Luanda - Depois de Jonas Savimbi, tornou­se no primeiro presidente eleito do «Galo Negro», em 2003. Foi reeleito para liderar e representar a UNITA nas eleições de 2008. Supunha­-se que outra pessoa ganharia a vez de assumir o comando do partido em 2011, mas ele «facturou» o lugar, pela terceira vez consecutiva. «Negando-­se» a deixar a presidência do maior partido da oposição, agora candidatou­-se outra vez, esperando completar 16 anos no poder. E assim, Isaías Samakuva está a sacramentar o «samakuvismo»

Fonte: Semanário Angolense

Sendo a política, na prática, uma arte perspicaz, cheia de subjetividades, definir um pensamento ou uma corrente ideológica desse tipo, uma doutrina ou uma filosofia nesse campo, com a melhor e maior precisão possível, não se afigura exactamente uma tarefa fácil para não‐politólogos, não‐sociólogos e não‐filósofos, enfim, para cidadãos «alheios». Mas também não é um ensaio de «sete cabeças» para as pessoas atentas à dinâmica da política.

 

Faz‐se necessário perceber o âmago do seu desenvolvimento, examinar a sua história, considerar todas as influências, para que se conclua alguma coisa e se estabeleçam as definições. Dirigir e gerir Estados e Nações é uma ciência de artimanhas. Muitas vezes, quando pensamos ter chegado ao cerne do seu conhecimento, notamos que não chegamos. Por isso é que se pensa o que se pensa da política e, principalmente, dos políticos.

Pensa‐se que a política é a arte de captar em proveito próprio a paixão dos outros; que a política tem a sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano; que errar é humano, mas culpar outra pessoa é política; e há quem diga até que num Estado democrático existem duas classes de políticos, os suspeitos de corrupção e os corruptos.

 

Todos esses parecem ser juízos pessimistas sobre o que é a política, porém não deixam de ter a sua dose de verdade e, com isso, também expressam uma realidade. Para diluir essa concentração de «pessimismo realista», misturemos nesse tubo‐de‐ensaio o parecer de um ex‐presidente dos Estados Unidos da América, Richard Nixon, segundo o qual «vencer na política não é tudo, é a única coisa».

 

 

É com base nessa última expressão, sem deixar de contextualizar os outros juízos, que se pode entender o facto de existir um «Samakuvismo» a sacramentar‐se nas hostes do Galo Negro, uma prática para a qual a malta intelectual é chamada a pronunciar‐se e esclarecer cientificamente a partir do momento em que, mais uma vez, o actual presidente da UNITA lança‐se à sua própria sucessão, querendo ficar no poder até 2019.

 

Não faz muito tempo que Isaías Samakuva parecia ambíguo deixando que se aventasse a hipótese de que poderia não voltar a candidatar‐se à presidência do seu partido, durante o XII Congresso da UNITA, em Dezembro deste ano. «Não posso dizer se vou ou não concorrer a mais um mandado», disse ao semanário Nova Gazeta.

 

Então, se houve quem criasse a ideia de que o «kota» deixaria o poleiro para que outros «manos» pudessem ter também a oportunidade de «cantar de galo», sem a sua concorrência a embaraçar o percurso, enganou‐se. Isso ainda não vai acontecer e disso o cidadão minimamente atento tinha mais certeza do que alguma dúvida.

 

O presidente da UNITA, nas declarações prestadas ao referido periódico, tinha prometido: «saberão na devida altura». E agora está confirmado. No último dia 23 de Outubro, Isaías Samakuva apresentou‐se oficialmente na linha de largada da corrida eleitoral e posicionou‐se claramente: «Vou candidatar‐me à eleição do Presidente da UNITA para o próximo mandato que começa em Dezembro 2015».

 

Como os líderes africanos

 

Explicando o facto de voltar a concorrer para o assento que já ocupa pela terceira vez, o «cabeça» da UNITA disse que é «para responder de forma positiva e definitiva» às cartas, às inquietações e aos apelos que lhe foram dirigidos.

 

Supõe‐se importante recordar e sublinhar que os eleitores sobre os quais se assenta a confiança de Samakuva com vista a renovar o seu mandato a frente do partido ‐ esses autores das «cartas», das «inquietações» e dos «apelos», são uma base bem constituída do Galo Negro e podem estar dispostos a conceder ao «kota» um quarto mandato.

 

Tudo isso dá a entender que, para Samakuva é a popularidade o elemento que determina o exercício da democracia, não obstante uma carga de necessidade que se impõe na defesa de valores condizentes com o equilíbrio democrático que, antes de tudo, servem para salvaguardar a profanação dos próprios direitos dos cidadãos.

 

Já se sabe que Samakuva aproveita‐se e muito bem da ausência de balizas estatutárias quanto ao número de mandatos a que um presidente pode candidatar‐se, para sustentar a «intemporalidade» de toda possibilidade de uma «auto‐sucessão». Mas, por outro lado, apega‐se também a débil argumentação de que o trabalho de preparação da UNITA para disputar a vitória nas eleições gerais de 2017 precisa de ser concluído pela mesma equipa que o iniciou.

 

As temporadas na Europa como representante do Galo Negro podem ter adicionado aos modos de Samakuva certos costumes ocidentais, tendo‐se apresentado até como um candidato progressista, a concorrer com uma visão que se terá julgado mais tradicionalista, de Lukamba Gato, no primeiro pleito eleitoral que ditou o substituto de Jonas Savimbi na presidência da UNITA, em 2003.

 

Mas o facto é que «Man Samas», com esse andar, mostra‐se mais identificado e entronizado com a realidade do continente africano, com os hábitos e costumes das lideranças africanas, que têm como marca registada a vontade de se perpetuarem no poder e tudo fazerem para alcançar esse objectivo.

 

A tendência não é nova

 

Na verdade, não se mostra mais como uma tendência, mas como uma prática recorrente, cujas queixas de muitos partidários vêm desde o fim do primeiro mandato de Samakuva a frente do seu partido, que deu sequência a disputa eleitoral que o país viveu em 2008.

 

A intenção do ex‐chefe da missão externa da UNITA em Paris (França), de fazer renascer uma nova UNITA depois da morte de Jonas Savimbi, o fundador do partido quando era uma organização armada pela descolonização do pais, terá sido até bem acolhida no âmbito da realização do Congresso de Reunificação partidária que aconteceu em 2003.

 

Mas acontece que o «kota Samas», para muitos militantes, terá traído a primeira intenção. Depois das eleições de 2008, como sinal de democraticidade dentro do partido e como atitude de defesa dos princípios democráticos que a UNITA sempre propagou para o país, Samakuva poderia ter deixado o cargo à disposição. Poderia. Mas, em vez disso, com a alegada liberdade estatutária de o fazer, partiu para o segundo mandato.

Houve um tremendo alvoroço na «capoeira» do Galo Negro ao longo dos tempos que precederam a realização do seu XI Congresso, que teve lugar em 2011, ao adivinharem‐ se algumas manobras por parte do presidente do partido com vista a permanecer no comando da organização.

 

Os receios que se adensavam em torno de uma violação dos estatutos, apontando‐se o facto de ocorrerem actos de agressão verbal e física contra todos que defendiam a realização do referido Congresso, somadas às constatações de indícios de perpetuação da presidência por Isaías Samakuva, resultaram na organização de um quinhão expressivo de militantes e quadros do partido em prol de um chamado «Grupo de Reflexão».

 

Em Setembro de 2011, a reunião da Comissão Política da UNITA, para muitos observadores, de dentro e de fora do partido dos «maninhos», terá sido o cume de muitas atrapalhadas, embora tenha sido igualmente o «empurrão» que faltava para marcar a realização do XI Congresso do partido, que ocorreu em Dezembro.

 

Naquela altura a suspensão de Abel Chivukuvuku e de Lukamba Gato, mais do que em qualquer outro momento, terá sido a «promoção» que Samakuva não desejava fazer do «Grupo de Reflexão». Em vez do consertar‐se, a situação mais fugia do controlo e, drasticamente, concorria a favor da desunião do partido, a julgar pelos cacos de ressentimento espalhados no seio dos membros contestatários.

 

A reclamação dos protestantes parece não ter encontrado amparo nos documentos magnos do Galo Negro. Foi aproveitando‐se dessa falha dos estatutos e sem a concorrência de Chivukuvuku, então apontado como o mais forte candidato à presidência da UNITA, que o «mano» Samakuva correu por dentro e conseguiu o que queria.

 

Mesmo contra a vontade de um clamor de importantes «crânios» rubro‐olivas, Isaías Samakuva também tem sempre a sua legião de apoiantes, não menos «crânios», e por isso terá feito das suas e conseguido reeleger‐se no XI Congresso, vindo assim a ratificar uma «nova» ideologia da qual o partido maioritário da oposição vem se servindo e, desse modo, parecendo praticamente a desvirtuar‐se.

 

O que salva «a nação da alvorada do Galo Negro» é o facto de que o conceito de «vencer», na opinião de militantes de renome, se apresentar intimamente ligado ao fortalecimento do partido e assim se procurar agir na prática. São posicionamentos como o veterano Lukamba Gato que ainda aposta numa UNITA «mais dinâmica, mais actuante, mais presente».

 

As intenções de Samakuva de libertar a UNITA dos traumas do passado e transformá‐la num partido virado para o futuro e para todos os angolanos, parecem ecoar no deserto. O homem não esconde que a sua ambição é chegar à presidência de Angola, em detrimento do triunfo de uma instituição partidário forte, como se quer que seja não somente a UNITA mas qualquer partido político, da oposição como do governo.

 

O defeito e os seus efeitos

 

O que vem a ser o «Samakuvismo» pode ser um substantivo abstrato, gramaticalmente falando, mas na prática não se encaixa exactamente numa corrente, nem num movimento, é mais uma maneira de agir, um comportamento. A existência desse modo político de ser certamente que tende a enfraquecer a UNITA como maior força política da oposição e, consequentemente, arrasta toda a oposição a ser vista com ceticismo.

O próprio mentor dessa conduta, o «kota» Isaías Samakuva, com esse proceder já está mais do que inclinado a perde totalmente toda a força moral que o norteou nos primórdios do seu primeiro mandato.

 

E assim, ele que vive a criticar uma falta de alternância a nível dos poderes governamentais do país e não se cansa de alegar que as eleições passadas terão sido vencidas pelo MPLA e o seu líder, o presidente José Eduardo dos Santos, com alguma dose de fraudes, não tem probidade para se opor.

 

Essa mesma falta de probidade estende‐se a toda a camada militante do Galo Negro que dá sustentabilidade ao «Samakuvismo» pois essa legião dificilmente será capaz de superar numericamente os eleitores da força política rival por não ter um exemplo de alternância a mostrar, nem dentro do seu partido.

 

Ouve‐se constantemente falar entre os cidadãos, que são eleitores, que se for para votar em alguém ou num partido político que chegue lá no poder para fazer a mesma coisa que já faz quem lá está hoje, é melhor votar pela continuidade. Isto é, votar a favor da permanência de quem já governa, apesar das suas falhas.

 

Esse tipo de pensamento é claro que não concorre para o bem‐estar político de uma sociedade; não dá credibilidade nem a UNITA, nem a oposição e nem ao governo, por tabela. E, aos olhos do mundo, em vez de nos elevar, nos rebaixa. Como se vê, quanto mais avançar o «Samakuvismo», mais nocivo será para o país que perde por falta de instituições políticas fortes.