Luanda - Na entrevista que se segue, Silva Simão Mateus revela que “os objectivos que nortearam a fundação do MPLA foram desvirtuados”, razão porque, em seu entender, urge a necessidade de se operarem mudanças no seio da direcção do partido. Durante a conversa, o também general das FAA na reforma, reafirma a sua intenção de candidatar-se à presidência do MPLA, contando, tal como afirma, com o apoio das bases onde estão filiados milhares de ex-militares das extintas FAPLA, então braço armado do MPLA. Critica fortemente aquilo que considera de “corrupção institucionalizada” e o facto do pelouro do Presidente Eduardo dos Santos não conseguir dar resposta a esta “pandemia”.

*Francisco Cabila
Fonte: Jornal Manchete
general silva mateus.jpg - 140.32 KbNo ano de 1974 até a independência de Angola foi Silva Mateus, activista político, quem supervisionava todos os comícios do MPLA

Estamos em contagem decrescente, no que à realização do VI Congresso diz respeito. Por várias vezes o senhor tem sido citado, sobretudo nas redes sociais, como tendo manifestado a intenção de se candidatar ao cargo de presidente do partido. Essa intenção se mantém?

É sobre isso mesmo que eu estou aqui para reafirmar que esta intenção, continua de pé, estamos a criar todas as condições para que hajam mudanças no seio da liderança do nosso partido. Assim sendo, iremos mudar o quadro a nível do partido e do país.

Há informações que circularam, sobretudo nas redes sociais, dando conta de que o senhor já não é militante do MPLA, faz tempo. O que nos tem a dizer sobre isso?
Eu não tenho conhecimento sobre isso, o que sei é que continuo sendo militante do MPLA, eu nunca fui sancionado, nunca houve um processo disciplinar contra mim que culminasse com a minha expulsão do partido e não fui, nunca, notificado, também, por qualquer instância do partido a dizer que eu estou desvinculado.

Afinal de contas, o que se passa, de concreto?
Também não sei, sei apenas que quando este assunto começou a ser levantado nas redes sociais, por pessoas que nunca chegaram a dar a cara, mas que apenas se autu-intitularam membros do Bureau Político do MPLA, o assunto foi remetido ao Tribunal Constitucional que o dirimiu. Isto ocorreu aquando da nossa exteriorização, como União de Tendências no seio do MPLA. Estão recordados que o nosso presidente, José Eduardo dos Santos, disse na altura, em 2007, que circulavam documentos de indivíduos que não se identificavam e que diziam pertencerem a uma tendência, bem, esta questão não só foi ripostada, com um manifesto que nós apresentamos a sociedade e ao próprio partido, sobre a trajectória político-administrativa do MPLA mas, como também, levamos a questão ao Tribunal Constitucional, órgão de justiça que dirimiu, em 2010, a questão, comprovando de facto e júri que Silva Mateus é militante do MPLA e que não há dúvida sobre a sua militância para demandar em juízo.
Sou militante de base, nunca fui do Comité Central, nem do Bureau Político. O único lugar de destaque que ocupei foi o de membro da Comissão Directiva Provincial, nos anos 76/77, que tinha uma categoria semelhante ao Comité Provincial do Partido, de Luanda, é esta categoria que eu ostentava quando se deu o 27 de Maio, que resultou com a nossa prisão. Portanto, desvalorizou toda esta informação que dá conta de que não sou militante do MPLA. Aliás, essas redes sociais dizem que são indivíduos que falam a meu respeito, só que não dão a cara, mas eu dou a minha cara, por isso gostaria que alguém do Comité Central do MPLA, e não vejo quem quer que seja, deveria ser o secretário-geral ou o vice-presidente do nosso partido, respectivamente, Dino Matross e Victor Roberto de Almeida ou ainda o próprio presidente do partido que viessem a público dizer e explicar desde quando é que Silva Mateus deixou de ser militante do partido. De contrário, não me interessa dar importância a este assunto. O importante é que todos os documentos estão aí, sou militante do MPLA, embora na base, mas é na base onde nós estamos a criar todas as condições para nos candidatarmos.

Concretamente, o que lhe moveu para manifestar a sua intenção de candidatar-se à presidência do MPLA?
Nós estamos a compilar as causas e motivos no manifesto da minha candidatura mas, posso já adiantar: O que se assiste hoje no MPLA é uma vergonha, primeiro é que, o partido foi assaltado por indivíduos que não têm nada de militância, segundo, os objectivos que nortearam a fundação do MPLA foram desvirtuados. E nós, concretamente, eu, antigo combatente e veterano da pátria, general das Forças Armadas Angolanas, proveniente do próprio MPLA, adicionando as prisões de que fui vítima ao longo dos últimos anos, fizeram com que se cimentassem sobre mim o desejo e a ideia de mudar este quadro. Mudando o quadro no seio do MPLA, mudamos também o quadro do país. Porque o MPLA foi assaltado por pessoas que nada têm a ver com o partido e, consequentemente foi assaltada a República de Angola que neste momento está manietada pelo MPLA e o MPLA manietado por José Eduardo dos Santos. Então, em nosso entender, deve-se tirar José Eduardo dos Santos no cargo em que se encontra, democratizando assim o MPLA, cenário que irá se repercutir pelo país inteiro. Aliás, pensamos nós que o MPLA é a força política que irá galvanizar o país por mais tempo ainda.

Caso seja eleito presidente do MPLA, o que é que vai mudar no seio do partido dos “Camaradas”?
Muita coisa vai mudar, passando pela inserção dos militantes do partido. Os militantes têm que ter voz. O que acontece hoje é que todos os assuntos inerentes à vida do partido e concomitantemente do país, é resolvido por meia dúzia de indivíduos do Bureua Político ou do Secretariado Permanente, quando no antigamente, no nosso tempo, estas questões eram submetidas às bases, os Comités de Base é que tinham que discutir, dar o seu aval ou concordância sobre uma decisão a ser tomada pelo Comité Central ou pelo Bureau Político. Nos dias de hoje, nenhum militante, inclusive os membros do Bureau Político não discutem estes assuntos, há meia dúzia de indivíduos no partido que decidem por todos. Esta, para nós, é uma aversão dos valores do próprio MPLA, o que demonstrar não haver democracia interna no seio do partido. Assim sendo, não pode haver democracia efectiva no país uma vez que o partido que governa o país não é democrático. Estas, porém, são em termos gerais as razões da nossa manifestação de candidatar-se à presidência do MPLA.

Isto significa que, pela primeira vez, assistiremos no seio do MPLA um Congresso com multiplicidade de candidatura já que nos anteriores não se verificou isso?
Primeiro, gostaria de lembrar que, não é que nunca houve intenções de outros militantes do partido em concorrer para o cargo em apreço, só que nunca houve oportunidades para os outros concorrentes, aliás, os poucos que tentaram foram penalizados mesmo antes de formularem as candidaturas, como é o caso de João Lourenço, Marcolino Moco, Lopo do Nascimento, que foram quedados antes mesmo de o Congresso arrancar. Neste momento, pensamos nós que a situação agravou-se e José Eduardo dos Santos não tem mais margem para manobrar o Congresso e aparecer como candidato único à sua sucessão ou como candidato natural. Hoje já não é possível este cenário porque no partido onde somos quatro milhões e oitocentos mil militantes, segundo as estatísticas oficiais, não pode uma única pessoa ditar tudo para estes quatro milhões de militantes de que, também, faz parte. Assim sendo, nós lutamos para que na diversificação do pensamento possamos agir em conjunto, neste caso, estamos a falar de vários pensamentos e várias opiniões dão sempre uma característica diferente daquilo que se chama hoje presidencialismo, não só a nível do Estado como a nível do próprio partido MPLA onde só José Eduardo dos Santos é que dita tudo.

Este posicionamento deixou os militantes descontentes?
Claro que se nota, de algum tempo há esta parte, no seio dos militantes um grande descontentamento. Muitos dos Comités de Acção a nível de Luanda, por exemplo, estão fechados, devido à falta de incentivos ou salários para os militantes que deveriam aí ficar permanentemente. Acresce-se a isso o irrequietamente ilícito ou mesmo criminoso por parte de determinados elementos do aparelho do MPLA em detrimento dos indivíduos das bases que sustentam as massas nos bairros. O presidente do partido deveria rever esta situação, porque há muita gente próxima a si que se enriqueceram criminosamente, deixando a maioria da população na miséria extrema.

Mas os comités de especialidades, parece que funcionam?
Comités de Especialidades? O que é isso? São uma aberração, porque vão contra o Estatuto do partido, vão contra a Lei Constitucional porquanto discrimina as pessoas, os militantes. Nós chegamos a conclusão de que só fazem parte aos comités de especialidades, os burros, indivíduos que não entendem nada da matéria pela qual são especialistas então ficam a bajular, dizendo coisas que até deveria arrepiar a própria direcção do MPLA.

Se lhe convidassem a dirigir o “comité de especialidade dos generais do MPLA” aceitaria?
Claro que não, aliás este comité nunca será criado. Nós não somos bajuladores, não colocamos em causa a vida do partido, como muitos o fazem. Temos o caso do camarada Bento Bento, que foi bajulando até que chegou ao cargo de governador da província de Luanda, posto no cargo não conseguiu combater o lixo que é o maior mal que enferma a população de Luanda, sobretudo, mas o partido lhe mantém como primeiro secretário do partido de Luanda. Será que o MPLA não tem mais quadros? Só o facto de Bento Bento, há dias, na Cidadela Desportiva, durante um comício, ter buscado um slogan que nós na altura, ingénuos, aderimos, quando Neto na altura dizia «Somos milhões e contra milhões ninguém combate», o Bento Bento numa altura de crise que o MPLA está a viver, voltou a dizer que «Somos milhões e contra milhões ninguém combate, quem tentar cai». O quê é que o camarada Bento Bento quer dizer? Para nós, ele está a ensinar a população a abrir os olhos, porque são os poucos do MPLA que estão a escravizar os milhões, então os milhões devem atacar estes poucos que estão a os escravizar. No entanto, este é um assunto para ser reflectido, porque, ao dizer isso, numa fase em que as bases do MPLA estão desmoronadas é grave e a continuar assim, o MPLA vai cair.

O senhor já está a recolher o voto de confiança no seio dos militantes para que a sua candidatura não seja inviabilizada?
Embora não sabemos como serão feitas as coisas, devemos dizer que temos uma moldura humana de apoiantes muito grande. Acreditamos que teremos, como uma das condições, a prerrogativa das mil ou duas mil assinaturas o que para nós não significa nada, se tivermos em conta que contamos com o apoio de mais de cinquenta mil ex-militares das FAPLA que são militantes do MPLA, com as quotas pagas.

Então, para si não irá comprometer a sua intenção de ir a voto ao lado de José Eduardo dos Santos?
Para nós, o que está em causa é a dignidade, o perfil e os interesses, de facto, do MPLA, aquilo que o partido nutriu no passado para a resolução dos problemas do povo, conforme dizia o Presidente Agostinho Neto.

Isto não está a ser cumprido pelo seu sucessor?
Claro que não. Vendo bem as coisas podemos dizer que Agostinho Neto foi traído. Pois, ele disse que o «mais importante é resolver os problemas do povo», mas o seu continuador, José Eduardo dos Santos, está a fazer, precisamente, o contrário. Está a emperrar, agravar e a não resolver os problemas do povo, o povo sente-se a cada dia que passa mais empobrecido, enquanto que os que estão do lado do Presidente Eduardo dos Santos se enriqueceram fraudulentamente, saqueando o erário público. Esta é, também, um dos motivos mais do que suficiente para que seja afastado da liderança do partido, para salvarmos o que ainda resta do MPLA.

Com a sua saída, o que acontece, de concreto?
Com o seu afastamento da liderança do partido, haverá uma remodelação a nível do comité Central do partido, haverá uma remodelação no posicionamento do próprio partido em relação ao povo, em relação ao país e em relação ao Estado, se por acaso o MPLA voltar a ganhar nas próximas eleições. Dizemos «Se» voltar a ganhar, porque notamos que as coisas não vão muito bem no seio do MPLA. É preciso invertermos o quadro para que possamos buscar um pouco do que resta do povo angolano que ainda acredita no MPLA e recuperar aqueles que estão a abandonar.

Para além dos ex-militares das extintas FAPLA, que compõe a sua base de apoio, conta também com figuras posicionadas no Comité Central e Bureau Político do MPLA?
Eu digo base de apoio do ex-militares porque são todos FAPLA, do MPLA, isto é apenas para conseguir as duas mil assinaturas que, eventualmente, nos sejam solicitadas. Mas, conto, também com muitos militantes de base de MPLA que se encontram descontentes com a direcção do partido devido à pobreza extrema de que estão votados, enquanto os dirigentes se enriqueceram ilicitamente e não querem saber deles. No entanto, para além disso, temos o apoio – e muito trabalho de casa está a ser feito – de muitos dos que estão no Comité Central, Bureau Político e mesmo a nível dos secretariados provinciais, municipais e comunais, muitos dos quais serão congressistas no próximo Congresso, em 2016.

Como é que está o vosso manifesto para a campanha?
O nosso manifesto está já elaborado e na devida altura será explicado aos militantes através de périplos que iremos fazer em todo o país, no sentido de galvanizarmos, sobretudo, os militantes da base. Alguma coisa a este respeito já está a ser feita e em muitos Comités de Acção o nosso nome já se faz sentir. Durante estas actividades, para além de falarmos sobre as nossas intenções, mostramos as causas e motivos sobre o porquê queremos mudanças no seio do partido. Aliás, o actual presidente já não tem moral nem qualquer força galvanizadora para fazer mudanças, porque a corrupção por si instituída a nível do partido e do Governo fez com que ele tivesse aquilo que chamamos «rabo de palha», não consegue combater a corrupção porque deixou o país mergulhar num caus terrível, descontentamento total devido a corrupção generalizada. Esta situação vigente no país, que se consubstancia na corrupção acentuada é também um atentado contra os Direitos Humanos. Portanto, como disse, a nossa candidatura tem a sua sustentação nas bases, embora tenhamos o apoio de militantes/dirigentes do topo.

Que inovação trará a vossa candidatura?
Boa pergunta. De facto, temos uma inovação que será apresentada na Comissão de Mandatos. Para além de apresentarmos a nossa candidatura, apresentaremos propostas e sugestões, havendo a possibilidade de fusão de listas, caso apareçam muitos candidatos à presidência do partido. Isto quer dizer que, como o objectivo é derrotar o actual presidente, as demais listas deverão se juntar numa só força.
Outra proposta irá definir que, quem ganha não ganha tudo e quem perde, também, não perde tudo. Queremos dizer com isto que, por exemplo, havendo três candidatos, o mais votado será o presidente do partido, o segundo, vice-presidente e o terceiro, secretário-geral, respectivamente. Isto para evitar que estes dois órgãos, o vice-presidente e o secretário-geral, sejam manietados pelo presidente do partido que os nomeia. Portanto, em nosso entender, o vice-presidente e o secretário-geral não têm que ser nomeados, devem ser eleitos no Congresso que elege o presidente. Estes dois órgãos têm que ser independentes, porque no figurino actual o secretário-geral é colocado e tirado do cargo pelo presidente quando este bem entender, o mesmo acontece com o vice-presidente. No entanto, se estas três figuras de destaque forem eleitos no Congresso, só o Congresso é que os pode destituir.

Isto não obrigaria a revisão do Estatuto do MPLA?
Mas, é isso mesmo que nós queremos, o Estatuto deve ser revisto no próximo Congresso. Aliás, as nossas propostas serão introduzidas na Comissão Preparatória e na Comissão de Mandatos do Congresso. Independentemente disto há aspectos no Estatuto que já estão ultrapassados e carecem de actualização, vão ter que ser revistos, de facto.

O vosso objectivo é mesmo tirar José Eduardo dos Santos na liderança do partido?
Isto é verdade, porque ele é, de algum tempo há esta parte, o factor de instabilidade política em Angola. Estamos lembrados da sua declaração à Nação, em Janeiro deste ano, eu li o seu discurso, contém 405 palavras mas não encontrei a palavra corrupção. O Presidente da República na década de 90 identificou dois males para o país e todos nós angolanos atentos concordamos com ele: 1º a guerra, 2º a corrupção. Claro que onde há guerra e corrupção não há desenvolvimento. Então, uma vez que a guerra terminou em 2002, quando é que o Presidente da República e do MPLA vai atacar o segundo mal? Faz um discurso que dá conta da crise económica mas não fala do Fundo Soberano, nem sequer falou dos vários investimentos que a Sonangol tem a nível da África, Ásia, América, por aí fora, porquê? Será que o Presidente está a pensar que todos nós fomos domesticados? Está enganado. Quando fomos as matas lutar para o alcance da independência do país, o Programa Maior do MPLA para o povo angolano, hoje, nem foi sequer implementado a meio por cento.

O que visava este Programa?
Visava essencialmente, o bem-estar geral de todos os angolanos. E, como dizia, o presidente do MPLA e da República é o factor de instabilidade político-social e económico do país porque se nota muita miséria no seio da população, enquanto os governantes estão ricaços. Aproveito aqui a oportunidade para apelar ao nosso partido no sentido de deixar de enviar palhaços aos debates televisivos e radiofónicos, falando em nome do partido, porque, na verdade estão a prestar um mau serviço e deixam os créditos do partido em mãos alheias. Estão a penalizar o nosso partido, porque o bom militante não é aquele que tapa o Sol com a peneira mas, sim, aquele que obriga os seus dirigentes a implementação do Estatuto e do Programa de Governação. Aqueles que se limitam apenas a bater palma, têm outro nome mas militantes do MPLA não o são. O MPLA deixou de ter militantes em 1977, de lá para cá o partido só tem duas categorias de membros: Bajuladores, que perseguem fins pessoais e os Burros, porque os que têm os olhos de ver já deixaram o MPLA. Então é preciso que haja renovação da sua direcção, de contrário o MPLA vai morrer de podre.

Uma vez terminado o consulado de José Eduardo dos Santos no MPLA, que futuro político se lhe reservará?
É preciso que isto fique bem assente, se ele cooperar com a futura direcção do partido, será perdoado. Por isso, para o seu bem deverá cooperar com as duas autoridades, tanto a nível do partido, como a nível do Executivo, deverá dizer onde está o dinheiro do país, que processos existem sobre o país e onde estão, para que a riqueza do país que está no exterior regresse no sentido de beneficiar os angolanos que são os verdadeiros donos. Caso não coopere poderemos intentar acções criminais, por omissão, ocultação de bens do povo angolano, aliás, a Constituição recomenda isso.

Então não se espera, na sua óptica uma saída airosa do actual presidente?
Nós já o havíamos proposto, através de um documento à si dirigido, a sua saída airosa mas não obtivemos qualquer resposta da sua parte mas, ainda vai a tempo, para garantir a sua velhice.

E os que o apoiam neste momento?
Estes, depois da queda de José Eduardo dos Santos, vão fugir em debandada, muitos são luso-angolanos ou brasileiros, têm dupla nacionalidade. Quero dizer que quando se verem aqui apertados fugirão para os outros países. A maior parte dos que dilapidaram o erário público em Angola têm nacionalidade dupla ou tripla.

Muitos preferiram abandonar o barco, o mais cedo possível?
Quem acompanha a política interna do país já notou que muitos quadros que eram acérrimos ao MPLA estão neste momento muito reservados porque não se revêem na política ou forma de actuação deste partido. Temos o caso do antigo deputado, Jacques Arlindo dos Santos, que denunciou numa entrevista aquilo que o MPLA faz no Parlamento em detrimento dos eleitores. Recentemente circulou nas redes sociais que o próprio ministro de Estado e Chefe da Casa de Seguranças do Presidente da República está contra a detenção dos jovens do Movimento Revolucionário, para não falarmos do descontentamento manifestados por muitos elementos de proa do partido que há muito estão agastados com a continuidade de Eduardo dos Santos afrente do partido e do país. Acreditamos nós que ele já deu o que deveria dar para o partido e para o país, chegou a hora da mudança. No seio do MPLA para além do descontentamento há opiniões contrárias sobre determinados assuntos.

Como será então a sucessão a nível do partido e do Governo?
Nós pensamos que o candidato do MPLA a cabeça de lista nas próximas eleições tem que ser consensual, tem que ser apoiado pelas bases e antes de o indicarem que se façam sugestões de três ou quatro nomes para as bases darem o seu aval, porque se assim não for, e se o candidato à cabeça de lista for decidida apenas pelo Comité Central, o mesmo será quedado pelas bases. Aliás, nós não concordamos mais com a indicação de pessoas que não passem pelas bases. Indivíduos que nunca foram aos musseques e não conhecem os problemas que afligem as populações carentes não podem ser indicados para a presidência do partido.

Será definido, então, um novo perfil do futuro presidente do MPLA?
Aquele que não vai aos musseques, quimbos e aldeias, se chegar a presidência do partido e, consequentemente, do país, quando se deslocar para algum local, fora do Palácio Presidencial, irá colocar as zonas por onde passar, em estado de sítio, como acontece hoje com o Presidente Eduardo dos Santos. Nós queremos dirigente que não fogem o povo, queremos dirigentes que se sintam protegidos pelo próprio povo. Não se entende, porém, que num país em paz, onde todos são pacíficos, o Presidente do partido e da República, para sair dos seus aposentes coloca a cidade em estado de sítio. Isto também é violação dos direitos do homem. O Presidente, a nosso ver, despiu-se do conceito popular.

Ainda sobre os Direitos Humanos, o que nos tem a dizer sobre o último relatório do Parlamento Europeu sobre Angola?
Gostaria de lembrar apenas que Dino Matross e outros dirigentes do nosso partido insurgiram-se contra essa resolução, disseram que era tudo mentira, o que é uma vergonha porque se eles reflectissem um pouco viriam que, de facto, o MPLA que sustenta o Governo comete repetidas vezes crimes contra os Direitos Humanos, porque o crime contra os Direitos Humanos não se verifica apenas como eles tentaram justificar, mas sim, é o que nós verificamos no dia-a-dia: Não há liberdade de expressão, não direito à manifestação, não temos água, não temos luz e não temos saúde. Tudo isto está no perfil dos Direitos Humanos.

No que respeita a detecção dos jovens do chamado Movimento Revolucionário, o que nos tem a dizer?
Ora, estes jovens são os futuros presos políticos a exemplo dos mais velhos presos do Processo 50. Ora, se os elementos do Processo dos 50 galvanizaram aquilo contra a autoridade colonial e ficaram aquele tempo todo e hoje vangloriam-se com as suas acções, estes rapazes também estão a ser forjados como heróis e irão vangloriarem-se, também, amanhã pelos seus actos protagonizados hoje. São os futuros dirigentes desse país, em termos de políticos. Eles são, de facto, presos políticos e aproveitamos esta entrevista para pedir ao nosso presidente do partido e da República para que mande libertar estes rapazes para que a situação não se agrave. Nós somos todos do MPLA mas estamos agastados com a postura ou o posicionamento do MPLA com relação a várias matérias que grassam neste país, por isso, José Eduardo dos Santos, na qualidade de presidente do MPLA e da República já não consegue mudar o quadro é preciso ser substituído, primeiro, no partido, e eu estou aqui para isso, depois nos destinos do país.

Mas, houve ou não tentativa de Golpe de Estado?
É tudo fantasma e foi triste quando ouvimos o Procurador-Geral da República, general das FAA, denunciar rapazes que estavam a fazer uma dissertação sobre um livro, acusando-os de golpistas, é muito triste.

Na sua óptica, como é concebido um Golpe de Estado?
Golpe de Estado é concebido por um grupo restrito, bem posicionado no seio do exército, sobretudo capitães que são os homens das casernas. Então, um grupo composto de meia dúzia de indivíduos concebe o golpe para a tomada do poder através da força das armas e à meia noite dirige-se aos quartéis mais estratégicos e ordena os comandantes para disponibilizarem a tropa que se dirigem a um local preparado e é de lá onde recebem as instruções. Isto é que é Golpe de Estado. E o Presidente da República, na qualidade de Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, com a maturidade política que tem, um homem versado em segurança, como é que aparece em público a reafirmar as declarações do Procurador-Geral da República de que a acção destes jovens se tratava de um Golpe de Estado. Como se não bastasse, o Presidente Eduardo dos Santos foi buscar uma história triste. O Presidente da República ou o presidente do MPLA nunca falou do 27 de Maio de 1977, 37 anos depois. Desta vez e pela primeira vez falou do 27 de Maio de 1977 para, em nosso entender intimidar ou lembrar as pessoas que poderão ter o mesmo destino das vítimas do 27 de Maio, se se oporem contra o seu consulado.

E isso lhe preocupa bastante?
De facto, nos preocupa, porque estamos a ficar a saber que ele, PR, não é apenas autor moral mas também material do caso 27 de Maio. Pensávamos que era apenas autor moral, porquanto foi ele que dirigiu a Comissão de Inquérito sobre a existência ou não do aludido Golpe de Estado do 27 de Maio, por outro lado, também, foi presidente da Comissão de Extinção da famigerada DISA. Estamos recordados da carta aberta elaborada pelo general Paca, filho do malogrado Mendes de Carvalho “Wanhenga Xito” dirigida ao PR e à Nação onde recorda que se encontravam nas instalações do Ministério da Defesa e tinham medo e vergonha de cumprimentar os seus companheiros que se encontravam amarrados, torturados. Ele, o PR, na altura era major, eu nunca o tinha visto fardado mas, segundo a carta do general Paca, José Eduardo dos Santos, actual presidente do MPLA e da República, entrava no Quartel-General, fardado.

À terminar esta entrevista, o que nos tem a dizer?
Apenas lembrar que estamos a criar as condições para a realização, nos próximos dias, de uma conferência de imprensa onde iremos apresentar todas as nossas propostas e razões sobre a nossa provável candidatura à presidência do partido MPLA.

PERFIL DO COMANDANTE “DITUBA”

Silva Mateus, é militante do MPLA desde 1968, é preso político, duas vezes, uma no tempo colonial, tendo na altura sido julgado e condenado a 18 meses de cadeia, por tentativa de deserção das Forças Armadas Portuguesas, onde era sargento (furriel) miliciano. Foi despromovido e nas sevícias de que sofreu foi mutilado ao perder um testículo a pontapé. Por assa razão, ficou conhecido, até agora, como “Comandante Dituba”. A alcunha foi dada pelo então presidente do MPLA, Agostinho Neto, depois de ter escutado a história contada pela vítima, na presença do falecido Manuel Soares da Silva, Comandante Nelito Soares, que era do pelotão de Silva Mateus. O baptismo ocorreu em 1973, em Brazzaville, onde o Comandante Nelito Soares apresentou Silva Mateus a Agostinho Neto. Depois de Neto ter lido a certidão da sua mutilação, disse sorrindo: “Então, a partir de hoje, você é o Dituba” e ficou registada na credencial do Movimento, passada por Neto como “Comandante Dituba”.