Luanda - As duas operadoras de comunicação electrónica têm vindo, de um tempo a esta parte, a avisar os seus clientes para que procedam ao registo, até ao final do ano, dos seus números de telefones móveis.

Fonte: Club-k.net

O Instituto Angolano das Comunicações (INACOM), que é o órgão responsável pela regulamentação e monitorização de prestação de serviços de comunicações electrónicas em Angola, lançou também um apelo nesse sentido.

Em comunicado, o INACOM advertiu os clientes da Unitel e Movicel que caso não venham a efectuar o registo dos seus números, dentro dos prazos estabelecidos, poderão perdê‐los, ou seja, «confiscados».

Diz o referido organismo que este procedimento tem respaldo na lei (Decreto Executivo conjunto n.o 20/14) e aponta como vantagens a «salvaguarda da reposição e suspensão rápida do número em caso de perda ou furto de telemóvel»).

À primeira vista, o assunto parece pacífico, não fosse os rumores que têm estado a circular em alguns círculos de que o novo registo persegue outros objectivos, para além dos que foram evocados pelas operadoras de comunicação e pelo INACOM.

O certo é que esta iniciativa, a primeira do género na história da telefonia móvel do país, culminará com a retirada ou, antes, o «confisco» de milhares de números, muitos quais há muito desactivados e outros ainda no activo.

Como é domínio público, muitos desses números foram adquiridos no circuito paralelo sem o cumprimento das habituais formalidades exigidas por lei, ou seja, a exibição do Bilhete de Identidade (BI) por parte do seu comprador.

O recurso à compra de chips no mercado paralelo dos «telefones sem rosto» terá sido uma saída encontrada por muitos cidadãos que não possuem o BI ou, se o possuem, terão dessa forma procurado contornar as formalidades burocráticas das operadoras ou dos seus agentes autorizados que actuam neste segmento do mercado.

Há quem também tenha recorrido a este expediente para fins menos nobres, socorrendo‐se dos «telefones sem rosto» para a prática de determinado tipos de crimes como, por exemplo, atrair vítimas, enviar mensagens caluniosas e difamatórias contra determinadas pessoas. Lamentavelmente, esta tem sido uma das faces menos positiva das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC ́s).

Como facilmente se pode depreender, este género de telefones têm criado sérios transtornos às autoridades policiais quando, em presença de crimes, procuram chegar aos seus autores seguindo o rasto dos aparelhos de comunicação portátil usados.

Convém lembrar que a Polícia, sobretudo a de investigação criminal tem se queixado, amiúde, sobre os riscos da venda desses chips nos circuitos paralelos, cuja responsabilidade deve, em primeira instância, ser assacada às próprias operadoras, já que são elas quem detém o monopólio dos softwares.

Mas, verdade seja dita, há também vários políticos, sobretudo ligados à Oposição, activistas cívicos, sindicalistas e jornalistas que têm recorrido aos ditos «telefones sem rosto» para se precaverem das supostas escutas telefónicas a que têm sido sujeitos por partes dos serviços secretos.

Embora se saiba que por lei as escutas telefónicas só deveriam ser feitas a pessoas suspeitas sob a mira judicial, a mando de uma autoridade competente – existe uma polémica à volta disso, se deve ser um juiz ou procurador a determinar – na prática, isso tem estado muito longe de corresponder à realidade.

Hoje, há cada vez mais pessoas que dizem ter os seus aparelhos telefónicos «grampeados», ou seja, sob escuta permanente das «secretas». Isso mesmo dá‐se conta em conversas, que têm sido intercaladas, a espaços, por «ruídos estranhos» ...

Na realidade, existe um medo quase generalizado de escutas telefónicas, a ponto de muitos evitarem abordar os assuntos que queiram tratar ao telefone. Por exemplo, há funcionários públicos que se recusam a falar com um determinado jornalista da imprensa privada por temerem que as suas vozes sejam reconhecidas e disso resultar eventuais sanções «governamentais ou/e partidárias».

As escutas telefónicas, à margem da lei, não são, em boa verdade, uma marca exclusiva de Angola, mas entre nós estas práticas parecem, às vezes, raiar à banalização. Entre os «bófias», há quem parece mais preocupado em saber o «sexo dos anjos», os pensamentos que habitam na cabeça de fulano, sicrano ou beltrano, ao invés de monitorar o rasto de determinadas pessoas ou grupos cujas acções – reais e não imaginárias ‐ representem, de facto, verdadeiros perigos para segurança do Estado.

Além deste género de crimes, há outros que carecem também de uma atenção especial, como os actos de corrupção, lavagens de dinheiro, redes de drogas, prostituição, jogos nos casinos.

Não se pretende com isso descurar da importância dos serviços secretos, que têm por missão proteger o Estado dos seus inimigos, mas apelar para que o seu trabalho se faça sem que se atropelem certos direitos consagrados na lei, nomeadamente os de privacidade, expressão, livre reunião ou livre acesso às fontes de informação por parte dos jornalistas.