Luanda  - O activista António Diogo de Santana Domingos “Magno”, de 38 anos, cumpre hoje o seu quarto dia de prisão preventiva por ter pensado em dirigir-se à Assembleia Nacional, para ouvir o Discurso à Nação proferido pelo vice-presidente Manuel Vicente, a 15 de Outubro.

*Rafael Marques de Morais
Fonte: makaangola

Domingos Magno, como é conhecido, nem sequer chegou a 200 metros de distância da Assembleia Nacional. Maka Angola recolheu vários depoimentos junto de familiares, amigos e fontes policiais, e narra o sucedido.

O activista foi capturado, pouco depois das 10 da manhã, por dois agentes do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE) que o seguiam, junto às instalações da empresa NCR, após ter recebido um passe reservado à imprensa, que lhe daria acesso ao edifício da Assembleia Nacional.

Após a sua detenção, os agentes, acompanhados por forças policiais, encaminharam-no para a 4.ª Esquadra, na Maianga, onde foi interrogado apenas por agentes do SINSE. De seguida, foi transferido para a 1.ª Esquadra, na Baixa, onde foi submetido a mais dois interrogatórios, pelos mesmos agentes e outros não identificados. Foi então encaminhado para a Esquadra da Ilha de Luanda, onde passou a noite e foi sujeito a mais dois interrogatórios, em separado, levados a cabo por elementos estranhos à unidade policial.

Na sexta-feira, foi transferido para a 2.ª Esquadra, onde se encontra detido até ao momento. Nessa mesma unidade, foi ouvido pela instrução policial e pela Procuradoria-Geral da República.

Durante os interrogatórios, segundo informações fidedignas obtidas por Maka Angola, estiveram presentes funcionários da Presidência da República. As perguntas colocadas a Domingos Magno nada tinham que ver com o passe de acesso à Assembleia Nacional e à possível infracção cometida. Os interrogadores queriam saber se há mandantes políticos por detrás do seu activismo e quais os benefícios que obtém com o seu comportamento cívico. Os interrogadores exigiam nomes de supostos mentores e mandantes.

Apenas hoje Domingos Magno foi informado de que é acusado de “falsa qualidade”, sob o Processo: 6484/15 – I G.

O activista tem sido um dos principais repórteres da Central Angola 7311, um portal informal criado em alusão à primeira manifestação antigovernamental, datada de 7 de Março de 2011, na sequência da Primavera Árabe.

Maka Angola contactou o procurador da 2.ª Esquadra, e este referiu que não era da sua competência prestar informações públicas. A secretaria da esquadra encaminhou-nos, de seguida, para o Oficial de Dia, que se recusou a prestar quaisquer declarações na ausência do comandante da unidade.

No local, encontravam-se a esposa de Domingos Magno, em estado avançado de gestação, e os seus irmãos, com sacos de comida e garrafas de água para alimentação do familiar. As autoridades não têm condições para providenciar alimentação básica aos reclusos.

Por sua vez, Rui Verde, analista jurídico do Maka Angola, explicou que “em termos jurídicos é de realçar que não há qualquer crime consumado de ‘falsa qualidade’ - tal só ocorreria se o suposto perpetrador tivesse entrado na Assembleia Nacional com o cartão”.

Ainda de acordo com Rui Verde: “Nem sequer há tentativa de crime, que só ocorreria se ele tivesse tentado entrar e fosse impedido. Como nada disto aconteceu, a mera detenção do cartão não é crime nenhum, sendo ou não jornalista. Logo, não há fundamento para a prisão porque não foi cometido ou tentado cometer qualquer crime.”


Ameaças prévias

Dois dias antes da sua detenção, Domingos Magno recebeu ameaças e avisos na sua página de Facebook para que se distanciasse dos seus círculos de amizade, de activistas críticos do regime e de figuras da oposição, sob pena de, caso não o fizesse, sofrer sérias consequências políticas a breve prazo. Demorou apenas dois dias até que isso acontecesse.

Segundo fonte próxima de entidades familiarizadas com o caso, o convite para Domingos Magno ter acesso a um passe de imprensa partiu do mesmo grupo operativo, servindo como cilada. Nesse mesmo dia, Domingos Magno tinha um encontro com entidades oficiais cujo assunto era um projecto relacionado com a defesa de menores vítimas de violação sexual, no qual estava a trabalhar. No dia anterior, por insistência de pessoas da Assembleia Nacional, que lhe telefonaram, acedeu ao convite e cancelou o encontro.

Domingos Magno passou a estar sujeito a vigilância securitária por ter escrito, em Setembro passado, uma carta aberta, bastante educada, dirigida ao filho do presidente José Eduardo dos Santos e actual presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos “Zenú”. Nessa carta, pedia a Zenú que intercedesse junto do seu pai e lhe solicitasse a libertação dos 15 presos políticos.
“Estes jovens foram primeiro acusados de estarem a preparar um atentado contra o seu pai (no que não acredito), e com o passar do tempo as acusações foram mudando, quase uma diferente por semana. Neste momento nem sei bem qual é o nome da acusação que pesa sobre eles”, escreveu o activista na missiva para Zenú.

Sobre a acusação política inicial do procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, segundo a qual os jovens preparavam um golpe de Estado,

Domingos Magno esclareceu o filho do presidente: “Eles [os 15 presos politicos] até são contra golpes de estado, pois acreditam que um golpe facilitaria a manutenção de um sistema opressor, travando o avanço do país em todos os aspectos, e gerando violência.”

Para que não restassem dúvidas, Domingos Magno afirmou ainda: “Esta posição pode ser lida nas primeiras páginas do livro que um deles escreveu; na altura em que eles foram presos, estavam a meditar no tal livro.” Trata-se do manuscrito “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura: Filosofia Política para a Libertação de Angola”, do escritor e jornalista Domingos da Cruz.

“Só queria que o irmão, influente como é, e filho do presidente, com responsabilidades acrescidas no nosso país, nosso irmão, filho da nossa geração, jovem como nós e certamente pessoa com quem podemos contar no futuro, interceda por estes jovens. Não só eles não são o que as pessoas têm dito, como também não querem nada de mal para o país nem para as pessoas que lideram o país”, pediu Domingos Magno.

“Sabe, irmão Zenu? Aí naquele grupo de jovens que estão presos, há licenciados, mestres, doutores e académicos cheios de vontade. Pessoas que até podiam ser seus assessores nos mais variados aspectos da vida, jovens com talentos muito preciosos”, sublinhou.

Domingos Magno, estudante do 3.º ano de Economia e Gestão na Universidade Jean Piaget, trabalhou durante vários anos em multinacionais ligadas ao sector petrolífero, nas quais exerceu cargos de gestão de logística.

É cada vez mais evidente o elevado nível de formação profissional e académica dos activistas que têm vindo a contrariar a regressão do país rumo a um estado de partido único e uma ditadura de facto.

A contestação do meio

Um analista familiarizado com o caso referiu que a detenção de Domingos Magno “tem muito a ver com a tentativa do SINSE para o recrutar, incluindo há apenas duas semanas atrás”.

“Há figuras da classe média a juntarem-se à contestação”, afirmou o mesmo analista, que prefere o anonimato.  

“Estas detenções servem para quebrar a adesão de certos estratos sociais ao movimento de contestação, para que sejam apenas os desgraçados, sem bons empregos nem estatuto social, aqueles que podem ser conotados como “frustrados” e reprimidos, sem criarem repercussão, como está a acontecer com o caso do Luaty Beirão.”

Para este analista, “haverá muitos intelectuais e membros da chamada classe média a caírem na mesma situação caso se manifestem contestatários. São esses os que têm alguma coisa a perder.”