Luanda - Dizia um velho amigo que por detrás de qualquer fortuna há quase sempre sangue ou lágrimas de pessoas inocentes que, de uma forma ou de outra, tiveram que ser sacrificadas para que alguém pudesse montar a sua fortuna. Para ele, sempre que alguém acumula porções infinitas de bens, muitas pessoas ficam com menos bens. Pois que, pelo facto dos bens serem sempre escassos, a “lei da selva” em que vivemos, nos dias de hoje, faz com que os mais fortes se apoderem das porções que seriam dos mais fracos. Para ele a lógica natural é que todos os homens tivessem o mínimo para a satisfação das suas necessidades básicas. Afinal, tal como o ar, o vento, o sol, a água e a terra estão disponíveis para todos os seres humanos, assim também deveria ser o acesso aos alimentos e outros bens essenciais para a vida humana. Mas, a vida real não funciona assim, infelizmente.

Fonte: Club-k.net

No entanto, existem pessoas íntegras com grandes habilidades para os negócios e com uma gestão parcimoniosa e capitalista chegam ao enriquecimento. Não há pecado algum em ser‐se rico. A questão fulcral é saber a proveniência e a génesis da riqueza: Quais foram os primeiros passos para que pudessemos ser ricos? Qual é a proveniência do capital inicial? É claro que nem todo o capital é proveniente de desvios ou apropriação ilícita de bens alheios. O problema é que devido à perda dos valores em relação ao que é minimimamente correcto, perdeu‐se a vergonha para se olhar e questionar aquilo que não é certo. Se a fortuna foi conseguida por meio de facilidades por termos conhecidos ou familiares, é ilícita. Se foi por meio de um trabalho conseguido graças a um concurso público viciado ou que jogou a nosso favor por termos alguém na “cozinha”, também é ilícita. Se foi por sobrefacturação, também é ilícita.

Em países onde existe preocupação em velar‐se pela lisura e transparência, muitas das fontes de enriquecimento em Angola já teriam dado azo a prisões e até mesmo a confisco de muitos desses bens.

Portanto, estamos entendidos que o enriquecimento por meios ilícitos é crime e, sempre que houver um crime a legalidade deve ser reposta e os prevaricadores devem ser punidos. Agora há aqui uma questão chave na qual devemos reflectir: Quantas pessoas iriam responder perante a justiça, em Angola, se se fosse investigar a origem de muitas das fortunas que vemos no país? Atrevo‐me a dizer que talvez 95% das fortunas na nossa banda são questionáveis. Agora, o que fazer?

É verdade que, neste momento, o nosso sistema judicial é fraco e não se vislumbra que, num futuro próximo, possamos ter alguma mudança, mas não devemos menosprezá‐lo. A justiça e a verdade sempre triunfam contra a injustiça e o mal. Por isso é importante que a sociedade comece a preparar‐se e a questionar‐se sobre que tipo de medidas a tomar se eventualmente chegarmos a um ponto em que é necessário julgar e punir aqueles que foram “colocando as mãos” em dinheiros de todos nós, aqueles que andaram a usar de influências e “padrinhos” para subirem degraus. Aqueles que pedem comissões para as grandes empreitadas do país que agora se degradam num ritmo acelerado por causa da má qualidade do material usado: desapropriação, julgamentos e prisões?

Alguns cidadãos, com razão, talvez estejam ávidos de ver a justiça agir desta forma. Mas eu sou daqueles que pensa de forma diferente. Devido ao elevado número de empresas e indíviduos que eventualmente teriam que prestar contas à justiça, o país pararia. Muitos iriam perder os seus empregos e os índices de pobreza seriam ainda maiores, uma vez que muitas empresas teriam que fechar as suas portas. Devemos criar algo parecido à amnistia para os crimes económicos que têm atrasado o bem‐ estar da maioria dos angolanos nos dias de hoje. Como país, precisamos de chegar a um ponto de se dar um BASTA às facilidades, às comissões nas aquisições públicas e nas obras de construção e reabilitação de infrastruturas. Tem que se ser duro com a impunidade e a lei de probidade tem que sair do papel para a prática. O chamamento aqui é para um “novo contrato social” e todos os que insistirem nas práticas do passados deverão ser punidos de forma exemplar. Deveremos promover a competência e a meritocracia, combater o nepotismo e o tráfico de influências. A meritocracia deve ser o pano dominante do sistema e não devemos dar‐nos ao luxo de permitir que somente os técnicos afiliados ao partido que governa (ou venha a governar) tenham ascenssão aos cargos chave da função pública.

O país perde muito com o actual quadro de aproveitamento dos recursos humanos. Há muitos quadros competentes que não querem qualquer ligação à política ou aos partidos políticos.

O país será colocado em primeiro lugar quando ser angolano for mais importante do que estar afiliado ao partido A ou B. Quando a bajulação e a graxa forem consideradas como contra indicação à apresentação de soluções alternativas. Quando as instituições forem mais fortes do que os dirigentes e o partido político que governa (ou venha a governar) o país.

Questões de reflexão: Será que é possível com os actuais dirigentes garantir‐se esse novo contrato social? Ou esse novo começo deve, necessariamente, implicar a instauração e o aparecimento de novos dirigentes, novos juízes?