Brasil - Alípio de Freitas, nome mítico da resistência à ditadura militar no Brasil, fundador das "Ligas Camponesas", preso e torturado pela ditadura brasileira, escreveu uma carta aberta ao Presidente angolano José Eduardo dos Santos, que esta a ser objecto de leitura obrigatória nas redes sociais:

Fonte: Club-k.net

Carta aberta ao Presidente de Angola


Senhor Presidente:

Ao mandar prender Luaty Beirão e os 14 ativistas, que estão até agora encarcerados sem culpa formada, não devia saber que um homem se quiser pode resistir e sobreviver vitoriosamente a qualquer forma de opressão.

Não devia saber porque se esqueceu. Esqueceu que já foi jovem, que já lutou por ideais. Ideais de liberdade de democracia e bem-estar social. Esqueceu tudo porque infelizmente o seu país é o exemplo contrário de tudo isto. É uma ditadura cruel, um valhacouto de ladrões, uma associação de interesses mesquinhos, melhor dizendo, um país sem povo. Quem lho afirma é alguém que durante dez anos esteve preso, sobreviveu às greves de fome e à tortura. Esta é a afirmação de um homem que esteve disposto a morrer por aquilo em que acreditava. E digo-lhe que um homem pode ser triturado pela máquina do terror que a sua condição de homem sobrevive, pois todo o homem pode manter-se vivo enquanto resistir.

A luta dos jovens angolanos é um libelo contra a opressão como forma de vida política, contra o silêncio das mordaças, contra todos os processos de aviltamento dos seres humanos, contra a corrupção ideológica. A luta dos jovens angolanos é a constatação de como o arbítrio avilta os indivíduos e as instituições, corrompendo-os pelo abuso do poder, pela falsa certeza da impunidade, pela imposição imoral de uma vontade sem limites, pelo silêncio indigno, pela conivência criminosa, pela omissão filha do medo, em que o silêncio do terror tem que ser aceito como paz social.

Se me atrevo a dizer-lhe tudo isto é porque Angola fez parte do meu ideário político e das minhas preocupações revolucionárias e muitos revolucionários angolanos foram meus amigos. Quando parti de Portugal para o Brasil devia ter partido para Angola, mas já nesse tempo as condições da minha ida não foram possíveis, devido às minhas ligações com a resistência angolana. No Brasil, colaborei com a resistência angolana e fui seguindo os seus passos como pude a té porque eu já estava umbilicalmente ligado à resistência brasileira. Mesmo assim, à minha única filha, coloquei o nome de Luanda.

Senhor Presidente, é tempo de não se deixar enredar por intrigas palacianas, por intrigantes gananciosos, por saqueadores de todo o tipo. Quando esse saque acabar o único responsável será o senhor. Se tiver ainda um momento de reflexão possível recorde-se dos seus tempos de jovem quando a revolução do seu país lhe ocupava a sua força, a sua inteligência e todas as suas capacidades. O tempo em que provavelmente era feliz.


Como sabe, o poder tanto pode chegar aos que dele abusarão como àqueles que o usarão com legitimidade a favor dos seus povos. Mas só os poderosos podem ser magnânimos, cometer actos que aos outros mortais não são possíveis Tem agora tempo de ser magnânimo: retire os presos da prisão, ouça-os e depois peça-lhes desculpa. Eles merecem.

Lisboa, 18 de Outubro de 2015
Alípio de Freitas

 

 

Preso político Mbanza Hamza dias depois de ter sido torturado pelas autoridades angolanas

Luaty Beirão em greve de fome em protesto aos maus tratos na cadeia e aos seus direitos