Luanda - Durante os preparativos do IX Congresso Ordinário do nosso partido surgiram, no seio da UNITA, algumas vozes que defendiam a introdução, nos estatutos da UNITA, de claúsulas limitativas de mandatos do presidente do partido. A motivação desta proposta residia, como ainda reside na convicção de que, à semelhança das constituições de países com tradição democrática reconhecida que limitam para dois os mandatos dos seus presidentes, a UNITA também devia faze-lo. Dizem, estas vozes, que a limitação de mandatos daria lugar à alternância e que, este facto por si só, consolidaria e reafirmaria as credenciais democrátricas da UNITA.

Fonte: Facebook

Desde então e duma forma cíclica, é costume ouvirem-se vozes que defendem, no seio do nosso partido e na nossa praça política, a posição de que a permanência de quem quer que seja na presidência do partido por um período superior a dois mandatos consecutivos, mancha a cultura democrática que caracteriza a UNITA. Acrescentam que a ausência de alternância também configura violação de princípios democráticos.

Porém, vozes contrárias reflectindo a opinião de uma maioria de membros do partido, apresentam uma posição diferente, pois defendem que a limitação de mandatos é, normalmente, exigível a presidentes de países, isto é, a Chefes de Estado e não a presidentes de partidos políticos. Estas vozes, contrárias às primeiras, justificam o seu ponto de vista na base de que os presidentes de partidos não exercem poder político porque este é exercido apenas por entidades públicas, ou seja, por entidades da administração pública.

De facto, algumas pessoas confundem o significado do termo poder político; confundem também princípio republicano com o princípio democrático e por isso, afirmam erradamente que as organizações privadas, como os partidos políticos, deveriam aplicar na sua vida interna a alternância do poder que decorre do princípio republicano.

No seu Manual de Direito Constitucional, Tomo III, pags 241 e seguintes, o Dr. Jorge Miranda, conhecido e respeitado constitucionalista português, afirma que “o poder político republicano é qualidade ou atributo do Estado, não dos partidos políticos, nem dos sindicatos ou outras associações. Não há poder nos partidos políticos. O poder de mandar e a autoridade pública só podem ser exercidos pelos Estados sobre pessoas, nunca pelos partidos. Só os Estados têm soberania territorial (titularidade do poder sobre o território). É a estes poderes públicos inerentes à res publica, que o republicanismo impõe a alternância para o seu exercício”.

Não há “poder republicano” nos partidos políticos, porque os partidos não são Estado. Além de não serem órgãos estaduais, os Partidos não se qualificam como corporações de direito público, pois, embora lhes seja constitucionalmente atribuída uma função política, nem por isso se pode falar de um estatuto singular de direito público. Eles são “associações de direito privado”, defende Canotilho. Como tal, não há poder político nos partidos. O poder político é atributo do Estado.

Por isso, o atributo da limitação de mandatos inerente ao princípio republicano, não se aplica aos partidos políticos. A estes aplica-se sim o princípio democrático, o princípio da probidade, o princípio da prestação de contas e o princípio da renovação de mandatos, mas não da sua limitação.

Foi por isso que, apesar desta tese ter sido levantada nos IX, X e XI Congressos ordinários do partido – e sempre pelas mesmas pessoas -, a grande maioria dos congressistas a rejeitou; e, consequentemente, os estatutos da UNITA continuaram inalteráveis no que diz respeito à limitação de mandatos do Presidente do Partido, ou, como nos habituamos a ouvir, à necessidade de alternância na lógica das vozes que a defendem sob os binóculos do nível de democraticidade da UNITA.

Chegados aqui, precisamos também de entender bem esta questão da alternância do poder político que, na lógica em que é levantada, está intimamente ligada à esta proposta de limitação de mandatos. Assim, vamos procurar basear-nos em opiniões expressas por personalidades ligadas ao ramo de ciências jurídicas e políticas para nos dizerem o que acham desta questão que tem - verdade se diga- merecido debates profundos ao longo da história da Humanidade (a ideia de alternância não é produto original de mentes contemporâneas, pois já se fazia presente nas preocupações dos estudiosos das fórmulas democráticas como Aristóteles).

Comecemos, então, pelo Dr. Marcolino Moco que, na sua dissertação ao Grupo Parlamentar da UNITA que o havia convidado para falar de alternância nas Jornadas Parlamentares realizadas no Lubango, disse:

“ O que é afnal a alternância política? Aqui alternância é a mudança ou substituição por outras pessoas físicas ou correntes de pensamento e opinião política, programadas ou não, de titulares dos mais importantes cargos de decisão política. Como é fácil de deduzir, neste sentido a alternância é inevitável, porque inelutávelmente decorrente da lei da vida (envelhecimento, morte ...) e das convulsões histórico-políticas”. Referindo-se ao sentido da alternância na lógica da sua dissertação, o Dr. Moco acrescentou: “Na verdade, no estrito quadro de regime democrático em que agora estamos a examinar o conceito de alternância, ela resultaria, essencialmente, da flutuação da vontade da maioria da população eleitoral e não dos anseios particulares de indivíduos desejosos de vê-la concretizada mecanicamente ou mesmo de partidos políticos eventualmente impedidos do exercício directo do poder político, muitas vezes por muito tempo. Assim, a única forma de a obterem seria que esses indivíduos e esses partidos políticos influissem, de forma democrática, e em igualdade de circunstância, com o partido ou partidos no poder, na mudança da vontade dessa maioria o que nos sistemas abertos é facilitado pelo desgaste que a detenção do poder prolongado provoca e com a ajuda, sobretudo, das sucessões geracionais”.

Também o cientista politico brasileiro Emerson Santiago, fala-nos da alternância do poder da seguinte forma:

A “alternância de poder é o nome dado a um conceito relacionado diretamente ao de democracia, e que condena a perpetuidade de dirigentes políticos no poder, pois tal fato desvirtuaria o caráter de um governo popular.
Hoje a democracia está consolidada, o que contribui de forma efetiva para o livre exercício da cidadania através do voto. O voto é a melhor forma de manter alternância no poder. Alternância no poder significa mudança no poder, que é o espírito promotor de transformação social fundamental.


De qualquer modo, esta relação que amiúde é feita entre alternância e democracia não deve, porém, induzir as pessoas a considerar que “alternância de poder” é uma concretização, manifestação ou sub-princício do princípio democrático. Na verdade, ela resulta, em nosso entender da manifestação de dois princípios: o princípio da soberania popular e o princípio democrático. A troca de governantes não é dada pelo conceito da alternância, e sim pelo da supremacia da vontade popular, manifesto atravês do princípio democrático (eleições livres e periódicas). O povo mantém os governantes se está satisfeito e troca, se achar que há outros melhores”.


Poderíamos continuar a citar aqui outras personalidades entendidas nesta matériaa questão e em todas elas verificaremos que a questão em causa é tratada apenas e de forma clara no quadro de governos e dos estados, ou seja, da res publica e não no quadro de partidos políticos. Aliás, percorrendo estatutos de diversos partidos políticos..