetismo.

As novas ferramentas tecnológicas não podem ser a exclusividade, o privilégio e monopólio duma minoria, mas sim um direito de todos os cidadãos para que o país possa ter um crescimento e desenvolvimento sustentável que produz transformação social. Sem educação, e sem acesso às tecnologias de informação e comunicação o povo nunca poderá participar, contribuir e competir no mundo globalizado.

O Populismo raptou, afetou, infetou e severamente paralisou Parlamentos que perderam toda legitimidade em representarem e falarem em nome do Povo. Os Parlamentos foram transformados em instrumentos de legitimação das ilegalidades dos líderes repressivos e corruptos. Os Parlamento deixaram de ser verdadeiras instituições da República que garantem, promovem e defendem a pluralidade do pensamento, da razão e da lógica e acima de tudo os interesses sagrados dos cidadãos. O Parlamento como o espaço legítimo da representação popular não pode permitir que as imposições e os interesses do Populismo se tornem leis e brutalmente violem a República e sua Constituição.

O Populismo não permite que a força da razão e lógica sejam aceites no Parlamento, mas somente a razão e a lógica da força de quem ganhou, manda e controla o poder. No Populismo a importância e validade da razão e lógica dos argumentos não são consideradas nem respeitadas mas especializa­ se no levantamento das paixões e sentimentos como a forma mais “barata” da manipulação da consciência do povo.

Os povos que vivem e sofrem as influências do Populismo devem resistir para que as suas paixões, seus sentimentos, seu empobrecimento não sejam usados pelo Populismo na perpetuação do poder político e corrupção. O Povo deve começar a desenvolver a paixão pela educação que é crítica ao pensamento estabelecido, formação e conhecimentos adequados como instrumentos para sua emancipação. Enquanto o Populismo acredita que as pessoas não são capazes ou dignas de governarem as suas próprias vidas, a educação, formação e o conhecimento afirmam e confirmam que sim, são capazes. E nunca se pode esperar um cidadão própria e livremente educado e formado ser apático, mas o contrário sim.

Glória Alvarez diz que no Movimento Nacional de Guatemala certificaram que “o Populismo ama muito os pobres que os multiplica sempre; a pobreza nunca acaba, não pode acabar porque é um expediente e uma conveniência necessária de sobrevivência política do próprio Populismo. Quanto mais pobres existirem melhores são as “chances” de propaganda do Populismo sobreviver. O Populismo quer a continuação desta miséria, pobreza, ignorância e do analfabetismo para uma fácil manipulação das paixões e dos sentimentos do povo, e continuar a receber o voto através de grandes doações materiais aos pobres.

O Populismo está impregnado em todas as ideologias políticas, de esquerda ou direita e em todos os partidos políticos A ou B. O seu discurso é sempre: “aqueles sãos os maus nós é que somos os bons”, “Você está errado eu é que estou certo”, “Você está mal porque a culpa é deles”. O Populismo está sempre a procura dum culpado, “bode expiatório” para justificar as suas falhas, deficiências e erros. Uma das maiores fraquezas do Populismo é a sua falta de capacidade, honestidade e coragem de fazer um auto exame e uma autocrítica, porque vive na ilusão e demagogia que está sempre certo e são os outros que estão errados e sempre contra nós.

No Populismo os cidadãos são convenientemente manipulados e jogados uns contra os outros brincando com os seus sentimentos e paixões. O Populismo acredita que a manipulação da verdade e a fabricação da mentira são estratégias necessárias de sobrevivência política e não de consciência porque acredita que “o fim justifica os meios”. O Populismo sustenta­se na existência da ignorância, alfabetismo, desvantagem intelectual e pobreza económica das pessoas. É aí onde existe a veia de sangue que o sustenta e mantém vivo.

As pessoas dentro da República partilham sonhos, esperanças, valores e precisam de espaços comuns que são construídos com a força da lógica e razão e do pensamento livre. A construção e proteção da República é a única garantia do exercício da cidadania participativa e reivindicativa. A República trata todas pessoas como cidadãos iguais e a Constituição afirma, confirma e sustenta este princípio e valor, mas o Populismo diz o contrário porque acredita que uns são mais cidadãos do que os outros.

Então, qual é o final de todos que acreditam na República e na Constituição?

 *Elias Mateus Isaac, Diretor, Fundação Open Society­-Angola