Luanda - A Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, aprovada recentemente pela Assembleia Nacional, no âmbito da reforma da Justiça e do Direito em curso em Angola, regula os prazos da prisão preventiva, que ocorre desde o momento em que se decreta a prisão a um suposto criminoso até a condenação em primeira instância.

Fonte: Angop
A explicação é do membro da Comissão da Reforma da Justiça e do Direito, Mota Liz, segundo o qual a Lei da Prisão Preventiva que foi revogada tinha prazos que regulavam só a prisão preventiva em instrução preparatória.

Explicou à Angop que sempre que para o processo fosse requerida a instrução contraditória, na fase judicial, surgiam outros prazos não regulados pelo anterior diploma legal, mas que estava expresso de forma ambígua no Código do Processo Penal (também está a ser trabalhado para a sua revogação).

“Devido a antiguidade do Código do Processo Penal, o país precisa de um novo Código Penal, pois não responde às necessidades e demanda dos cidadãos e da própria Constituição da República, aprovada em 2010, havendo necessidade de se conformar os diplomas legais à Lei Magna”, referiu.

De acordo com Mota Liz, a Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal procurou regular e condensar todos os prazos para serem melhor aplicados e adequá-los desde o momento do cidadão ir preso até a condenação em primeira instância.

Por outro lado, fixou este prazo em quatro meses de prisão, o que significa que neste período o Ministério Público tem de ter a capacidade de dizer ao cidadão qual é a sua acusação e a mesma ser introduzida em Tribunal, com a excepção dos prazos serem alargados por mais dois meses para casos de criminalidade complexa.

Mota Liz explicou que esta Lei fixa um prazo máximo de seis meses até o cidadão ter o despacho de pronúncia, que é uma peça processual em que o juiz da causa vai se pronunciar se um determinado cidadão cometeu ou não o crime de que vem acusado.

“Esta é uma primeira apreciação de que se aceita a acusação que o Ministério Público faz e verifica se há elementos suficientes para aquele cidadão ser acusado de ter cometido um determinado crime”, sublinhou.

De acordo com o interlocutor da Angop, este é um pré - juízo que o cidadão acusado por ter cometido um determinado crime. Até esta fase, o prazo máximo que o cidadão pode sofrer é de seis meses e a Lei fixou um prazo geral que vai até a condenação, o qual está estabelecido no artigo 40º, que vai até 12 meses.

O anterior diploma também estabelecia este mesmo prazo, mas a Lei aqui traz várias inovações, e a revisão destes novos prazos que vão até 12 meses com despachos fundamentados .

Vantagens da nova lei

Mota Liz apontou como uma das vantagens da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, publicada na I Sério do Diário da República de 18 de Setembro do ano em curso, o estabelecimento de novos princípios, em que a prisão preventiva é excepcional, assim como traz um conjunto de medidas de coação pessoal enquanto medidas cautelares que não se resumem só a prisão preventiva.

Na Lei revogada, a prisão preventiva era a medida cautelar aplicada, enquanto que no actual diploma a prisão constitui o último recurso, pois criou uma série de medidas autónomas que podem ser aplicadas autonomamente ou colectivamente, sem recorrer necessariamente a prisão.

Explicou que só em casos excepcionais, em que estejam em jogo os interesses do processo, como perigo de perturbação de ordem pública e a segurança da Nação, pode ser decretada a prisão preventiva. Referiu que nestes casos, o Despacho do Ministério Público terá de ir sempre fundamentado.

A nova Lei apresenta como uma das medidas de coação autónoma o termo de identidade de residência para os casos em que sejam cometidos crimes de pouca gravidade o cidadão pode ser localizado através da sua residência, e que o mesmo é proibido de ausentar-se da localidade de residência, ou seja obrigado a se apresentar periodicamente às autoridades judiciais.

O diploma realça que em caso de deslocação para o exterior do país não há qualquer interdição, devendo apenas o cidadão em causa anunciar às autoridades que se irá ausentar por um determinado período.

Há, contudo, outra medida que é a interdição de saída do país, caso o magistrado entender que ao se ausentar pode haver fuga, sendo feita uma comunicação às autoridades competentes no controlo de fronteiras.

A caução também pode ser uma medida de coação autónoma, tendo também surgido uma medida nova que é a prisão domiciliária, em que o cidadão durante o período de investigação é vigiado pelas autoridades policiais ou por meios electrónicos permitidos por Lei.

Mota Liz explicou que “há meios técnicos no mundo que permitem esta vigilância e em Angola se aplicará caso seja necessário, quando se tiver capacidade de usar estes meios permitidos por lei”.

De acordo com o diploma legal, só quando todas estas medidas se mostrarem insuficientes ou inapropriadas se aplica a prisão preventiva, como último recurso, ou quando as autoridades judiciais entendam que o caso representa perigo para a liberdade e a ordem pública ou afecte o interesse do processo no esclarecimento dos factos de que o cidadão é imputado.

Os magistrados terão de obedecer a essas novas normas da prisão preventiva, obedecendo a necessidade de coação, sendo as medidas aplicadas só em caso de necessidade. As medidas mais gravosas só devem ser aplicadas se não suficientes ou adequadas às medidas menos gravosas.

Diferenças entre detenção e condenação

Outra importante medida desta Lei é que separa a detenção da prisão preventiva, sendo a detenção uma figura que representa a privação da liberdade quando um agente detém um cidadão na rua em flagrante delito, não ainda prisão preventiva, nem é uma medida de coação pessoal ou uma medida cautelar.

Na Lei revogada no regime antigo, na Lei 18 A/92 (Lei da Prisão Preventiva), os agentes da autoridade que prendessem alguém tinham a faculdade de apresentar ao magistrado o caso, até ao 5º dia, enquanto que a nova Lei estabelece o prazo máximo da detenção em 48 horas.

No novo diploma, que entrará em vigor em Dezembro do ano em curso, no prazo de 48 horas, o agente da autoridade que prender um suposto criminoso terá de apresentá-lo ao magistrado do Ministério Público para o interrogar e determinar se deve ser aplicado uma medida de coação ou não.

Em caso de medida de coação, o cidadão ou o seu advogado têm a competência de pedir ao juiz que reaprecie aquela medida, em caso de discordar das mesma.

De acordo com Mota Liz, neste casos o juiz competente da jurisdição onde for cometido o crime reaprecia o processo para determinar a validade da medidas de coação aplicadas pelo magistrado do Ministério Publico, assim como averiguar na verdade se o cidadão acusado cometeu o crime de que é acusado.

Nesta conformidade, o juiz vai em primeira instância ver se existem condições legais para aplicação de uma determinada medida de coação, e caso houver a mesma se mantém e caso contrário a mesma é anulada e o cidadão é posto em liberdade.

Lei da Organização dos Tribunais

Apontou como outro diploma importante que já foi aprovado no âmbito da Reforma da Justiça e do Direito, a Lei da Organização dos Tribunais de Jurisdição Comum. Este diploma legal procura estabelecer um novo modelo organizacional de reestruturação, implantação e funcionamento dos tribunais de jurisdição comum nos quais não estão inclusos o Tribunal Constitucional, o Tribunal Militar e de Contas que constituem outra natureza de tribunais.

Explicou que os tribunais de jurisdição comum surgem no âmbito da lei que vigorou até hoje a qual tem no topo o Tribunal Supremo e tem outros tribunais provinciais pois existia um tribunal provincial em cada província com excepção de Benguela que tem dois (Benguela e Lobito) e na base existiam os tribunais municipais de competência limitada.

Com a nova lei procura-se estabelecer os tribunais de comarca como tribunais de base que poderão congregar um ou mais municípios os quais serão em maior numero e vão ter uma série de competências determinadas na lei que poderão abranger o território de um ou mais municípios. Depois dos tribunais de comarca logo a seguir na sua hierarquia criou-se uma jurisdição intermédia antes do Tribunal Supremo.


Segundo Mota Liz, hoje as decisões do tribunal de província vêm directamente para o Tribunal de topo ( tribunal Supremo que é o mais alto ) mas o que acontecia na pratica é que o volume de processos que era remetido a esta instância era muito elevado tornando a resposta demorada e por vezes se cometiam injustiças devido aos longos prazos na solução de determinados casos.

“O legislador no âmbito da estratégia da reforma criou tribunais intermédios que são Tribunais de Relação que são imediatamente superiores depois dos tribunais de comarca que são os de base” , explicou.

O recurso das decisões tomadas pelos tribunais de comarca caiem em primeira mão nos tribunais de relação com a excepção de um ou outro caso e que as decisões em que haja recurso seja remetido directamente ao Tribunal Supremo, segundo a gravidade do mesmo.

De acordo com o membro da comissão da reforma da Justiça e do direito, com esta medida vai haver uma espécie de filtro diminuindo a quantidade de processos que sobem para o Tribunal Supremo para sua revisão.

Com este pressuposto, a reposta das decisões de recursos vai ser mais célere e melhor elaborada e em primeiro lugar os Tribunais de Comarca irão aproximar a justiça do cidadão, realçou.

Ao mesmo tempo vai permitir criar mecanismos de revisões por parte de instâncias próximas ao cidadão que são os tribunais de relação, cabendo ao Tribunal Supremo as decisões mais complexas que têm que ver com a interpretação da lei e do direito.